A vida cristã – um combate

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“A Vida Cristã – um combate” é a tradução do artigo, “The Christian Life – A Warfare”, de T. Austin-Sparks, publicado no site www.austin-sparks.net.

T. Austin-Sparks (1888-1971)

Transcrição de uma mensagem entregue em 1955.

“Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão e foi guiado pelo mesmo Espírito, no deserto, durante quarenta dias, sendo tentado pelo diabo. Nada comeu naqueles dias, ao fim dos quais teve fome. Disse-lhe, então, o diabo: Se és o Filho de Deus, manda que esta pedra se transforme em pão. Mas Jesus lhe respondeu: Está escrito: Não só de pão viverá o homem”. E, elevando-o, mostrou-lhe, num momento, todos os reinos do mundo. Disse-lhe o diabo: Dar-te-ei toda esta autoridade e a glória destes reinos, porque ela me foi entregue, e a dou a quem eu quiser. Portanto, se prostrado me adorares, toda será tua. Mas Jesus lhe respondeu: Está escrito: Ao Senhor, teu Deus, adorarás e só a ele darás culto”. Então, o levou a Jerusalém, e o colocou sobre o pináculo do templo, e disse: Se és o Filho de Deus, atira-te daqui abaixo; porque está escrito: Aos seus anjos ordenará a teu respeito que te guardem; e: Eles te susterão nas suas mãos, para não tropeçares nalguma pedra. Respondeu-lhe Jesus: Dito está: Não tentarás o Senhor, teu Deus”. Passadas que foram as tentações de toda sorte, apartou-se dele o diabo, até momento oportuno” (Lucas 4:1-13).

“Este é o dever de que te encarrego, ó filho Timóteo, segundo as profecias de que antecipadamente foste objeto: combate, firmado nelas, o bom combate” (1 Timóteo 1:18).

“Combate o bom combate da fé. Toma posse da vida eterna, para a qual também foste chamado e de que fizeste a boa confissão perante muitas testemunhas” (1 Timóteo 6:12).

“Participa dos meus sofrimentos como bom soldado de Cristo Jesus. Nenhum soldado em serviço se envolve em negócios desta vida, porque o seu objetivo é satisfazer àquele que o arregimentou” (2 Timóteo 2:3,4).

***

Não é necessário dizer que a vida cristã é um combate, mas precisamos compreender o que isso de fato representa. Há uma grande diferença entre saber uma coisa por meio de informação e compreender o que isso realmente significa. Devemos lembrar e compreender: a vida cristã é um combate. Além disso, o Novo Testamento deixa perfeitamente claro para nós que essa guerra prossegue até o fim dos tempos. Vemos isso no Novo Testamento, quando temos apontado diante de nós o final desta era, e percebemos que esse tempo será caracterizado por constante conflito espiritual.

Nosso inimigo tem um plano tático muito bem elaborado, abrangente e detalhado, para obter vantagem sobre nós. Uma de suas principais é eliminar dos cristãos esse elemento combatente. Ou seja, ele tenta tirar deles essa característica, o espírito de guerreiros. De fato, muito mais comuns são as baixas espirituais causadas por não lutarmos, do que as derrocadas ocorridas durante o combate. Muitos ficam contundidos, feridos e derrubados no conflito, e podem até se tornar vítimas dela, temporariamente, mas se levantam e voltam para a luta novamente. Por outro lado, fugir da batalha gera a maior parte das vítimas.

Mudando de metáfora, fiquei impressionado ontem ao voar, considerando o fato de que quando o avião está subindo e chega a sua altitude máxima mantém toda a sua força em ação, tornando-o muito mais estável. Ele voa de forma constante, enfrentando as forças adversas de forma triunfante. Mas quando o avião é colocado na posição de descida, sua aceleração é retardada, sua potência é reduzida, e ele se torna um joguete dos ventos. O avião balança e se abala facilmente porque sua força motriz diminuiu. Exatamente isso que nos acomete, nós nos tornamos brinquedos do diabo e levamos pancadas por todos os lados; sim, nos tornamos vítimas por deixarmos de ser positivos e quando o espírito de combate foi reduzido em nós. Esse é o momento mais perigoso da vida cristã. Vou reiterar que o espírito guerreiro em um cristão é uma grande salvaguarda, enquanto abandoná-lo é um enorme perigo. Se deixarmos a luta, Satanás também o fará, mas nos pegará de outras maneiras.

Essa é uma grande tentação: não seríamos tão positivos se pudéssemos ter uma vida mais fácil, e se de certa forma fôssemos temporariamente aliviados dos ataques do inimigo. Mas esse adversário trabalhará de maneiras mais silenciosas e sutis e ainda assim nos pegará; ele não desiste. Se você busca uma vida mais fácil, apesar dos perigos, pare de lutar contra o diabo! Você verá que ele seguirá seu exemplo. Mas, como disse, seu perigo será se tornar numa de suas vítimas por sair do combate.

Se tomarmos como exemplo Cristo e suas três tentações mencionadas anteriormente, notamos que quando a linha foi cruzada no Jordão e o Senhor se entregou à Cruz simbolizada naquele batismo, uma feroz batalha teve início. Quando o Espírito da unção desceu sobre Ele, o combate começou.

Vamos observar a natureza dessa guerra conforme nos é indicado por essas tentações. Em primeiro lugar, o ataque, o assalto do inimigo foi sobre:

O Relacionamento do Senhor com o Pai

“Se és o Filho de Deus…” O inimigo tentou atingir primeiramente o  relacionamento do Senhor Jesus com o Pai. Vemos todo o objetivo satânico focado na questão da ‘filiação’. Percebemos pelo final do relato: “apartou-se dele o diabo…”, e nossa versão acrescenta: “até momento oportuno“. Ele retornaria mais adiante com esse assunto, como de fato vemos que fez no final, na Cruz. No momento de suprema fraqueza do Senhor, o inimigo voltou à esse assunto novamente: o relacionamento do Senhor com o Pai.

Não tenho tempo para discorrer nesse momento sobre o que esse relacionamento realmente significa, do Filho para o Pai, mas posso apenas indicar que essa ‘filiação’, no mais pleno sentido da palavra, significa que toda a honra do Pai estava envolvida nessa questão. A verdadeira filiação significa assumir a honra do pai. A coisa mais terrível atrelada ao fracasso na filiação, seja em Cristo ou nas relações comuns da vida, é trazer desonra e reprovação ao pai. O pai é envergonhado pelo fracasso do filho.

Esse foi o combate de Cristo – toda a questão da honra do Pai e da Sua satisfação estavam envolvidos com esse ataque do inimigo, em primeiro lugar. Tudo se concentrava no relacionamento com o Pai. Lembre-se de que essa é sempre a natureza da guerra, desse combate. Nosso relacionamento com Deus é o ponto focal de constante ataque e assalto do inimigo, e será até o fim, porque muito do que está em jogo está vinculado a esse relacionamento. O inimigo está sempre tentando abrir uma brecha entre nós e o pai.

E então, a seguir o inimigo traz ao combate…

O Relacionamento do Senhor com o Mundo

Ele trouxe à luz o relacionamento com o mundo, oferecendo ao Senhor Jesus os reinos, a glória e a autoridade do mundo, mas isso nos seus próprios termos. Tudo concentrou-se na questão de saber se Cristo deixaria este mundo como ele é, aceitando tudo o que tinha a oferecer termos de posição, recompensas, influência, ou se renunciaria a tudo isso para obtê-lo depois nos  termos de Deus, ganhando-o da maneira proposta por Deus.

Esse é um problema muito real na guerra espiritual, especialmente em relação aos jovens cristãos. Nos deparamos com isso quase imediatamente ao nos tornamos cristãos: o mundo ou o Senhor? Você vai ter o mundo ou terá o Senhor. Quando nos tornamos cristãos, nos posicionamos exatamente contra isso. De muitas maneiras práticas isso nos pressiona e se torna uma guerra até o fim. Nunca é, até o fim de nossas vidas, isso se tornará algo agradável para nossas naturezas… ser evitado, desconsiderado pelo mundo, ter seu favor e seus prêmios retidos pelo mundo porque somos cristãos. Esse é de fato um combate.

Olhando brevemente para esse assunto continuaremos com o terceiro ponto da batalha, que foi…

O Relacionamento do Senhor com a Igreja

E o colocou sobre o pináculo do templo”. O templo… por que não o palácio? Bem, o palácio reflete o mundo; que está em outra esfera. O foco aqui era o templo. O Senhor Jesus veio com o objetivo de proteger Sua igreja. Eis a questão: você é religioso agora! É religioso; não mais pertence ao mundo. Vemos outra questão entrando em cena representada pelo templo, a religião popular, formal, tradicional e amplamente estabelecida, sim, uma religião morta (mas o diabo não diz isso). Temos a sugestão de que o Senhor poderia capturar o mundo religioso se ao menos fizesse aquilo, obtendo um lugar importante ali, obtendo uma reputação, influência, e obtendo um nome ali, obtendo aplausos, aceitação e seguidores no mundo religioso.

Mas o Senhor Jesus sempre traçou uma clara linha divisiva em Sua vida que separava a religião tradicional, fria, morta e formal, e a igreja viva. Ele se comprometeu com a igreja; dizendo: “Edificarei minha igreja” [Mt 16:18]. Sabemos que “Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela” [Ef 5:25].

Mas o diabo sabe, pois ele tem um senso aguçado e conhecimento intuitivo das coisas, que aquela igreja está destinada a representar sua ruína. Então, se ele puder simplesmente desviar Cristo daquele objeto específico, que é a igreja, na direção de algo religioso, como uma alternativa, ele teria uma tremenda vitória!

O inimigo está sempre tentando nos fazer aceitar algo que é menor do que o pensamento pleno de Deus a respeito da igreja, tentando-nos a nos tornarmos religiosos, formais, Cristãos profissionais; descendo a esse nível para sermos roubados do tremendo significado do Corpo de Cristo e seu destino nos conselhos eternos de Deus.

Essas são as três dimensões da batalha: nosso relacionamento com Deus, nosso relacionamento com este mundo e nosso relacionamento com a igreja – a batalha é travada nesses três pontos. Devemos lutar contra isso.

Mas então, vamos olhar esses ataques do inimigo em relação a Cristo, Sua Pessoa.

Em primeiro lugar:

Seu Corpo

O primeiro ataque foi desferido contra aSeu corpo e o que parecia ser a necessidade essencial dele naquele momento. Bem sabemos que a grande questão surge na esfera de nosso corpo físico: se os ditames de nosso corpo, nossa vida física, serão saciadas e terão a supremacia, ou se a vontade de Deus será primordial.

Às vezes esse problema é trazido à luz. É por isso que o apóstolo diz: “Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus” (Rm 1:2).

Nosso corpo é um sacrifício vivo… exatamente porque muitas vezes é nosso corpo que se levanta e dita o curso de nossas ações. Parece que nossas necessidades físicas são a exigência máxima, aquilo que é ‘bom para nós’ em termos físicos. Às vezes é uma questão de descanso. Ah, sim, nosso corpo precisa de descanso, e Deus sabe disso.

O próprio Cristo levou isso em consideração no trato com Seus discípulos, Ele sabia da necessidade de repouso.

Mas existem situações e momentos que toda essa questão deve ser analisada de maneira espiritual, não apenas física, alguma fraqueza física ou indisposição pode acabar se tornando um fator dominante sobre nós, e sucumbimos a essa limitação, sendo colocados para fora da linha de combate.

Devemos considerar que, às vezes, nem sempre, mas às vezes, podemos ser chamados a dizer: “Sim, não me sinto muito bem, meu corpo parece ditar isso, mas há alguma questão espiritual envolvida e, por isso, me apegarei à Vida”. Me apego à Vida!

E é muito comum que essa Vida entre em ação tão logo estabelecemos nossa posição e nos posicionamos contra essa situação, essa batalha física, e fazemos aquilo que não teríamos feito se tivéssemos cedido aos ditames de nosso corpo.

A questão então, em algumas ocasiões é se o corpo é o senhor, ou o se é Espírito do Senhor, o Pai, que governa.

A próxima esfera de atuação do inimigo na vida do Senhor Jesus foi:

Na Alma

Como mencionei, a proposta dos reinos do mundo foi um apelo à Sua alma. Ambição! Que terríveis tragédias são frutos da ambição neste mundo! Ambição dos pais para seus filhos, que tem devastado frequentemente a vida espiritual das crianças.

Nossa ambição pessoal neste mundo de chegar a algum lugar, de chegar ao topo, ser alguém, ter um nome, e todas essas outras formas de manifestação da nossa própria vida “natural”, nossa identidade.

E este foi um apelo à individualidade do Senhor nesse mundo – reputação, nome, posição, influência, fama, sucesso, prosperidade, progresso – tudo o que estava envolvido nessas coisas. Bem, não há nada de errado em fazer um bom trabalho neste mundo e em progredir, mas se para isso precisar deixar de fazer a vontade do Pai, se for uma sugestão do diabo, há um perigo imenso associado a isso, devemos combater essa oferta! Lute contra essa proposta. O que realmente está ditando nossas escolhas? Nossa identidade? Minha própria alma, ou realmente tudo está sujeito ao que Deus deseja para minha vida? Essa é muitas vezes uma batalha acirrada, não é mesmo?

E então, finalmente, o inimigo chega na terceira esfera de sua tentação…

Seu Espírito

A questão da adoração governa toda essa tentação, não é? Adoração, em espírito… o espírito é aquela parte dentro nós onde Deus recebe adoração. “Mas vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores” [Jo 3:23], não com o corpo, nem a alma, mas no espírito.

Paulo disse: “A quem sirvo em meu espírito” (Rm 1:9). O inimigo fará qualquer coisa para nos tirar dessa esfera de relacionamento essencial e definitiva com Deus em nosso espírito. Qualquer coisa! Precisamos aprender de forma sutil e clara o que significa andar e ter uma vida com Deus no espírito – não em nossos sentimentos, emoções, desejos, raciocínios, nem pelas influências governantes deste mundo. Devemos  nos relacionar com Deus na parte mais íntima de nosso ser.

A partir daquele momento aquela foi a questão principal na vida do Senhor Jesus. Por todo o caminho, a partir daquele compromisso no Jordão e deste combate fundamental e inclusivo no deserto, Sua vida foi baseada nesse pilar fundamental: seria Ele influenciado por outras considerações, ou andaria com o Pai interiormente, em Seu coração?

Perceba que isso veio à luz repetidas vezes; o inimigo sempre tentava se interpor ali, para que  Sua vida se fundamentasse em outra coisa que não fosse Sua comunhão interior com o Pai.

Essa batalha está sendo travada agora para nos tirar dessa base, levantando essa grande questão: o que vai prevalecer?

O inimigo usa as linhas físicas, emocionais, tentando de diversas maneiras diferentes, mas tudo envolve uma única questão. É uma batalha: quem vai prevalecer e o que vai prevalecer?

O Senhor Jesus repelia o diabo todas as vezes com aquilo que o Pai havia tornado conhecido da Sua vontade. Afinal, “Está escrito”. O Senhor disse, em outras palavras: “Deus disse…”; “Deus disse…”; “Deus disse!”, “Bem sei o que Deus disse.”

Essa é a palavra final nesta batalha. Essa é a resposta definitiva: não são minhas necessidades e condições físicas; meu bem-estar neste mundo; mas minha vida interior com Deus. Esse é o campo de batalha!

Leia mais sobre esse assunto aqui.


T. Austin Sparks (1888-1971) nasceu em Londres e estudou na Inglaterra e na Escócia. Aos 25 anos, iniciou seu ministério pastoral, que perdurou por alguns anos, até que, depois de uma crise espiritual, o Senhor o direcionou a abandonar aquela forma de ministério, passando a segui-Lo integralmente naquilo que parecia ser “o melhor que Deus tinha para ele”. Sparks foi um homem peculiar, que priorizava os interesses do Senhor em vez do sucesso do seu próprio ministério. Sua preocupação não era atrair grandes multidões, mas ansiava desesperadamente por Cristo como a realidade de sua pregação. Por isso, suas mensagens eram frutos de sua visão e intensas experiências pessoais. Ele falava daquilo que vivenciava, e sofria dores de parto para que aquela visão se concretizasse primeiramente em sua própria vida. Pelo menos quatro linhas gerais podem ser percebidas em suas mensagens: (a) o grandioso Cristo celestial; (b) O propósito de Deus focado em ganhar uma expressão corporativa para Seu Filho; (c) a Igreja celestial – a base da operação de Deus na terra e (d) a Cruz – o único meio usado pelo Espírito para tornar as riquezas de Cristo parte da nossa experiência. Sparks também acreditava que os princípios espirituais precisavam ser estabelecidos por meio da experiência e do conflito, quando finalmente seriam interiorizados no crente, tornando-se parte de sua vida. Sparks desejava que aquilo que recebeu gratuitamente fosse também assim repartido, e não vendido com fins lucrativos, contanto que suas mensagens fossem reproduzidas palavra por palavra. Seu anseio era que aquilo que o Senhor havia lhe concedido pudesse servir de alimento e edificação para os seus irmãos. Suas mensagens são publicadas ainda hoje no site www.austin-sparks.net e seus livros são distribuídos gratuitamente pela Emmanuel Church.

“Nenhum homem é infalível e ninguém ainda ”obteve a perfeição”. Muitos homens piedosos precisaram se ajustar, seguindo um senso de necessidade, após Deus lhes haver concedido mais luz.” (De uma Carta do Editor publicada pela primeira vez na revista “A Witness and A Testimony“, julho-agosto de 1946).

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