A mansidão do homem de Deus

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A mansidão do homem de Deus é a tradução do artigo Meekness of the Man of God de Harry Foster.

Harry Foster

“Nunca mais se levantou em Israel profeta algum como Moisés, com quem o SENHOR houvesse tratado face a face, no tocante a todos os sinais e maravilhas que, por mando do SENHOR, fez na terra do Egito, a Faraó, a todos os seus oficiais e a toda a sua terra; e no tocante a todas as obras de sua poderosa mão e aos grandes e terríveis feitos que operou Moisés à vista de todo o Israel.” (Deuteronômio 34:10-12).

“Era o varão Moisés mui manso, mais do que todos os homens que havia sobre a terra”. (Números 12:3).

O profeta Miquéias descreveu o homem que agrada a Deus como aquele que ama a misericórdia e anda humildemente com o seu Deus (Mq 6:8). Moisés foi notável em sua humildade, não apenas nos seus dias, mas em todos os tempos. Também podemos perceber que, paralelamente, ele também foi um homem que amou a misericórdia. Ele tinha muitos motivos para isso, pois ele mesmo devia tudo à graça de Deus. Parece não ter havido homem maior em todo o registro sagrado – certamente não no Antigo Testamento; e a marca de sua grandeza foi sua mansidão.

Uma virtude de Cristo

A mansidão de Moisés não era um disfarce superficial, mas uma característica profunda dele. A declaração do texto de Números feita sobre sua mansidão foi feita em uma ocasião de extrema provocação. Ele foi severamente testado – e com grande frequência – e disso tudo emergiu o veredicto divino de que ele havia passado no teste: ele era um homem verdadeiramente manso.

A mansidão é, obviamente, uma virtude de Cristo: “Sou manso e humilde de coração” (Mt 11:29). Talvez essa seja uma das Suas maiores virtudes, pois foi o próprio Senhor Jesus quem não apenas pronunciou uma bênção especial sobre os mansos, mas também prometeu que eles herdariam a terra (Mt 5:5). Ele sabia muito bem que a mansidão não é natural do ser humano. Na verdade, foi para que os homens pudessem ser instruídos nessa qualidade de vida que o Senhor os chamou para virem a Ele e tomarem Seu jugo sobre eles. “Aprendei de mim…”, Ele ordenou, com a clara inferência de que nós, pecadores, nunca seríamos mansos ou humildes a menos que o fizéssemos.

Isso certamente foi verdade no caso de Moisés. Ninguém poderia sugerir que o homem Moisés fosse naturalmente manso. Nem mesmo os anos de treinamento e luxo na corte egípcia teriam lhe ensinado tal lição. Ele aprendeu muito com os egípcios, mas certamente nunca aprendeu essa lição da mansidão. Sua explosão no Egito e o único lampejo de impaciência no deserto, que lhe custou tão caro (Nm 20:8-12), dão indicações claras do tipo de homem que Moisés era por natureza. O fato mais surpreendente, então, é que este homem, dentre todos os homens, fosse manso, e a suprema maravilha diante de nós é que ele superou todos os outros homens nesta virtude de Cristo.

Moisés não era um mero sonhador. A mansidão não é uma característica da pessoa contemplativa; é uma virtude viril. Moisés foi um homem de ação. “E no tocante a todas as obras de sua poderosa mão e aos grandes e terríveis feitos que operou Moisés à vista de todo o Israel.” [Dt 34:12]. Moisés liderou a maior intervenção história, a peregrinação da nação israelita. Deus estava poderosamente com Moisés. Quando Josué assumiu a liderança do povo, não poderia ter recebido um maior encorajamento de Deus do que ser assegurado de receber o mesmo apoio: “Como fui com Moisés, assim serei contigo” (Js 1: 5). Qual foi a explicação dessas maravilhosas experiências do poder divino de Moisés? Certamente o fato dele ser manso acima de todos os outros homens. Sua mansidão era sua força.

Mansidão devido à misericórdia

Como já dissemos, o profeta Miquéias fez uma estreita associação entre misericórdia e mansidão: ele disse que o homem que ama a misericórdia caminhará humildemente com seu Deus. É provável que a maior causa da suprema mansidão de Moisés seja que sua vida tenha sido transformada por uma compreensão avassaladora da misericórdia de Deus para com ele. É possível, é claro, receber as bênçãos de Deus de maneira errada; tornar-se vaidoso, como os judeus, imaginando em vão que o tratamento gentil de Deus para com eles se devia a alguma superioridade inata deles. Tais homens podem usar as frases certas e falar da graça de Deus, mas é apenas uma fraseologia; não podemos dizer que eles “amam a misericórdia”. Se, no entanto, apreciamos a incrível paciência de Deus e Sua bondade para com os totalmente indignos, então não mais nos gabaremos das misericórdias, passaremos a amar a misericórdia. Certamente não há nada tão bem calculado para nos tornar verdadeiramente humildes de coração quanto a compreensão da grandeza da graça de Deus.

Misericórdia no início

A vida de Moisés se iniciou com um ato imenso de misericórdia. Naquela ocasião, todos os outros bebês tinham que ser jogados no Nilo. Somente Moisés foi salvo, e ele foi salvo pela misericórdia de Deus. Podemos dar todo o crédito à sua mãe que pensou em um plano para salvá-lo e o executou, à sua irmã que vigiou o cesto de juncos e interveio com tanto sucesso, e até mesmo à filha do faraó que demonstrou uma compaixão tão verdadeira e inesperada por aquele bebê. Mas não foi a mãe, a irmã, o cesto, nem mesmo a princesa que o libertaram, o que o salvou foi a grande misericórdia de Deus. O próprio Moisés foi o que menos contribuiu para sua própria salvação. Quando o cesto foi aberto, ele apenas chorou – era tudo o que podia fazer.

Provavelmente era a única coisa que sua mãe esperava que não acontecesse, e pode ser que Miriã tenha ficado tensa, temendo que o bebê estragasse tudo por não sorrir no momento apropriado. Tudo o que o bebê podia fazer era chorar em completa fraqueza, sem poder prestar qualquer ajuda. Sua libertação foi toda tributada a Deus. O nome dado a ele, Moisés (Êx 2:10b), foi um lembrete vitalício de como ele havia sido tirado das águas da destruição pela misericórdia de Deus. Esse começo deveria manter um homem humilde.

No entanto, este também foi o nosso começo. Teríamos sido engolidos pela destruição se não fosse pela intervenção Divina. Como o bebê Moisés, não podíamos contribuir com nada além de um choro, um lamento desesperado. Foi Deus quem teve misericórdia de nós e nos tirou das águas da morte. Podemos perguntar, como Moisés deve ter feito com frequência, por que nós fomos tão favorecidos quando outros ao nosso redor não têm essa história. Muitos tiveram as mesmas oportunidades, ou até mesmo maiores privilégios; contudo nós somos do Senhor, e eles não. A graça de Deus é incrível. ‘Foi tudo misericórdia!’

Misericórdia na Restauração

Chegou um momento em que o Senhor encontrou Moisés na sarça ardente. Nesse encontro, o Senhor tinha uma comissão e uma promessa. “Vem, agora, e eu te enviarei“, disse-lhe Ele (Êx 3:10); e mais tarde, “Eu serei contigo” (vs 12). Seria impossível imaginar o sentimento avassalador da misericórdia de Deus que deve ter enchido o coração de Moisés ao ouvir essas palavras.

Quanta história aconteceu entre o primeiro senso de chamado de Moisés para ser o Libertador de Israel e esta presente comissão! Moisés começou – onde todos devemos começar – fazendo uma grande renúncia. Aos quarenta anos de idade abandonou suas posses, suas perspectivas, tudo aquilo que é egoísta e terreno, para ser um servo do Senhor. Isso não estava errado; estava certo, e ninguém pode servir ao Senhor sem uma renúncia tão completa. Moisés deixou tudo para trás – ou pelo menos pretendia fazê-lo. Isso, porém, não o tornou manso. Muitos de nós passamos por uma experiência semelhante e fomos muito sinceros em nossa dedicação, mas isso não nos tornou mansos. Pode ter acontecido exatamente o oposto: nossa renúncia e entrega pode ter-nos dado uma falsa concepção de superioridade sobre os outros cristãos.

No caso de Moisés, tudo que aconteceu a seguir foi um completo fiasco. Ele tentou servir ao Senhor com suas próprias forças, à sua maneira e no seu próprio tempo. Homens mansos não fazem esse tipo de coisa. O resultado foi um fracasso abismal e absoluto. Moisés fugiu para a terra de Midiã, e por quarenta anos teve que viver com a sensação de colapso total. Talvez possa ter ocorrido a ele que a obra de Deus não poderia ser realizada pelo tipo de homem que ele era, apesar dos grandes sacrifícios que ele realizou. Deve ter havido um colapso de qualquer habilidade, um sentimento de profundo desapontamento, na convicção de que ele havia desperdiçado todas as chances que já teve, de que havia se desqualificado para ser um servo de Deus.

Nós também devemos seguir esse caminho, embora felizmente não deva durar quarenta anos como aconteceu com Moisés. Mas há um significado espiritualmente simbólico nesse número: destina-se a indicar a profundidade do processo de enfraquecimento. Moisés tinha aprendido a lição.

Pelo menos ele pensou que tinha. Mas, na verdade, aquele era apenas o primeiro tempo. Ele havia se acomodado com seu próprio fracasso, mas agora o Senhor apareceu a Moisés com este chamado surpreendente para voltar ao trabalho que ele havia arruinado quando tentou fazer com suas próprias forças. Ele voltou, relutante, hesitante, cheio de dúvidas quanto à sua própria capacidade e valor, mas seguiu com a nova e enfática certeza: “Eu serei contigo“. Quão incrível deve ter lhe parecido a graça de Deus, resgatando-o de seu fracasso e desespero, oferecendo a alguém que havia vacilado no passado um serviço tão elevado e privilegiado. Sabemos, é claro, que foi esse mesmo senso de inutilidade que lhe deu acesso a um poder que ele nunca havia conhecido antes. Era a prova de que os quarenta anos, longe de terem sido desperdiçados, haviam feito o necessário trabalho de quebrantamento. Receber de volta sua comissão original por tal milagre de misericórdia foi calculado para levar Moisés a se sentir profundamente humilhado.

Em certo sentido, o verdadeiro servo de Deus é sempre um homem derrotado. Aquele que segue com o senso de sua própria importância, que não está disposto a apreciar a inutilidade de seus melhores esforços e está sempre procurando justificar-se – esse não será manso e, portanto, carecerá do poder essencial por intermédio do qual a obra de Deus será realizada. Nosso quebrantamento não deve ser fingido; não devemos nos contentar com o mero linguajar e aparência de humildade. Nós devemos estar tão conscientes da misericórdia Divina quando somos restaurados para o serviço de Deus, como aconteceu quando recebemos aquela misericórdia que nos tirou das águas da morte.

Misericórdia do Êxodo

Deus cumpre abundantemente Sua promessa de ‘estar com’ Seu servo: Moisés foi usado de maneira singular para realizar a obra de Deus. Isso, também, como Ele mesmo admitiu, foi pura misericórdia: “Com a tua beneficência guiaste o povo que salvaste” (Êx 15:13). Moisés não precisava da libertação para si mesmo. Ele era livre; ele nunca foi um escravo. Moisés podia ir e vir quando quisesse. Ele foi enviado, no entanto, para o seu povo que estava na ‘casa da servidão’, e se deparou com a tarefa impossível de libertá-los para que pudessem adorar e servir a Deus. O milagre aconteceu; a grande emancipação ocorreu; e Moisés foi o homem que Deus usou para fazer isso. O velho Moisés, cheio de sua própria importância, poderia estar pronto para receber algum crédito por isso. Infelizmente é muito fácil para o servo do Senhor ensoberbecer-se, mesmo que ele não tenha sido tão usado como Moisés. Mesmo o jovem Moisés, profundamente consciente de sua dependência do Senhor, passou por severas provações no Egito que o lançaram ainda mais fundo na absoluta graça de Deus, e ele só pôde participar do grande Êxodo quando ficou bem claro que Somente Deus estava realizando a obra.

Este é o caso de todo servo espiritual de Deus. Ele tem que ser tratado de tal forma que qualquer tendência de imaginar que ele é alguma coisa ou que é superior aos outros deve ser expurgado dele. A partir disso, ver Deus trabalhando em poder e libertação, como Moisés presenciou, para ser o instrumento de uma obra que é total e absolutamente de Deus – só pode conduzir o homem a uma humilde adoração.

Realmente, o homem mais usado deve ser o mais manso de todos. Quando Cristo transformou a água em vinho, está escrito que o mestre-sala e os convidados da festa não sabiam o seu segredo, mas aqueles que carregaram o vinho o conheciam. “Se bem que o sabiam os serventes que haviam tirado a água” (Jo 2:9). Eles sabiam quão gloriosamente Cristo havia trabalhado e eles mesmos haviam sido espectadores, em vez de agentes, privilegiados para serem usados, bem cientes de que toda a glória pertencia ao Senhor e nada ao homem.

Misericórdia da Oração Respondida

Pense também na maneira maravilhosa como o Senhor respondeu às orações de Moisés. Houve milagres de preservação, milagres de provisão, milagres de progresso. Toda vez que uma nova crise de necessidade surgia sobre eles, Moisés voltava-se para o lugar secreto de oração e invocava o Nome do Senhor. E em cada ocasião eram derramadas novas bênçãos que só poderiam ser conhecidas por meio das provações. As pessoas não podiam orar por si mesmas. Na maioria das vezes, os israelitas duvidavam e murmuravam. Moisés era o homem que orava, e assim Moisés desfrutou de toda a bênção espiritual que vem para aqueles que veem suas orações respondidas, especialmente se essas orações forem a favor de outros e não para si mesmos.

Afinal, quando faltava comida ao povo, Moisés sentia tanta fome quanto qualquer um deles. Moisés também poderia ter morrido de sede, quanto eles careciam de água. Quando os israelitas foram atacados por seus inimigos, Moisés corria tanto perigo quanto qualquer um deles – possivelmente até mais. Parece, porém, que, como um verdadeiro intercessor deveria fazer, Moisés esqueceu-se de si mesmo e de suas próprias necessidades devido a sua preocupação de pastor com o povo. Ele orou por eles, não por si mesmo; e, ao fazê-lo, dificilmente ignorava o fato de que eles eram tão indignos quanto ele. Quando as orações foram respondidas – e que registro maravilhoso de orações respondidas a jornada no deserto nos provê! – então mais uma vez Moisés ficava impressionado com a grandeza da misericórdia de Deus.

Haviam, é claro, necessidades espirituais mais profundas do que os perigos físicos e materiais do caminho do deserto. Houve momentos em que toda a nação provavelmente seria destruída por causa de sua desobediência e pecado. Alguns indivíduos, como Arão e Miriã, depositaram a única esperança de sobrevivência na misericórdia de Deus. Moisés foi o homem que orou por essa misericórdia, e Deus graciosamente respondeu à sua intercessão altruísta. Existem duas maneiras de receber respostas à oração. O caminho errado é o da presunção, como se nós ou nossas orações tivessem algum tipo de mérito. Um ministério de oração não continuará por muito tempo, nem permanecerá eficaz, se o intercessor tiver esse espírito. Mas existe o outro caminho, quando os envolvidos são humilhados até o pó pela pura bondade e graça de Deus.

A abundância da misericórdia de Deus pode derreter os nossos corações em humilde gratidão mais do que o sofrimento ou a disciplina. Pessoas que experimentam isso não precisam tentar ser mansas. Não precisam nem mesmo orar para serem mansas. É a bondade de Deus, tão incrível e tão imerecida, que produz essa mansidão.

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