O Caminho da Cruz – Parte 1

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O caminho da Cruz (parte 1) é uma tradução do Capítulo 4 do livro “The Centrality of the Cross” (A Centralidade da Cruz) de Jessie Penn-Lewis.

 

Jessie Penn-Lewis (1861-1927)

“Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer…” (João 12:24).

Iremos falar da operação subjetiva da Cruz, que é o princípio da vida de ressurreição para dar frutos. Para isso devemos ser levados à uma comunhão muito real com Cristo em Sua Morte, por meio de um conhecimento experimental da Cruz. O Espírito de Deus aplica a morte de Cristo em nós, para então aplicar também o poder vivo da ressurreição. Ele começa do centro e a partir daí segue para a circunferência. No caminho da comunhão com Sua morte, aprendemos primeiro o que é a liberação do espírito, e então descobrimos como isso opera no âmbito da alma – o intelecto, as emoções e as disposições – para, por último, aprender como isso funciona na esfera do corpo.

Devo, entretanto, apontar que, apesar de essa ser a sequência da operação de Deus, Ele nem sempre age nessa ordem. Algumas vezes os crentes começam em um dos estágios posteriores, e depois são levados ao início, para aprender os primeiros elementos da verdade. Muito disso depende do ambiente que eles vivem, e do conhecimento daqueles que os ajudaram no início da sua vida Cristã. Entretanto, com alguns, o Senhor não pode agir muito rápido. Ele adequa os Seus tratos às limitações da alma de cada um, e tem todos os tipos de métodos e formas de atuação (1 Co 12:6). Não devemos pedir a Ele que nos coloque a todos em uma experiência padrão.

Vamos voltar para o texto de João 12:24, onde lemos: “Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, produz muito fruto”. Logo depois de dizer isso, o Senhor aplicou o sentido dessas palavras para o Seu discípulo de forma individual, e apresentou, ao mesmo tempo, a lei no reino espiritual que é análoga a essa lei da natureza. Ele disse: “Quem ama a sua vida perde-a; mas aquele que odeia a sua vida neste mundo preservá-la-á para a vida eterna. Se alguém me serve, siga-me…” (versos 25,26).

Uma Importante Distinção

Certamente esse não é o mesmo aspecto da Cruz quando pensamos no perdão dos pecados. Não existe libertação gradual do pecado. O processo de morte para o pecado, livramento do mundo e livramento da carne não é gradual. O Espírito de Deus não diz “um pouco hoje” e “um pouco amanhã”, quando age em relação ao pecado e as obras da carne. Tão logo você se tornar consciente da ação de cada um deles “abandone-os”. Romanos 6 nos aponta que devemos “nos considerar mortos” para o pecado, mas João 12:24 menciona uma lei de morte gradual e progressiva no que diz respeito aos frutos. O texto não menciona que devemos abandonar o que é ruim, mas abandonar aquilo que é lícito – aquilo que temos por natureza – a vida. “Pele por pele, e tudo quanto o homem tem dará pela sua vida”, disse Satanás para Jeová quando falava de Jó (Jó 2:4). É essa vida que o Senhor diz que os que O seguem devem abrir mão, no sentido de cumprir a lei da morte para a frutificação. O que temos por natureza deve ir à “morte”, para permitir que a “vida” de Deus em nós possa trazer os frutos.

No verso 25, vemos isso claramente no texto original em Grego, porque essas duas palavras traduzidas para nossa língua como “vida” não são a mesma palavra no texto original. Uma palavra grega fala de uma forma inferior de vida, a vida natural – a vida que temos em comum com os animais. A outra é a vida eterna – a vida que recebemos de Deus no novo nascimento, uma vez que somos co-participantes da natureza Divina. Então, a passagem poderia ser lida assim: “Quem ama a sua vida (psuche, natural) perde-a (o fruto dela na eternidade); mas aquele que odeia a sua vida (natural) neste mundo preservá-la-á para a vida eterna (zoe, espiritual).”

Os filhos de Deus estão, em sua maioria, muito preocupados com a questão da vitória sobre o pecado, o que é realmente necessário, mas quando eles conhecem o caminho de vitória sobre o pecado, se esquecem que existe uma fase mais profunda da Cruz adiante disso. Não é uma questão de pecado, mas da vida pela qual eles vivem e agem. Como alguém já disse, a vida natural não tem poder de conquista no reino espiritual. Essa é a causa de alguns crentes trabalharem tanto e obterem tão pouco fruto. Eles conhecem a vitória sobre o pecado, mas a vida natural continua sendo a energia por trás do seu serviço, pelo uso de sua própria capacidade, como por exemplo, pelo intelecto da vida natural, assim como por suas afeições e emoções. O uso do intelecto ou das afeições naturais não é em si mesmo pecaminoso, mas, o ponto aqui é que não é a vida de Deus residente no interior que está fluindo, mas está sendo usadas as “virtudes” que emanam da vida natural.

A vida natural sendo usada como fonte de poder no crente, em vez da vida de Deus, representa falta de poder no conflito espiritual, porque o inimigo espiritual não pode ser combatido pelo homem “natural”, com armas naturais. Portanto, na mesma extensão que andarmos pela vida natural, não teremos poder na batalha contra os poderes das trevas. Esses poderes são sobrenaturais e apenas podem ser encarados por um poder espiritual. Mesmo que nós possamos, dentro da extensão das nossas consciências, ter vitória sobre o pecado, precisamos verdadeiramente aprender a “odiar”, ou rejeitar a vida natural, assim como o Senhor Jesus Cristo derramou Sua vida sem pecado no Calvário.

O Caminho dos Frutos Espirituais

Se alguém me serve, siga-me”, disse o Senhor quando falou da lei espiritual da vida que sai da morte, e do caminho da entrega da vida natural para a manifestação frutífera da vida de Deus.  No Calvário, Ele entregou Seu espírito a Deus, mas derramou Sua alma na morte – a morte na Cruz. Portanto, o Espírito Santo nos conduzirá a um caminho onde nós também iremos derramar nossa vida da alma na morte, em comunhão com o Senhor no Calvário. Esse é o sentido de Deus te tomar em Suas mãos e te conduzir à experiências onde você perde toda a consciência da vida nos sentidos naturais; ou melhor, toda a “consciência” da presença de Deus no âmbito dos sentidos. Nesse caminho parece, em alguns momentos, que você perdeu toda a sua vida “espiritual”, e ainda assim pode dizer “Eu tenho confiança em Deus, mesmo sem sentir, ou sem consciência disso. Estou andando por uma fé nua”.

Eu vos escolhi a vós outros e vos designei para que vades e deis fruto” (Jo 15:16), disse o Senhor. Então, no tempo propício, quando a vitória sobre o pecado for aprendida, o Espírito Santo vai conduzir a alma a um caminho onde a vida natural ou vida emocional ficará para trás, e, em alguma medida, a vida intelectual ativa e perturbada perde seu poder para atividades desnecessárias. Ele faz isso de formas muito variadas com aquele que deseja conhecer a vida abundante de frutos e que está disposto a seguir ao Senhor, como o grão de trigo caindo no campo para morrer!

A Bela Figura do Grão

Vamos pensar por um momento na figura do grão, aplicando-o ao cristão. O grão deve ter uma casca bonita, mas que é dura. O germe da vida está preso lá dentro. Não consegue ultrapassar essa casca. A vida presa no grão não produz nada. O único modo de levar esse grão frutífero à produzir outros grãos é lançando-o na terra escura. Assim, ele perderá sua casca exterior, sua beleza, o raiar do sol e tudo mais que tornava aquela “vida” bonita, quando se aninhava com seus companheiros na espiga do trigo. Ele perde tudo a que estava apegado, e é jogado na terra. Depois de um tempo, você não encontrará nada daquela casca polida nessa semente, mas verá um pouquinho de vida fluindo para fora. Se ela for deixada no chão para entregar sua vida por completo, uma nova vida surgirá da terra escura em direção ao sol, e se tornará uma nova espiga de milho que, finalmente, produzirá fruto, trinta ou sessenta vezes mais.

Os filhos de Deus retrocedem com frequência dessa verdade do Evangelho. Eles desejam ser “frutíferos”, mas não estão dispostos a seguir pelo caminho que possibilita isso. Não desejam deixar a consciência, ou vida da alma, em sua experiência espiritual.

Deixe-me dizer, entretanto, que mesmo abrindo mão das sensações da alma, existe uma consciência no espírito que é permanente. A vida de Deus no nosso espírito não tem variações, mas as experiências na “alma” ou no homem “natural” são afetadas pelas circunstâncias, e por todo tipo de influência externa. Mas, à medida que o “grão de trigo” cai no solo para morrer para todos os fatores externos, não apenas se torna frutífero, mas também tem o espírito elevado em plena comunhão com Deus. Quando a vida interior do espírito se tornar firme em Deus, ela se moverá na órbita dessa caminhada com Deus, como os planetas se movem em suas órbitas nos céus. Essa vida imutável em Deus (Cl 3:3) nunca é plenamente conhecida, até que o cristão deixe as atividades de sua vida natural.

A Lei do Aumento da Frutificação

Vamos relembrar, então, no caminho do grão de trigo, da lei do aumento da frutificação. Na esfera da alma, quando o cristão ganha outro cristão, ele está seguindo o princípio do “um a um”, mas a vida de Deus em nós é capaz de se reproduzir por meio do derramar da vida da alma na morte. Essa lei de aumento é de “um grão para trinta”, e assim sucessivamente. O aumento é por multiplicação, sem dependência de atividades por parte do cristão. A vida de Deus em nós, quando livre para agir através de nós com a morte da vida natural, vivifica tudo que toca.

Um dos antigos escritores descreve essa vida como uma “tintura”. Se você tomar uma gota de tinta ou de leite, ela “tingirá” o copo de água. Assim, quando a vida Divina está no espírito, enquanto a vida da alma está sendo levada à morte, existe uma “tintura” Divina através das palavras que você diz. Você pode falar apenas simples palavras, mas elas geram fruto. Oh! Que possamos viver de tal forma que tudo o que dissermos ou fizermos tenha essa “tintura” da vida de Deus. Isso é infinitamente mais valioso para Deus, e é mais frutífero para o crente, do que um experiência dos sentido, que se restringe à prover alegria para aquele que a desfruta.

Essa união inunda nossa vida diária de Deus. É tão simples, que aquele que sabe disso pode estar tão ocupado sendo “fiel naquilo que é pouco”, que nem percebe se ele foi “usado” ou não. Essa pessoa não clama por “poder” ou “mais poder”, porque ela apenas vê o “morrer”, o permanecer na morte de Cristo, independente dos sentidos. A vida de Deus estará “tingindo” tudo o que tal pessoa “faz”, trazendo frutos eternos.

Continua no próximo post.

Leia mais artigos da autora aqui.


Jessie Penn-Lewis (1851-1927) nasceu no País de Gales, em uma família metodista calvinista. Sempre teve uma constituição física frágil, estando constantemente muito doente. Penn-Lewis foi muito impactada pelo ministério de Evan H. Hopkins, quando lhe foi apresentado o caminho da vitória por meio da Cruz de Cristo. Ela tinha um forte encargo com a mensagem da identificação do crente com o Senhor na Cruz, para manifestar o poder de Sua morte e ressurreição. Sua contribuição foi grande no sentido de reavivar entre os crentes a verdade da vida interior e da mensagem da Cruz. Assim como Madame Guyon, Fénelon e outros místicos cristãos, ela enfatiza fortemente em seus escritos a necessidade de uma vida interior de oração e contemplação do Senhor Jesus, e uma experiência subjetiva da Cruz.

Jessie Penn-Lewis era casada, mas não teve filhos. Apesar de enfrentar diversos períodos de severas enfermidades, ela ministrou sua mensagem em vários países como Índia, Canadá, Rússia e Egito, pregou na Convenção de Keswick, iniciou a publicação da revista The Overcomer (O Vencedor), e publicou livros e artigos sobre diversos assuntos.

Penn-Lewis foi contemporânea de G. Campbell Morgan, F. B. Meyer, A.B. Simpson e T. Austin-Sparks. Em 1934, Watchman Nee afirmou que “durante os últimos anos, quase todas as mensagens comentadas entre os crentes espirituais têm sido ensinamentos de Jessie Penn-Lewis”.

Para conhecer mais a respeito do encargo e mensagem de Jessie Penn-Lewis, é possível ler ainda hoje edições da Revista O Vencedor. Os livros “Guerra contra os Santos” e “A Cruz, o caminho para o reino” foram publicados no Brasil pela Editora dos Clássicos.

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2 Comentários. Deixe novo

  • Que profundidade de experiência escrita neste artigo, obrigado pela postagem, que o Senhor os supra abundantemente para nossa edificação, obrigado !

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