Abraão, o grande pioneiro

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“Abraão, o grande pioneiro” são nossas notas baseadas no capítulo 3 do livro “Pioneers of the Heavenly Way”, de T. Austin-Sparks, publicado e distribuído gratuitamente pela Emmanuel Church. É importante salientar que não se trata de uma tradução do texto original, mas da nossa compreensão daquilo que o autor escreveu, podendo conter divergências em relação ao seu entendimento.

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“Pela fé, Abraão, quando chamado, obedeceu, a fim de ir para um lugar que devia receber por herança; e partiu sem saber aonde ia. Pela fé, peregrinou na terra da promessa como em terra alheia, habitando em tendas com Isaque e Jacó, herdeiros com ele da mesma promessa; porque aguardava a cidade que tem fundamentos, da qual Deus é o arquiteto e edificador.” (Hebreus 11:8-10).

“Todos estes morreram na fé, sem ter obtido as promessas; vendo-as, porém, de longe, e saudando-as, e confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra. Porque os que falam desse modo manifestam estar procurando uma pátria. E, se, na verdade, se lembrassem daquela de onde saíram, teriam oportunidade de voltar. Mas, agora, aspiram a uma pátria superior, isto é, celestial. Por isso, Deus não se envergonha deles, de ser chamado o seu Deus, porquanto lhes preparou uma cidade” (Hebreus 11:13-16).

Um descontentamento celestial

Abraão foi um dos pioneiros representativos do caminho celestial. “Estevão nos disse, a respeito de Abraão: “O Deus da glória apareceu a Abraão, nosso pai” (Atos 7:2) quando estava em Ur dos caldeus. Não sabemos como o Deus da glória lhe apareceu. Pode ter sido em uma daquelas teofanias comuns ao Antigo Testamento e à outras ocasiões da vida de Abraão, quando Ele lhe apareceu sob a forma humana. Nós não sabemos. Mas sabemos que o efeito que essa aparição causou em toda a sua vida foi gerar nele esse tremendo senso de destino que o desenraizou de toda sua vida passada, e que criou nele uma profunda inquietação, um descontentamento profundo e sagrado” (T.Austin-Sparks).

O descontentamento pode ser uma coisa completamente errada, mas também existe um tipo correto de insatisfação. “Um desejo nasceu no coração de Abraão, e esse anelo cresceu continuamente com o passar dos anos, tornando impossível a Abraão se estabelecer ou aceitar qualquer coisa menor do que a plena vontade de Deus para ele. Mas é claro que a consciência disso precisava crescer. Abraão precisou progredir paulatinamente na percepção do que aquilo significava. Isso ocorria da seguinte maneira: ele chegava a um certo lugar, e talvez pensasse que chegara ao alvo, e então descobria que não era ali, então se mudava. Então, talvez, ele pensasse: ‘Agora, é isso! Mas não, não é… Ainda deve haver algo mais – não sei o que é, não posso definir, explicar, mas sei dentro de mim que Deus tem algo mais, ainda há algo mais…’.” (T.Austin-Sparks).

Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição; mas prossigo…” (Fp 3:12). Esse é o anseio através dos tempos – tão real no caso desse homem cujas palavras acabo de citar. Paulo também nunca foi capaz de aceitar o segundo melhor de Deus. Repetidamente na história, Deus encontra dificuldades em realizar o Seu ‘melhor’. As pessoas não se apresentavam dispostas a seguir em frente com Ele. Então é como se o Senhor dissesse: ‘Tudo bem, você terá o meu segundo melhor’…mas os pioneiros nunca se contentaram com isso! Abraão não pôde aceitar isso.

Não me refiro à pessoas temperamentais, que estão sempre pulando de galho em galho, inconstantes. Abraão tinha uma semente celestial crescendo em seu interior, e a prova disso foi seu movimento ascendente. Ele sempre progredia espiritualmente.

Vemos claramente essa diferença ao compararmos Abraão com Ló. Ló buscava segurança aqui e agora, buscou uma cidade, evitou a vida de tendas. Ló desejou se estabelecer no mundo, foi um homem fraco.

Abraão sempre viveu uma vida de tenda, era um homem forte, espiritual. Esse anseio vinha dos céus, era uma força poderosa agindo dentro de Abraão que o colocou na dura escola celestial.

Características da Escola de Abraão

Conflito entre o Espiritual x Temporal

Vemos claramente esse conflito na vida de Abraão, e ele foi acirrado. Por um lado Abraão era abençoado, prosperava, tinha sinais claros da presença do Senhor ao seu lado, mas por outro lado, apesar daquela grandiosa multiplicação e alargamento, algumas vezes ele era trazido a circunstâncias onde aquilo tudo podia ser ceifado dele por meio de fome e aridez devastadoras.

Por que Deus permitia isso lhe acontecer? Não seria melhor manter Abraão menos próspero, assim não passaria por esse tipo de risco? Isso foi tão agudo que colocou-o em situações difíceis, como quando ele desceu para o Egito. A escola da fé é uma escola difícil.

O que isso representou? Que Deus concede com uma mão, e tira com a outra. Abençoa e leva a prosperar, e traz à luz algo que ameaça a própria bênção Ele mesmo concedeu. Será que o Senhor está negando a Si mesmo? Essa é a grande interpretação de nossas tentações. Será que estamos entregues à nossa própria sorte? Será que o Senhor está mesmo conosco? Será que esse Deus em Quem confiamos é realmente consistente?

Essa é dificuldade dessa escola, compreender o que Deus está fazendo. O que Ele está fazendo, afinal de contas?

Começando no Espírito, continuando no Espírito

Se Ele abençoa, temos duas coisas atreladas à isso. Em primeiro lugar, a bênção e prosperidade de Abraão deveriam ser sustentadas pelo céu, não pela terra.

Deus estava introduzindo um novo princípio celestial a Abraão. Ele pode abençoar e alargar, mas Ele nos impede de tentar assumir o controle para sustentar tudo que Ele concede.

“Ele cercará as coisas de sorte que, por mais que abençoe, se essa bênção vem dEle mesmo – por maior que ela possa ser – estará fadada a perecer a qualquer momento, se o céu não a sustentar. Essa é uma importante lição. Não tome nada como garantido. Viva cada momento dependendo do céu. Tão verdadeiramente no dia da bênção como no dia da adversidade, agarre-se ao céu” (T. Austin-Sparks).

O Risco das bênçãos

O outro fator é que Deus estava preparando Abraão para protegê-lo das bênçãos, e isso á algo de extrema importância. Isso aconteceu por meio da disciplina, da provação da fé, de testes severos! Mesmo que Deus abençoe, Ele nunca permitirá que as bênçãos obscureçam nossa visão celestial.

“Oh, os perigos devastadores das bênçãos! Talvez ainda não saiba muito a respeito deles. Mas Deus deseja nos proteger para Seu reino celestial, assegurando nosso crescimento espiritual, garantindo assim um terreno seguro para sermos usados poderosamente. Nunca estaremos seguros se algo menor que o supremo propósito de Deus puder nos capturar, nunca estaremos seguros se o bom for inimigo do melhor. Na vida de Abraão vemos com perfeita clareza que, fosse na prosperidade ou na adversidade, ele nunca teve permissão para se estabelecer e nunca lhe foi permitido sentir que chegou ao seu objetivo final. Se em algum momento teve essa sensação, provavelmente ela rapidamente cessava. “Todos estes morreram na fé, não tendo recebido… mas tendo visto… e saudado… de longe”.

Outra ponto a respeito de Abraão é ele nunca permitiu que as dificuldades aparentes, por maiores que fossem, impedissem sua marcha espiritual para frente e para o alto.

Conflito entre o Espiritual x Carnal

Esse conflito era bem agudo e severo no ambiente doméstico de Abraão. Vemos um exemplo no caso de Ló. “Interpreto Ló como representação de algo não apenas objetivamente relacionado à família cristã (o que é claro), mas também algo que está dentro de nossas próprias naturezas, subjetivamente – representando o conflito do carnal com o espiritual, do terreno com o celestial.

Temos Ló, que é sangue do mesmo sangue de Abraão; mas ainda assim, bem ali no seio da família, temos este traço de carnalidade. Ló e seu mundanismo: sua mentalidade mundana, sua visão mundana, sua ambição mundana, seus anseios mundanos.

Não vemos nada de visão celestial em Ló; e ele está bem próximo de Abraão. Abraão encontra essa ameaça, esse argumento contra seu curso espiritual entre sua parentela. Ele está ali, entre nós e na família cristã. Está ao lado, muito próximo o tempo todo. Vemos nele esse desejo de se estabelecer, de ter as coisas aqui e agora – buscando retornos rápidos, coisas visíveis, a gratificação da alma; aquele descanso que não é descanso, mas que pensamos ser descanso.

É tão comum ansiarmos por um descanso, e não o encontraremos enquanto não encontrarmos o Senhor. Encontramos o verdadeiro descanso nas coisas celestiais, não em feriados.

‘Oh, que vontade de sair dessa! Se ao menos pudéssemos viver em alguma ilha sozinhos – quão sossegado, quão pacífico seria! Ansiamos por ficar longe de tudo!’ E isso nunca acontece. Nosso descanso está nas coisas celestiais. Só encontraremos nossa verdadeira satisfação nas coisas do Senhor. Mas esse desejo está em nós o tempo todo. A influência carnal está no nosso sangue, e ela é real em toda a família cristã – esse é o lado de Ló, que anseia por um Cristianismo deste mundo, sempre nos arrastando, puxando para baixo e para longe do celestial. Abraão experimentou esse desafio.

Essa é a própria base do pioneirismo, na busca das coisas do Espírito. Nesse combate contra as coisas da carne, é como se estivéssemos sempre carregando um cadáver conosco, algo sem vida que deve ser arrastado e subjugado diariamente. Devemos dizer para nós mesmos: “Vamos, deixe isso para trás!”. Esse é o caminho do pioneiro. Se você se estabelecer, perderá sua herança. O carnal tem caminhos bem sutis, que parecem até mesmo “espirituais”.

Será que isso parece uma contradição? Acredito que essa pode ter sido a grande batalha travada entre Paulo, o homem celestial, e os cristãos de Corinto, a igreja terrena. Os Coríntios eram supostos espirituais, pois tinham dons espirituais, milagres, curas, línguas entre eles. Mas Paulo disse que não podia falar com eles como a espirituais (1Co 3:1). O carnal pode ter “caminhos muito espirituais”. O fato é que a carnalidade está tomando as espiritualidades, usando-as para gratificar a si mesmo, em demonstração, exibições, trazendo os céus para um nível terreno. Não vamos culpar os Coríntios, como nós também desejamos provas visíveis, evidências!

Por que essas coisas encontram lugar entre nós? Porque algo na natureza humana é gratificado nesse processo, e é muito mais difícil percorrer o caminho celestial, quando você não vê nem sabe para onde vai – mas esse é o caminho do pioneiro celestial, e seguindo por ele iremos obter a herança para nós e para outros.

A Prova da Realidade da visão celestial de Abraão

Podemos dizer que a vida de Abraão nos evidencia três provas da realidade daquela visão celestial:

Uma Fé no Deus do Impossível

A primeira prova de nossa visão celestial pode ser vista em nossa atitude diante de situações impossíveis.

“O Novo Testamento nos diz enfaticamente que Abraão olhou diretamente na direção do impossível e acreditou que aquilo era possível. Sua atitude para com o impossível na situação de Isaque provou que havia algo mais ali do que apenas imaginação… havia algo poderoso no senso e consciência de destino de Abraão.

Desistir quando uma situação começar a nos parecer impossível – esse é o teste final para saber se realmente temos em nós um senso de vocação celestial. O fato é que, embora possamos sentir o desejo de desistir, não temos permissão para isso. Algo dentro de nós simplesmente não nos permitirá desistir. Provavelmente já estivemos a ponto de redigir nossa demissão centenas de vezes. Repetimos diversas vezes para nós mesmos: ‘Vou sair dessa, não tenho condições de continuar, estou acabado’; mas continuamos, estamos seguindo, e sabemos muito bem que existe algo em nós mais forte do que todas as nossas resoluções de renunciar. Como é necessário ter esse sentido em nós – algo que não é de nós mesmos, mas de Deus. “Segundo o poder que opera em nós” (Efésios 3:20).

Capacidade para ajustes, quando cometia erros

Consideremos a capacidade de adaptação de Abraão ao cometer erros. Esse homem e pioneiro celestial cometeu erros, e não foram pequenos. Qual é a grande tentação de um servo de Deus que comete uma falha gritante, de alguém que comete um erro terrível? Qual é a reação imediata? ‘Oh, evidentemente não estou apto, nem fui chamado para isso; Deus escolheu a pessoa errada, nunca fui feito para isso. Melhor encontrar outro emprego, desistir.’

Abraão realmente errou algumas vezes gravemente, cometeu lapsos e falhas relevantes não desculpadas na Palavra, pois esses erros são mostradas exatamente como ocorreram e não foram apagados desses registros por Deus [ não apenas estão gravados na Palavra escrita, mas registrados na história: olhe para Ismael hoje!]. Ainda assim, apesar de seus erros, havia uma força em Abraão que sempre reagia para se ajustar.

‘Cometi um erro ao descer ao Egito, mas não desistirei em desespero, nem me recusarei a voltar para Canaã… voltarei… Cometi este erro por causa de Ismael – retornarei e recuperarei meu terreno novamente.’

Abraão foi um grande homem no que tange a restauração e ajuste de sua posição, até mesmo quando ocorriam decepções terríveis em relação a si mesmo.

O operar do poder celestial no interior

O que tudo isso nos diz? Existiu uma operação de poder celestial neste homem. Isso não é algo natural, esse não é o caminho da natureza.

Se soubéssemos a tensão e o estresse que Abraão passou, se conhecêssemos a dureza daquela escola que ele estava! Nunca deixo de me maravilhar quando leio a descrição que Paulo faz sobre Abraão:

“E, sem enfraquecer na fé, embora levasse em conta o seu próprio corpo amortecido” (ele tinha cerca de cem anos de idade)… não duvidou, por incredulidade, da promessa de Deus; mas, pela fé, se fortaleceu, dando glória a Deus, estando plenamente convicto de que ele era poderoso para cumprir o que prometera” (Romanos 4:19-21).

“…mas também ao que é da fé que teve Abraão (porque Abraão é pai de todos nós…) … perante aquele no qual creu, o Deus que vivifica os mortos” (Romanos 4:16,17).

Ele provou sua fé amarrando seu único filho e tomando a faca para sacrificá-lo. Em um instante mais seu filho, aquele em quem todas as promessas estavam atreladas, estaria morto. Fico maravilhado! Uma coisa é Deus fazer algo assim – outra coisa é ver um homem fazer isso, mas Abraão o fez. Há algo que não é natural aqui. Esta não é a maneira do mundo, da terra. Esse é o caminho celestial e Abraão foi o pioneiro nesse caminho.

E ele ocupou uma posição grandiosa, não apenas na velha dispensação, mas na atual, e ocupará para sempre. Um grande pioneiro das coisas celestiais!

Isso pode explicar muito de nossa própria experiência. Deus precisa de pessoas assim nestes dias, quando vemos um terrível movimento espiritual descendente em direção ao mundo por parte de Sua Igreja.

Com todas as suas boas intenções, talvez até mesmo motivos puros, a Igreja está, no entanto, adotando a estrutura e a forma deste mundo para fazer a obra do céu. Deve haver uma reação a isso, e precisarão existir vasos dispostos a provar que não é necessário ir a este mundo. O céu é e sempre será plenamente suficiente.

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Essas são nossas notas baseadas no capítulo 3 do livro “Pioneers of the Heavenly Way”, de T. Austin-Sparks, publicado e distribuído gratuitamente pela Emmanuel Church. É importante salientar que não se trata de uma tradução do texto original, mas da nossa compreensão daquilo que o autor escreveu, podendo conter divergências em relação ao seu entendimento. Recomendamos fortemente àqueles que leem em inglês e se sentirem movidos pelo Espírito Santo a irem direto à fonte, pois certamente receberão ainda mais edificação ali.


T. Austin Sparks (1888-1971) nasceu em Londres e estudou na Inglaterra e na Escócia. Aos 25 anos, iniciou seu ministério pastoral, que perdurou por alguns anos, até que, depois de uma crise espiritual, o Senhor o direcionou a abandonar aquela forma de ministério, passando a segui-Lo integralmente naquilo que parecia ser “o melhor que Deus tinha para ele”. Sparks foi um homem peculiar, que priorizava os interesses do Senhor em vez do sucesso do seu próprio ministério. Sua preocupação não era atrair grandes multidões, mas ansiava desesperadamente por Cristo como a realidade de sua pregação. Por isso, suas mensagens eram frutos de sua visão e intensas experiências pessoais. Ele falava daquilo que vivenciava, e sofria dores de parto para que aquela visão se concretizasse primeiramente em sua própria vida. Pelo menos quatro linhas gerais podem ser percebidas em suas mensagens: (a) o grandioso Cristo celestial; (b) O propósito de Deus focado em ganhar uma expressão corporativa para Seu Filho; (c) a Igreja celestial – a base da operação de Deus na terra e (d) a Cruz – o único meio usado pelo Espírito para tornar as riquezas de Cristo parte da nossa experiência. Sparks também acreditava que os princípios espirituais precisavam ser estabelecidos por meio da experiência e do conflito, quando finalmente seriam interiorizados no crente, tornando-se parte de sua vida. Sparks desejava que aquilo que recebeu gratuitamente fosse também assim repartido, e não vendido com fins lucrativos, contanto que suas mensagens fossem reproduzidas palavra por palavra. Seu anseio era que aquilo que o Senhor havia lhe concedido pudesse servir de alimento e edificação para os seus irmãos. Suas mensagens são publicadas ainda hoje no site www.austin-sparks.net e seus livros são distribuídos gratuitamente pela Emmanuel Church.

“Nenhum homem é infalível e ninguém ainda ”obteve a perfeição”. Muitos homens piedosos precisaram se ajustar, seguindo um senso de necessidade, após Deus lhes haver concedido mais luz.” (De uma Carta do Editor publicada pela primeira vez na revista “A Witness and A Testimony“, julho-agosto de 1946).

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