O combate que envolve a primogenitura

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O combate que envolve a primogenitura é uma coletânea de extratos dos capítulos 1 e 2 do livro “The Fight of The Faith” de T.Austin-Sparks.

T. Austin-Sparks (1888-1971)

“Tu és o meu Filho amado, em ti me comprazo” (Marcos 1:11).

“Se és o Filho de Deus…” (Lucas 4:3;9).

“Contudo, quando vier o Filho do Homem, achará, porventura, fé na terra?” (Lucas 18:8).

Existe algo peculiar no universo que marca aqueles que estão associados ao Senhor Jesus e que denominamos o combate da fé. Ele se iniciou há séculos, apesar de ter tido sua primeira investida contra a humanidade no jardim do Éden. O Senhor Jesus trouxe essa batalha mais claramente à luz quando veio à terra e viveu nesse mundo.

Em Lucas 4, temos um ponto onde essa batalha veio mais claramente à luz. A ocasião foi o combate no deserto, entre Cristo e satanás, a batalha de todas as eras agora se manifestou em seu mais pleno, profundo e maligno sentido, e esse conflito está concentrado nessas palavras: “Se tu és Filho de Deus…”. Essa foi uma pergunta recorrente do inimigo.

Se considerarmos essa uma batalha de fé, o que envolvia a “fé” nesse combate? Tudo se resumia na pergunta: “Se tu és Filho de Deus…”.

A questão era Jesus Cristo como Filho de Deus – ou seja, algo relacionado à Deidade de Cristo. Sabemos que isso pode ser considerado um princípio da fé cristã, da nossa doutrina, mas existe algo mais aí!

Jesus o Filho de Deus é mais do que uma mera afirmação, trata-se de uma experiência, e isso encoleriza profundamente o inimigo.

Filiação é algo imenso na visão de Deus! Por isso, toda a questão da filiação envolve uma furiosa batalha, como foi no caso do Senhor Jesus e também será no nosso. Se você quer saber qual é a ocasião de todo o problema, guarde essa palavra: a filiação [huiosthesia].

Imagine o que isso representa para Deus! Isso é muito precioso para Deus, tanto na pessoa do Senhor Jesus como nos muitos filhos que Ele está trazendo à glória [Hebreus 2:10 – filhos/huios]. Essa palavra traz tudo à luz, atiça e instiga o inferno em suas profundezas, explicando todo o problema, sofrimento e conflito que ela envolve.

Um pouco antes do combate retratado em Lucas 4, o próprio céu havia declarado: “Tu és o meu Filho [huios] amado, em ti me comprazo” (Lucas 3:22).

A seguir vemos aquele grave desafio no deserto: “Se tu és Filho [huios] de Deus…“. Vemos que esse conflito foi tão intenso, que anjos foram enviados para ministrar ao Senhor (Mc 1:13).

A Natureza do Desafio relacionado à Filiação

Existe um desafio relacionado à filiação, porque nela está incluído tudo que se relaciona ao destino de satanás e de Cristo. O destino de satanás é negro e terrível, enquanto que o de Cristo é absolutamente glorioso. Mas, esses dois destinos não são automáticos, são gerados espiritualmente. Filiação se relaciona a uma plena apreensão de um relacionamento, de uma natureza.

É muito interessante notar a diferença dos usos no Novo Testamento das palavras “criança” [teknon] e “filho” [huios] [ambas foram traduzidas na versão da Bíblia JFA como “filho”].

“Criança”, na língua original, indica alguém nascido na família, e “filho” é uma criança crescida, que atingiu a maturidade. O filho [huios] representa aquele que é plenamente maduro.

Da mesma forma, em nossa experiência espiritual somos primeiramente nascidos do alto e nos tornamos “crianças” [teknon] de Deus, assim,  somos “filhos em potencial”, e, quando essa “filiação” em relação a Deus atingir a plena maturidade, então teremos a glória da plena libertação. [Esse processo era chamado de adoção, ou huiosthesia. Nesse momento, o filho maduro era apresentado à sociedade como alguém que representava plenamente o pai].

Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos [teknon] de Deus (Jo 1:12).

Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos [huios] de Deus (Rm 8:14).

Nos predestinou para ele, para a adoção [huiosthesia] de filhos (Ef 1:5).

Satanás e seu reino estão se aproximando do momento onde o julgamento final será precipitado pelo pleno desenvolvimento de sua iniquidade. Este é o mesmo princípio da filiação, que funciona para ambos os lados. O Antigo Testamento menciona isso no caso do povo de Canaã, que só receberia o julgamento quando “a medida da iniquidade” estivesse plena [Gn 15:16].  A filiação, no sentido da iniquidade, significa o seu pleno desenvolvimento, sua maturidade e finalmente, sua completa destruição.

Por outro lado, filiação, em relação ao Senhor, representa ser trazido à maturidade. Cristo terá a plenitude nos santos – “à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4:13). E então, o que acontecerá? Exatamente o oposto do destino de satanás: teremos glória!

Os dois destinos estão atrelados, mas isso não é algo mecânico, será desenvolvido. Satanás reconhece a natureza do seu destino e, por isso, ele desafia constantemente o seu desenlace. Assim, o coração e a essência de nossa fé é a essência do processo de filiação e, em torno disso acontece todo o conflito.

Você deseja menos conflito? Isso poderá te custar a sua filiação [huiosthesia]. Você pode não crescer até a plena maturidade, pode viver uma vida bem mais fácil aqui e agora. Mas, se você realmente deseja a filiação, experimentará mais conflito espiritual do que os demais e não conseguirá fugir disso. Demas evidentemente achou tudo muito difícil: “Porque Demas, tendo amado o presente século, me abandonou” (2Tm 4:10). Vamos nos lembrar de que, “se perseverarmos, também com Ele reinaremos” (2Tm 2:12).

A Filiação vem Essencialmente e Exclusivamente de Deus

Devemos nos lembrar, entretanto, que a filiação é algo exclusivo de Deus. No capítulo 1 do evangelho de João, no verso 13, nos é dito: “nós não nascemos da vontade da carne, nem do homem, mas de Deus“. Por isso, o segredo da filiação não reside no homem, mas vem exclusivamente de Deus.

Portanto, a vida de filiação não pode ser vivida na carne, precisa brotar da mesma origem e natureza de onde ela nasceu, que é o Espírito.

Essa vida no Espírito, que é a vida de filiação, é vivida debaixo de uma contínua convicção de que não poderemos vivê-la, a não ser que tudo parta de Deus. Devemos extrair nossa própria vida do Senhor a cada dia. Quando mais andarmos com o Senhor, mais viveremos no Espírito, e mais experimentaremos crescimento espiritual e maturidade.

A cada dia teremos maior consciência de nossa total dependência de Deus para viver e para tudo na esfera de nosso  relacionamento pessoal com Ele. Não teremos recursos que nos sirvam de apoio: auto-estima, força natural, auto-confiança, habilidade natural, sabedoria, reputação, todos os recursos naturais serão cortados, drenados e esgotados pelo Espírito de Deus, até chegarmos ao ponto onde saberemos que, em nós mesmos, não existe a capacidade viver a vida Cristã, de viver no Espírito, de andar com o Senhor… Tudo precisa vir dEle! Filiação é a coisa mais dependente que você poderá encontrar.

O Senhor disse: “Em verdade, em verdade vos digo que o Filho nada pode fazer de si mesmo, senão somente aquilo que vir fazer o Pai; porque tudo o que este fizer, o Filho também semelhantemente o faz” (Jo 5:19). Novamente, “nada posso fazer de mim mesmo” (Jo 5:30). Isso é filiação, e isso significa viver continuamente na base da ressurreição.

Somos filhos, mas quantos do povo de Deus estão dispostos a viver nessa base? Quantos de nós desejam ter em si mesmos a força e sabedoria, a habilidade e a eficiência? Será que desejamos viver tudo como fruto de absoluta dependência e manifestação da ressurreição?

“Contudo, quando vier o Filho do Homem, achará, porventura, fé na terra?” (Lc 18:8).

A Lei da Fé e da Dependência

Adão foi criado tendo em vista a vida de filiação. Ao ser criado, ele logo foi colocado em uma base de dependência de Deus. Essa era a lei da sua vida e, por meio dela, ele chegaria à realização da filiação em seu mais elevado sentido.

Satanás veio e sugeriu à Adão que ele poderia ter isso tudo a partir si mesmo, se assim desejasse. Ele não precisaria depender de Deus nem olhar para Ele o tempo todo. Se Adão seguisse o conselho de satanás, não precisaria mais servir a Deus, e seria liberto da escravidão da dependência, da e da obediência. Adão aceitou essa sugestão, e a possibilidade de filiação foi perdida para toda a sua raça.

O último Adão aceitou aquela vida de absoluta dependência do Pai, de obediência e do pleno esvaziamento. “Ele se esvaziou… sendo obediente até a morte” (Fp 2:6-8). Ele não tinha nada Em Si Mesmo, e isso por uma decisão voluntária. Ele tinha tudo no Pai! A filiação então foi estabelecida, realizada e expressa em plenitude no Senhor Jesus.

Somos chamados nessa mesma base. Não existe nada que seja mais contrário e que opere de forma mais antagônica ao espírito da filiação e ao propósito de Deus do que o orgulho, esse anseio ter tudo em nós mesmos.

O orgulho odeia uma vida de dependência!

O orgulho não suporta olhar para fora em busca de tudo que precisa. O orgulho necessariamente precisa ser a fonte de todas as coisas. “Não sejais sábios aos seus próprios olhos” é uma frase usada pelo Apóstolo Paulo (Rm 12:16).

O Senhor Jesus, que tinha o lugar mais elevado na glória celestial, o nome e título mais grandiosos – todos os direitos do universo eram Seus – aceitou a posição menor, se cingiu com uma toalha, colocou água em uma bacia e se ajoelhou para lavar os pés de Seus discípulos.

Essa era a mente de Cristo Jesus. Isso é a filiação, que não é nada agradável para a carne, para a nossa reputação e educação, porque ambicionamos por algo melhor, mas essa é a vida no Espírito. E esse Espírito será a marca do crescimento e da maturidade espiritual. A pessoa que está realmente crescendo espiritualmente não é alguém que está se tornando importante, mas é aquela que está crescendo em um espírito dependente. Aquele que pode descer mais baixo é aquele que realmente está sendo elevado.

Essa é a natureza da filiação. Isso é algo exclusivo de Deus, não vem de nós. Nunca conseguiremos produzir isso à parte dEle. “Aquele que é nascido da carne, é carne” (Jo 3:6). “Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos [huios] de Deus”. (Rm 8:14). Nascidos, guiados – essa é a essência.

Filiação é Indestrutível – Como Satanás Anula seu Poder

Como a Filiação é algo totalmente de Deus e é espiritual, está além do poder de satanás tocar nela diretamente, apesar de ser algo que o incomoda profundamente.

Vale lembrar que o anticristo não reflete uma negação da existência de Cristo, trata-se de uma falsificação. Isso por si mesmo já é uma enorme admissão, um reconhecimento de sua realidade. Portanto, devemos compreender que existe algo no universo que nunca será questionado ou negado, e não poderá ser tocado enquanto for uma realidade – a filiação.

Satanás não pode destrui-la, porque é inviolável. Então, qual é a natureza do combate do inimigo? Ele não é tolo a ponto de acreditar que pode destruir a filiação, mas dirige todos os seus esforços e métodos para anular o seu efeito, o máximo que puder. Dessa forma, assim como o inimigo tentou o último Adão ao dizer: “Se tu és Filho de Deus…”- ele sempre inicia com um “SE”. Se Jesus admitisse esse “se”, Satanás teria ganhado vantagem.

Acredite, admita qualquer dúvida ou questionamento e você está destruído. O efeito daquilo que é inviolável será impedido em relação ao inimigo. Dúvida, incredulidade, questionamento, uma incerteza… tais coisas suspendem a tremenda potência da filiação contra o inimigo, apesar da posição da filiação ser inviolável.

Se Satanás encontrar um povo que crê na base da filiação, persistindo nisso e se recusando a duvidar e questionar, ele encontrará algo semelhante ao que foi encontrado em Cristo. O Senhor afirmou: “aí vem o príncipe do mundo; e ele nada tem em mim” (Jo 14:30). Nada! Nenhuma base de questionamentos e dúvidas.

A fé que se sustenta no Filho de Deus torna a filiação num poder grandioso para aquele que crê.

Então, qual seria mesmo a natureza da filiação? Uma vida no Espírito. Satanás constantemente nos provocará a viver pela carne. É uma vida de dependência? Ele vai tentar nos levar a ser independentes. A filiação é uma vida de humildade, mansidão, que tem toda a sua fonte em Deus? Então satanás tentará nos provocar ao orgulho, nos fazer desejar ter a nossa fonte de tudo a partir de nós mesmos, buscar reconhecimento, considerar nossa reputação, brigar pela nossa própria vindicação.

Lembre que cada tendência, inclinação ou tentativa de assegurar sua própria vindicação, por mais certo que pareça, é absolutamente contrário à filiação.

A si mesmo se esvaziou” (Fp 2:7). O Senhor Jesus não buscou Sua própria vindicação. Ele deixou tudo por conta de Deus, e se tornou obediente até a morte, e morte de Cruz. “O seu direito que de mim procede, diz o Senhor” (Is 54:17).

Oh, essa graça do auto-esvaziamento, de não buscar um título, nome, reputação, vindicação, nem auto-justificação. Essa posição tira toda a base do inimigo, rouba a posição que ele precisa para se sustentar e tentar anular o efeito da presença de Cristo.

Vamos buscar do Senhor essa graça da abnegação e da alegre aceitação da vida de total dependência dEle, nos termos da vida de ressurreição diária. Esse é o caminho da filiação. Isso dá lugar ao Senhor e espaço para a plenitude de Cristo. Que o Senhor nos faça bons filhos, para Sua própria glória e satisfação!

Leia mais do autor aqui.


T. Austin Sparks (1888-1971) nasceu em Londres e estudou na Inglaterra e na Escócia. Aos 25 anos, iniciou seu ministério pastoral, que perdurou por alguns anos, até que, depois de uma crise espiritual, o Senhor o direcionou a abandonar aquela forma de ministério, passando a segui-Lo integralmente naquilo que parecia ser “o melhor que Deus tinha para ele”. Sparks foi um homem peculiar, que priorizava os interesses do Senhor em vez do sucesso do seu próprio ministério. Sua preocupação não era atrair grandes multidões, mas ansiava desesperadamente por Cristo como a realidade de sua pregação. Por isso, suas mensagens eram frutos de sua visão e intensas experiências pessoais. Ele falava daquilo que vivenciava, e sofria dores de parto para que aquela visão se concretizasse primeiramente em sua própria vida. Pelo menos quatro linhas gerais podem ser percebidas em suas mensagens: (a) o grandioso Cristo celestial; (b) O propósito de Deus focado em ganhar uma expressão corporativa para Seu Filho; (c) a Igreja celestial – a base da operação de Deus na terra e (d) a Cruz – o único meio usado pelo Espírito para tornar as riquezas de Cristo parte da nossa experiência. Sparks também acreditava que os princípios espirituais precisavam ser estabelecidos por meio da experiência e do conflito, quando finalmente seriam interiorizados no crente, tornando-se parte de sua vida. Sparks desejava que aquilo que recebeu gratuitamente fosse também assim repartido, e não vendido com fins lucrativos, contanto que suas mensagens fossem reproduzidas palavra por palavra. Seu anseio era que aquilo que o Senhor havia lhe concedido pudesse servir de alimento e edificação para os seus irmãos. Suas mensagens são publicadas ainda hoje no site www.austin-sparks.net e seus livros são distribuídos gratuitamente pela Emmanuel Church.

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