As reações de Deus aos desvios do homem

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As reações de Deus aos desvios do homem é uma tradução do capítulo 1 do livro “God’s Reactions to Man’s Defections – Part 1”, de T.Austin-Sparks, publicado no site www.austin-sparks.net.

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T. Austin-Sparks (1888-1971)

“Eu sou o Alfa e Ômega, diz o Senhor Deus, aquele que é, que era e que há de vir, o Todo-Poderoso” (Apocalipse 1:8).

“O que é já foi, e o que há de ser também já foi; Deus fará renovar-se o que se passou” (Eclesiastes 3:15).

Precisamos ter duas coisas bem claras diante de nós, apesar de nos parecerem contraditórias.

  1. Ao longo das eras, Deus tem constantemente feito uma coisa nova.
  2. O que a partir do ponto de vista do homem é algo novo feito da parte de Deus, a partir do Seu próprio ponto de vista não é nada novo.

“Diz o Senhor, que faz estas coisas conhecidas desde séculos” (At 15:18).

“Embora, certamente, as obras estivessem concluídas desde a fundação do mundo.”(Hb 4:3).

Em todas as Suas novas atividades e revelações, Deus está trabalhando em relação à um projeto original, sem jamais abandonar essa premissa.

Ainda que à primeira vista possa não nos parecer muito importante, esta verdade e lei agrega consigo três fatores preponderantes:

1. Deus tem diante de Si, o tempo todo, a obra finalizada e completa, e Ele sabe exatamente, nos mínimos detalhes, o que deseja obter.

2. O Senhor precisa e terá aquilo que almeja. Isso não Lhe será negado, e Ele nunca desistirá ou aceitará nada menor do que planejou originalmente.

3. Sempre que houver um desvio ou falha, haverá uma reação Divina. Deus começará tudo novamente, em algum lugar, de alguma maneira nova.

Um breve exame dessas reações Divinas ao longo da história estabelecerá melhor esse fato e nos ajudará a compreender a natureza e características daquilo no qual Deus colocou Seu coração.

As primeiras instâncias e formas que abordaremos são muito simples, mas as verdades e princípios essenciais estarão lá, patentes ou latentes.

Quando ocorreu o primeiro desvio com Adão e Eva, vemos a reação de Deus através da vida de Abel e seu altar. Esse altar representou uma garantia de que Deus iria obter Seus direitos na criação – no homem e na terra. Caim, por outro lado, ofereceu o fruto da terra e de seu próprio esforço, ignorando a maldição que repousava ali, sendo rejeitado junto com sua oferta. O selo de Deus estava atrelado ao caminho de Abel, que envolvia os seguintes elementos:

1. Deus tem direito a tudo.

2. Deus só pode e deseja ter aquilo que não possui nenhum traço da maldição.

3. A fim de remover a maldição, aquilo que é amaldiçoado precisa ser destruído na morte, seja em uma forma real ou representativa; e uma nova vida deve emergir, sobre a qual a morte não terá poder.

4. A comunhão com Deus só será possível dessa maneira.

De Abel até Noé vemos que o desvio se tornou mais intenso e deliberado. Enoque quebrou uma longa linha de morte e escuridão, como uma nova reação de Deus. Mas, ainda assim, a terra – que é do Senhor – foi tomada pelo homem para seus próprios fins egoístas.

Deus reagiu a essa atitude humana por meio do dilúvio. Ao sair vivo desse julgamento, Noé edificou um altar e ofereceu sacrifícios. Assim fazendo, declarou, em intenção e efeito:

“Ao Senhor pertence a terra” (a terra renovada) “e toda a sua plenitude” (Salmos 24:1).

Novamente, Deus obteve Seus direitos – PROFETICAMENTE – por meio da morte e ressurreição. Mas logo o desvio se instalou novamente. Até mesmo Noé fez parte dele e falhou.

Babel foi edificada e amaldiçoada, e debaixo dessa maldição os homens foram espalhados pelos quatro cantos da terra. Então, quando parecia que o testemunho Divino tinha desaparecido da face da terra, vemos outra reação Divina, quando Abraão foi chamado. Com Abraão, vemos que os elementos antigos ressurgiram, além da inclusão de coisas novas. As características da vida de Abraão poderiam ser resumidas em:

1. Revelação – Visão.

2. Uma caminhada de fé – Relacionamento.

3. Um país – O instrumento.

4. Um altar – A base.

5. Conflito -O desafio.

6. Uma aliança – A garantia.

7. Uma cidade – O objeto final.

8. Morte e Ressurreição – O método.

Esses fatores são elementares e eternos e, por trás de todas as apresentações históricas, típicas, simbólicas ou terrenas, vemos realidades espirituais que persistirão até sua realização universal.

Vemos Isaque entrando em cena, não como um fato isolado introduzido por Deus, mas com vistas a trazer destaque especial ao método pelo qual tudo se cumprirá. Em seu próprio ser, Isaque representa a morte e ressurreição e, como tal, indica a maneira por meio da qual a limitação humana será transformada na direção expansão e realização universal (Gn 22:16-17).

Existem outros elementos em sua vida que prenunciam as intenções de Deus, como podemos ver em seu casamento com Rebeca.

A próxima reação de Deus surge no crescimento de Jacó e Esaú. Os dois eram irmãos gêmeos, representando duas metades de um todo: dois desenvolvimentos de origem espiritual; duas histórias com um início sagrado.

Esaú tomou o curso terreno, do mundo e da carne. O chamado e herança celestial eram obscurecidos por interesses, ocupações e desejos temporais. A gratificação da vida da alma em seu relacionamento com a terra foram o limite de seus horizontes.

Jacó se tornou o tipo daquele que recebeu o chamado e visão celestial, e deveria então passar pela experiência do definhamento da carne para se tornar no instrumento espiritual relacionado ao propósito celestial. Com Jacó, temos uma nova introdução de elementos Divinos.

Até este ponto, o altar fixava os limites do avanço. Esse fator permanecia básico, mas Jacó deu um passo adiante. Em Luz, Jacó teve um céu aberto, uma revelação de Deus, viu uma conexão entre o céu e a terra, ouviu a voz de Deus, quando certas verdades Divinas lhe foram comunicadas. Movido pela força de tudo isso, Jacó ergueu uma coluna, ungiu-a com óleo e chamou aquele lugar de “Betel”, “a casa de Deus”.

Assim, a Casa de Deus, que é um objeto celestial permanente, é trazida à luz e é definida por todos aqueles elementos que já mencionamos. Uma “coluna” nas Escrituras sempre representa uma testemunha ou um testemunho (Gn 31:51; Is 19:19-20; 1Tm 3:15). Tudo isso será visto de forma mais abrangente adiante, mas por hora estamos apenas tentando indicar as verdades e apontar para os fatos ali estabelecidos.

Vamos daremos um grande salto e passaremos para a história de Israel no Egito. Vemos uma poderosa reação ou intervenção de Deus, e todos os elementos até agora mencionados são ali agregados. Deus está trabalhando de volta ao Seu propósito original.

Os elementos que podemos ver claramente ali são:

  • O altar;
  • O povo celestial para uma Casa de Deus;
  • Uma revelação;
  • Um testemunho;
  • Um conflito;
  • Um país e uma cidade em vista

Tudo isso foi assegurado pelo próprio Deus, mesmo que para isso fosse necessário julgar um poderoso império.

Assim teve início a longa e confusa história daquilo que deveria ser a revelação da mente de Deus. Repetidamente, Seu povo se afastava e se desviava, e o Senhor precisava assumir o controle das coisas a partir de dentro.

Vemos os movimentos de volta ao pensamento original de Deus debaixo da liderança de Ezequias (2Cr 29:1-9), Josias (2Cr 35:17-19) e tantos outros. Mas em nenhum desses movimentos vemos a restauração do coração de todo o povo a Deus. Aqueles foram sempre  movimentos parciais. Mal o líder ia embora, a apostasia e declínio começavam novamente e se aprofundar.

A tendência comum de todo o povo não era retornar ao Senhor, isso decorria somente pela forte liderança de alguns, influenciando-os por um tempo – e então quando os líderes partiam, o povo declinava novamente, voltando ao seu mundanismo e idolatria. Aqueles líderes eram como lindos raios de sol em dias de profunda escuridão espiritual e apostasia.

Por fim, até mesmo esses luzeiros cessaram; e dificilmente havia um resíduo de fidelidade encontrado entre o povo. Então eles foram enviados ao cativeiro da Babilônia, que é sinônimo de confusão, perda de distinção, testemunho, paralisia espiritual e uma vida falsa. No entanto, mesmo ali, Deus não abandonou Sua intenção original. Mesmo na Babilônia o Senhor reagiu ao estado de coisas por meio de um pequeno grupo de homens: Daniel, Sadraque, Mesaque, Abede-nego. Eles eram fiéis a todos os elementos do propósito Divino e tinham seus olhos-de-oração fixos em Jerusalém.

Por fim, o Senhor irrompe e reage novamente. Ele usou apenas um remanescente, mas este remanescente fraco e severamente provado foi Seu instrumento para reavivar e perpetuar Seu testemunho na terra.

Seguem-se eventos comoventes, registrados em Esdras, Neemias, Ageu e Zacarias. É uma grande época, mas, infelizmente –

‘A manhã radiante passou,

E gastou MUITO BREVEMENTE sua reserva de ouro’.

Encaramos mais apostasia, declínio, até que chegamos às terríveis condições registradas em Malaquias: “Com maldição sois amaldiçoados” [Ml 3:9]. Como as coisas estão negras, quanta escuridão! Será que eles já estiveram em condições piores?

Ainda assim, Deus não foi derrotado; pois, mesmo em meio e contra a escuridão, temos aquilo que – devido às trevas – representa o mais abençoado triunfo.

“Então, OS que temiam ao Senhor falavam uns aos outros; o Senhor atentava e ouvia; havia um memorial escrito diante dele para os que temem ao Senhor e para os que se lembram do seu nome. Eles serão para mim PARTICULAR TESOURO, naquele dia que prepararei, diz o Senhor dos Exércitos; poupá-los-ei como um homem poupa a seu filho que o serve” (Ml 3:16,17).

Malaquias acaba de entregar sua mensagem, e ao longo de trezentos ou quatrocentos anos, temos o caos. Certamente poderíamos afirmar que agora o testemunho a fidelidade do Senhor cessaram e desapareceram. Será que o Senhor perdera tudo?

Vamos tomar o registro de Lucas do Novo Testamento, quando ele conta uma certa história a seu amigo Teófilo. Lucas não se alonga muito, mas discorre a respeito de certas pessoas, nos dizendo coisas muito significativas a respeito delas. Ele nos diz que um certo Zacarias e sua esposa Isabel “eram justos diante de Deus, vivendo irrepreensivelmente em todos os preceitos e mandamentos do Senhor” (leia Lc 1:5-6).

Depois, Lucas fala de Maria, a quem o anjo Gabriel disse: “Alegra-te, muito favorecida! O Senhor é contigo” (1:28).

Pouco depois, ele ainda se refere a outra pessoa assim: “Havia em Jerusalém um homem chamado Simeão; homem este justo e piedoso que esperava a consolação de Israel; e o Espírito Santo estava sobre ele. Revelara-lhe o Espírito Santo… ” (2:25-26).

E também disse: “Havia uma profetisa, chamada Ana, filha de Fanuel… Esta… falava a respeito do menino A TODOS QUE ESPERAVAM a redenção de Jerusalém” (2:36,38).

Assim, vemos que ainda restava um remanescente fiel, mesmo depois de centenas de anos de morte aparente. Deus sustentou um grupo representativo.

Então, vemos o reavivamento do Pentecostes – certamente um novo começo de Deus. Aqueles foram dias maravilhosos; mas, novamente, muito em breve, encontramos sinais de declínio.

Não são poucos os registros de expressões no Novo Testamento que indicam que a condição geral do povo de Deus foi marcada por triste contradição e inconsistência com o seu testemunho.

Judas, por exemplo, aborda um assunto lamentável em sua carta; mas mesmo ali encontramos a sagrada verdade, indicada pelas palavras: “VÓS, porém, amados, edificando-vos na vossa fé santíssima…” (Jd 20). Esta é a contrapartida do declínio a que ele acabara de se referir.

Por fim, chegamos ao livro de Apocalipse, onde partes da Igreja estão quase que totalmente decadentes. Coisas graves lhes são atribuídas. O que o Senhor fará? Ele pode até ter que deixar o principal de lado, mas não abandonará Seu propósito. Existem em todo lugar pessoas verdadeiras, famintas, insatisfeitas com as coisas como elas são, desejando prosseguir com o Senhor. Estes são os instrumentos reacionários do Senhor. Estes são os “vencedores” que ouvem o que o Espírito está dizendo. Este é o novo começo de Deus, por meio do qual Ele retorna ao Seu propósito original.

Dessa forma, varremos brevemente as Escrituras para revelar o método de Deus. Gostaríamos de percorrê-lo através das eras, desde os tempos do Novo Testamento, mas isso deve esperar. Encerramos esta consideração introdutória dizendo que o que Deus sempre fez, Ele fará novamente. Quando Seu instrumento representativo ostensivo na terra deixar de ser real e vital, embora Ele mesmo possa tê-lo levantado, usado e abençoado, Ele pode precisar buscar aqueles que estão dispostos a pagar o preço e dar a Ele a medida mais completa daquilo que Ele sempre buscou.

Leia mais artigos do mesmo autor aqui.


T. Austin Sparks (1888-1971) nasceu em Londres e estudou na Inglaterra e na Escócia. Aos 25 anos, iniciou seu ministério pastoral, que perdurou por alguns anos, até que, depois de uma crise espiritual, o Senhor o direcionou a abandonar aquela forma de ministério, passando a segui-Lo integralmente naquilo que parecia ser “o melhor que Deus tinha para ele”. Sparks foi um homem peculiar, que priorizava os interesses do Senhor em vez do sucesso do seu próprio ministério. Sua preocupação não era atrair grandes multidões, mas ansiava desesperadamente por Cristo como a realidade de sua pregação. Por isso, suas mensagens eram frutos de sua visão e intensas experiências pessoais. Ele falava daquilo que vivenciava, e sofria dores de parto para que aquela visão se concretizasse primeiramente em sua própria vida.

Pelo menos quatro linhas gerais podem ser percebidas em suas mensagens: (a) o grandioso Cristo celestial; (b) O propósito de Deus focado em ganhar uma expressão corporativa para Seu Filho; (c) a Igreja celestial – a base da operação de Deus na terra e (d) a Cruz – o único meio usado pelo Espírito para tornar as riquezas de Cristo parte da nossa experiência. Sparks também acreditava que os princípios espirituais precisavam ser estabelecidos por meio da experiência e do conflito, quando finalmente seriam interiorizados no crente, tornando-se parte de sua vida. Sparks desejava que aquilo que recebeu gratuitamente fosse também assim repartido, e não vendido com fins lucrativos, contanto que suas mensagens fossem reproduzidas palavra por palavra. Seu anseio era que aquilo que o Senhor havia lhe concedido pudesse servir de alimento e edificação para os seus irmãos. Suas mensagens são publicadas ainda hoje no site www.austin-sparks.net e seus livros são distribuídos gratuitamente pela Emmanuel Church.

“Nenhum homem é infalível e ninguém ainda ”obteve a perfeição”. Muitos homens piedosos precisaram se ajustar, seguindo um senso de necessidade, após Deus lhes haver concedido mais luz.” (De uma Carta do Editor publicada pela primeira vez na revista “A Witness and A Testimony“, julho-agosto de 1946).

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