Jacó – Um Andar Mais Próximo com Deus

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Harry Foster

Ele te declarou, ó homem, o que é bom e que é o que o SENHOR pede de ti: que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus” (Miquéias 6:8).

“Àquele lugar chamou Jacó Peniel… e manquejava de uma coxa” (Gênesis 32:30-31).

Jacó. Andando como um Coxo

Não se pode dizer que Jacó andou com Deus antes de ter sido atingido na junção de sua coxa. Ele mesmo nunca alegou isso, mas disse modestamente a José que aquele Deus diante de Quem seus pais, Abraão e Isaque, andaram, era Quem sempre fora seu Pastor (Gn 48:15, conforme versão Darby). No entanto, Peniel marcou uma grande crise em sua vida e, mais tarde, quando Jacó entrou na presença do Faraó manquejando, o fez com grande autoridade espiritual: “Trouxe José a Jacó, seu pai, e o apresentou a Faraó; e Jacó abençoou a Faraó”. Vemos mais uma vez: “E, tendo Jacó abençoado a Faraó...” (Gn 47:7 e 10).

Essa cena foi notável. Para qualquer espectador, deve ter parecido incrível que um velho agricultor aleijado estivesse em posição de conferir uma bênção ao maior monarca daqueles dias. Mas a maravilha foi ainda mais incrementada pelo fator pessoal, pois Jacó foi frequentemente descrito como um personagem duvidoso ou até desprezível. O fato dele, dentre todas as pessoas, ter se tornado um homem com um ministério de bênção, disposto e capaz de transmitir aos outros um benefício Divino em nome de seu Senhor, é uma indicação dos resultados do que aconteceu na grande crise de Peniel. Apesar de marcado para sempre como um homem manco, aquilo foi um novo marco em sua experiência de uma caminhada mais próxima com Deus.

A dupla menção de sua bênção ao faraó não foi um ato isolado. Dezessete anos depois, ele foi capaz de abençoar os dois filhos de José (Gn 48:20), e a história deixa claro que seus pronunciamentos sobre os dois rapazes não eram apenas expressões humanas de boa vontade, mas palavras proferidas debaixo da inspiração Divina, em certo ponto até mesmo contrárias as ideias naturais de José. Posteriormente, Jacó pronunciou bênçãos individuais sobre os seus doze filhos que posteriormente formariam as tribos de Israel (Gn 49:1-28). Podemos até entender que o grande Moisés fosse competente para abençoar as doze tribos, pois seria esperado que ele fosse um homem de Deus que tivesse poder para fazê-lo, mas é realmente notável que um homem como Jacó tenha tido tal ministério enfatizado.

O homem que anda com Deus é uma bênção para os outros. Este, de certo modo, é o critério para a vida espiritual e esse será o parâmetro de julgamento da história terrena de cada um de nós. Será que esse homem foi um instrumento para trazer as bênçãos de Deus para a vida de outras pessoas? E aquela mulher, tinha um ministério de bênção? Esta é a pergunta final. Para que isso seja possível no nosso caso, pode levar anos de instrução e disciplina, como aconteceu no caso de Jacó, mas o veredicto final de nossas vidas será baseado em se Deus foi capaz de comunicar Sua bênção através de nós para outras pessoas.

Por esse padrão, certamente podemos dizer que esse homem, que andava manco, teve uma vida plena. No caso dele, a paciência de Deus por muitos anos prevaleceu. Este foi o ponto de verdadeira conquista: “Jacó abençoou a faraó”. Somente dezessete anos depois, Jacó, em seu ato final de adoração, alcançou o grande clímax de sua fé enquanto adorou a Deus “apoiado sobre a extremidade do seu bordão” (Hb 11:21), mas o fato de que ele o alcançou é um tributo maravilhoso ao poder da graça de Deus.

Que isso foi fruto da graça, fica claramente demonstrado pelo fato do patriarca se considerar sem importância: ele não sentia a dignidade e a autoridade que exibia, mas estava dolorosamente ciente de suas próprias falhas. “Poucos e maus foram os dias dos anos da minha vida e não chegaram aos dias dos anos da vida de meus pais...” (Gn 47:9). Em seu corpo, ele era um aleijado; em sua estimativa de si mesmo, sentia-se extremamente insuficiente e indigno de ser comparado com outros que haviam andado com Deus; contudo, este era o único homem que podia estar diante de Faraó e conferir um benefício ao grande Governante, apesar de sua fraqueza.

Enquanto Jacó se considerou esperto e bem-sucedido, não teve bênção para conceder; foi no momento que ele sentiu tão dolorosamente sua própria inadequação, que seu verdadeiro ministério espiritual se tornou possível. É sempre assim. Deus constantemente tem que trabalhar conosco para paralisar nossa força natural, e o faz com o único propósito de lidar conosco, para que, do nosso nada, possa fluir a Sua bênção para os outros.

Uma característica marcante dessa nova fase da carreira de Jacó foi que ele não era mais um homem que se agarrava as suas posses, mas alguém que tinha prazer na graça de dar. Toda a sua vida foi ocupada em torno das bênçãos divinas. Ele sempre havia imaginado que esse era o fator mais importante da vida, como de fato é. Mas, naqueles anos anteriores, ele intencionava mais em obter do que no conceder a bênção. A bênção parecia tão importante para ele que sentia que precisava agarrá-la com toda a sua força, indiferente do efeito que sua ação causasse sobre os outros, tendo como única intenção o obter e manter tudo o que pudesse.

Uma grande mudança ocorreu. Às vezes, você pode ler sobre a mudança de nome de Jacó para Israel e se perguntar se algo realmente mudou no homem, exceto pelo seu nome. Mudou sim, embora o resultado dessa mudança pareça tristemente lento. Foi como Jacó que ele abençoou o Faraó, mas foi como Israel que ele decidiu se juntar a seu filho José (Gn 45:28) e foi como Israel que ele fez a jornada até lá (Gn 46:1). Considere como o velho Jacó teria entrado no Egito. Pense em como ele planejaria explorar essa proeminência inesperada de seu filho. Os seus próprios interesses o levariam a buscar todas as vantagens e procurar todas as oportunidades de fazer uso egoísta da grande influência que José agora exercia no ali. A extensão da transformação de Jacó pode ser medida pelo fato de que ele parece não ter esses desejos, mas apenas ter a intenção de dar. Ele não pediu nada ao Faraó: deu-lhe o melhor que tinha, uma bênção de Deus.

Nisso, ele antecipou as palavras do próprio Senhor Jesus, que disse: “Mais bem-aventurado é dar que receber” (At 20:35). Não sabemos realmente quando Ele pronunciou essas palavras. Isso não importa. O ponto importante é que o Senhor vivenciou isso todos os dias de Sua vida terrena. Infelizmente, muitos de nós têm que confessar que, embora aceitemos a ideia, geralmente deixamos de colocá-la em prática. Lembramos as palavras de Pedro ao coxo: “mas o que tenho, isso te dou” (At 3:6). Mas de fato esperaríamos isso dos apóstolos de Cristo, cheios do Espírito. O milagre aqui é que o próprio Jacó estava se tornando um homem semelhante a Cristo, pois certamente é isso que está implícito no seu novo nome, Israel.

Como dissemos, Jacó sentiu-se um homem fraco e indigno. Nisso estava o segredo de seu poder com Deus e os homens. Se perguntarmos como foi que ele começou a se sentir fraco dessa maneira, a resposta é que tudo começou quando sua força natural foi quebrada sob a mão de Deus, enquanto lutava com Ele a noite toda em Jaboque (Gn 32:25). Antes daquela ocasião, ele passara por vinte anos de provas e disciplina. Na casa de seu parente, Labão, ele encontrou um homem que era duro e bem semelhante a ele para lhe causar um sofrimento sem fim. Foram vinte anos de dificuldades, mas não há indicação de que o sofrimento tenha transformado Jacó. É uma idéia bastante equivocada imaginar que o sofrimento, por si só, tem algum poder de amadurecer-nos espiritualmente. Não, mesmo depois desses vinte anos, Jacó ainda era Jacó, pois foi isso que ele confessou ao anjo que lutou com ele. Se ele estava ou não preparado para esse encontro com Deus devido as coisas pelas quais ele havia passado, não nos é declarado. Talvez estivesse. O que ele precisava naquele estágio, no entanto, não era sofrimento, mas um encontro pessoal com Deus, do qual ele emergiria um homem verdadeiramente quebrado. Foi isso que aconteceu em Jaboque. Quando ele fez todos os seus planos, os executou, e permaneceu em sua solidão, Deus o encontrou e lutou com ele. Sei pouco sobre luta livre, mas entendo que o objetivo é que um homem ceda ao seu oponente. Isso é algo que Jacó nunca faria, mesmo que o oponente fosse um anjo do céu. Ele precisou que se tornar aleijado para que isso acontecesse. Ele se tornou um homem enfraquecido que não estava mais planejando ou lutando pela bênção, mas se apegando ao Senhor por ela. Quando isso aconteceu, a bênção era ainda maior do que ele jamais poderia imaginar, e estava ligada a um novo nome, Israel.

Às vezes, imaginamos que a transformação completa ocorreu em um momento, como se pelo fruto desse encontro o velho Jacó deixasse de existir e um homem inteiramente novo chamado Israel tomasse seu lugar. À medida que a narrativa prossegue, fica claro que não foi esse o caso. Não apenas é possível detectar vestígios da natureza antiga ainda em operação, mas é evidente que o escritor desejava registrar o fato de que isso não havia acontecido, pois, sob a inspiração do Espírito, ele constantemente muda do nome de Jacó para Israel e depois usa Jacó novamente. Não, não houve uma mudança instantânea no Jaboque, embora o que aconteceu tenha provado ser radical em sua execução. A experiência marcou um novo começo para Jacó. Em certo sentido, foi a partir daí que ele começou a andar com Deus. Peniel marcou o início de um novo dia para este homem que agora estava comprometido com Deus, para que o trabalho de transformação pudesse prosseguir.

Por esse motivo, ele ainda precisava sofrer. Depois de sua nova posição de entrega, poderia-se imaginar que seus sofrimentos terminariam. Aqui, novamente, descobrimos que os caminhos de Deus com Seus servos não são como pensamos que deveriam ser. Pelos próximos vinte anos, Jacó passou por uma sucessão de provações muito mais profundas, até que finalmente exclamou, quase desesperado: “Todas estas coisas me sobrevêm” (Gn 42:36). Apesar de parecer que as coisas estavam contra ele, é claro que não estavam. Enquanto falava dessa maneira, José estava governando o Egito e estava planejando proporcionar conforto e um lar para seu velho pai. Isso estava escondido dos olhos de Jacó. O futuro geralmente está oculto de nós. Tudo o que sabemos é o que Jacó sentiu que uma provação sucedia a outra depois que se rendeu ao domínio absoluto do Senhor, tornando a vida ainda mais difícil do que ocorria antes disso ter acontecido.

Depois que Jaboque, Jacó precisou suportar o mau comportamento de seus filhos (Gn 34), a triste perda de Raquel, que deixou uma marca até o fim de sua vida (Gn 48) e passou o desgosto com a conduta vergonhosa de Rúben (Gn 35). Finalmente, veio o pior golpe de todos quando ouviu falar da aparente morte de José e nela acreditou. Tudo isso pode nos parecer difícil e desnecessário para um homem agora chamado Israel e, ao ler a história, sentimos uma nova brandura e submissão no espírito do patriarca. O velho Jacó certamente teria reagido de maneira muito mais violenta àqueles filhos! Talvez a transformação estivesse ocorrendo o tempo todo, e principalmente quando ele estava menos consciente disso.

O que havia acontecido em Jaboque precisava se tornar uma experiência mais interior, um quebrantamento que é o verdadeiro segredo da transformação espiritual. O mesmo acontece com todos nós. Não somos tornados em ‘Israel’ em um momento, por mais sagrado e significativo que possa ser o nosso momento do encontro com o Senhor. Isso é apenas o começo. A partir de então, devemos ser conduzidos por circunstâncias de provação e decepção, a fim de que, ao final, possamos emergir como aqueles cuja vida inteira é uma bênção, se tornando em um meio de abençoar os outros.

O último movimento de Jacó foi feito com humildade e alegria, e o Senhor estava com ele. Quando ele concordou em ir ao Egito para ficar com José, fez uma pausa significativa antes de deixar a terra da promessa. Ele chegou até Berseba e lá parou. É claro pelas palavras que Deus lhe dirigiu que ele estava sendo dominado por medos muito reais. Ele pode muito bem ter se perguntado se era correto descer ao Egito debaixo de qualquer circunstância. Abraão tinha sido um homem maior e melhor do que ele, e ainda assim havia sido manifestamente errado para ele ir para lá. O que ele deveria fazer? José estava lá e ansiava por ver seu filho favorito. O transporte havia sido fornecido, e parecia tão correto e razoável prosseguir. Além disso, havia fome em Canaã. Mas foi a fome que governou a decisão de Abraão, e então isso pode ter feito Jacó hesitar. Pode ser que, depois que ele partiu impulsivamente, assumindo como certo que Deus estaria com ele em sua jornada, como costumamos fazer, ele se sentiu impelido a reconsiderar o assunto. É perigoso tomar a presença e as bênçãos de Deus como garantidas. Será que foi por ter percebido isso que Jacó fez todo o grupo parar por um tempo em Berseba, enquanto ele teve novos tratos com Deus sobre a iniciativa?

Ali ele estabeleceu um altar. Não sabemos o que ele ofereceu, mas sabemos pelo restante das Escrituras que o padrão deveria ser uma “oferta totalmente queimada“. Ele precisou colocar tudo no altar, e mostrar dessa maneira simbólica, que tudo pertencia a Deus, e era sustentado em confiança nEle. Jacó queria ir para o Egito. De fato, era a única coisa que ele desejava na terra agora. Mas ele precisava testar seus desejos em relação à vontade de Deus, então naquele altar ele entregou a Deus suas próprias ideias e desejos, e esperou para ver qual seria a resposta do Senhor.

Não parece que ele tenha tido que esperar muito. Será que foi na noite seguinte que Deus falou com ele? Ou ele precisou esperar alguns dias depois de fazer sua oferta? Nós não somos informados a esse respeito. Mas nos é dito que na noite em que Deus falou com ele, ele o chamou pelo nome antigo e até repetiu para enfatizar: “Jacó! Jacó!… não temas descer para o Egito…” (Gn 46:2-3). “Você é um homem tão coxo agora que precisa ser carregado em um carro, mas Eu irei com você e andaremos juntos até que Eu mesmo o traga de volta à companhia de seus pais” (veja Gn 49:29).

Andar com Deus significa aprender a esperar nEle. E foi isso que esse coxo majestoso fez. Foi como Israel que ele viajou (Gn 46:1) e foi como Israel que Deus falou com ele, e ainda assim Ele o chamou de Jacó (46:2). Foi assim que Jacó ficou na presença de Faraó e transmitiu as bênçãos de Deus ao rei. Ele era um homem fraco, quebrado, profundamente dependente. Mas Deus o enviou e estava com ele. Ele podia coxear, mas aprendeu a andar humildemente com seu Deus.

Texto homônimo de Harry Foster, publicado na Revista “Toward The Mark”, Vol 11, no. 5, Set-Out de 1982.

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