Batalha Espiritual (1959)

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“Batalha Espiritual” é uma tradução do texto homônimo retirado do Capítulo 1 do livro “Strong in the Day of Battle”, de T.Austin-Sparks, publicado pela Emmanuel Church.

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T. Austin-Sparks (1888-1971)

“Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gênesis 3:15).

“Ora, em toda a terra de Israel nem um ferreiro se achava, porque os filisteus tinham dito: Para que os hebreus não façam espada, nem lança. Pelo que todo o Israel tinha de descer aos filisteus para amolar a relha do seu arado, e a sua enxada, e o seu machado, e a sua foice” (1 Samuel 13:19,20).

“Este é o dever de que te encarrego, ó filho Timóteo, segundo as profecias de que antecipadamente foste objeto: combate, firmado nelas, o bom combate” (1 Timóteo 1:18).

“Combate o bom combate da fé. Toma posse da vida eterna, para a qual também foste chamado e de que fizeste a boa confissão perante muitas testemunhas” (1 Timóteo 6:12).

A primeira dessas passagens nos informa da existência de uma inimizade desde o princípio de tudo. Existem apenas duas categorias de pessoas na criação e no universo: ‘a semente de Satanás’ – sob a forma de homens ou demônios – e a ‘semente de Cristo’. Desde o início da constituição de todas as coisas, percebemos a inimizade entre essas duas sementes, e ela pode ser vista na raça humana, como sabemos muito bem. Existe algo na natureza humana que tem inimizade contra Deus e aqueles que Lhe pertencem. Sabemos que vivemos em um universo inundado com inimizade e hostilidade. Isso vai além da humanidade, pois esse combate está nas regiões celestiais, é espiritual e está por trás de todas as coisas.

É claro que esse é um assunto vasto, então vamos enfatizar apenas um aspecto nesse momento. Acredito que frequentemente ficamos em desvantagem e enfraquecidos por ainda nos surpreendermos com isso. Por que todas essas experiências difíceis, o estresse, pressão, antagonismo e conflito? Precisamos ter completamente claro, de uma vez por todas, que isso está na própria constituição das coisas. Até que elas sejam mudadas com o novo céu e a nova terra, isso continuará e sempre acontecerá conosco. Desde nosso primeiro nascimento, entramos em uma esfera de conflito. Então, pelo novo nascimento, somos conduzidos a uma outra direção e começamos a conhecer algo mais daquilo que já percebíamos anteriormente. Isso é algo que devemos ter bem claro na nossa mente, como um fato, pois isso continuará até o fim.

Sei que esse não é um pensamento muito confortador e pode soar muito deprimente, mas muitas das nossas derrotas são o resultado de não estar bem claro e definido para nós que existe esse conflito espiritual nas regiões celestes. Então, que fique claro, de uma vez por todas, que vamos permanecer em tal conflito até o fim das nossas vidas. Sempre será assim, e é melhor nos ajustarmos a isso e reconhecermos que é real. Estamos em um combate entre dois grandes sistemas espirituais, encabeçados por dois grandes líderes. De um lado está satanás com suas vastas hostes, ou, como Paulo denomina, “forças espirituais do mal”. Do outro lado está o Senhor Jesus, que também tem Seus exércitos.

A Estratégia do Inimigo na Batalha Espiritual

Contudo, precisamos saber e reconhecer não apenas o fato, mas também a estratégia de cada líder. No que tange a satanás, sua estratégia suprema é neutralizar o espírito de combate. Anote isso! Essa é a pequena ilustração da passagem que lemos de Samuel. Os Filisteus estavam sempre buscando neutralizar o testemunho de Israel. Sua estratégia era simplesmente roubar de Israel todas as armas de combate. Tomando todas elas, eles não poderiam lutar, já que não teriam nada com que combater. Essa é a suprema estratégia do inimigo – neutralizar o espírito de combate do povo de Deus.

Os caminhos pelos quais isso é feito são incontáveis. Ele vai paralisar o povo de Deus, tentando os sobrecarregar com demonstrações ostentativas de poder e influência, para assim criar nele um sentimento de que o inimigo é maior do que o Senhor. Se o inimigo não pode nos levar a acreditar que ele não existe, vai fazer tudo que puder para nos levar a “super-avalia-lo”. Ou seja, ele quer que acreditemos que ele é maior do que é. Ele cria ostentativas demonstrações para nos fazer sucumbir ao sentimento de que ele é muito grande para nós, e que as suas forças são muito poderosas. É claro que isso não é verdade, mas, se permitirmos que esse pensamento penetre, pode roubar a força de combate que há dentro de nós. Por isso, ele age dessa maneira.

Ou então, ele neutralizará o nosso espírito de combate, introduzindo confusão paralisante em nossos pensamentos, deixando nossa mente dividida, com toda sorte de desconfianças, incertezas e dúvidas. Quando isso acontece, toda a nossa segurança se dissipa. Estaremos arruinados se o inimigo tiver sucesso em nos conduzir a nos voltarmos para nós mesmos e para nossos problemas, trazendo à luz esses questionamentos que nos distraem do foco. Logo o espírito de combate será perdido.

Outra forma que ele pode usar (mantendo cada exemplo bem próximo das Escrituras, que poderíamos citar em cada conexão), é trazer alguma corrupção paralisante, algum segredo oculto entre o povo de Deus; algo que pode verdadeiramente os acusar diante do Senhor. Existe muita coisa, é claro, que ele faz que não é correta, mas ele sabe muito bem que, se puder trazer algo questionável ou errado entre o povo do Senhor, então Deus não poderá permanecer a favor do Seu povo. O Senhor estará amarrado em Seu suporte, e não poderá Se comprometer, se houver qualquer tipo de corrupção ou elemento questionável na vida ou conduta do Seu povo.

Poderíamos gastar muito tempo enumerando os caminhos que o inimigo toma para destruir o espírito de combate do meio do povo do Senhor. Mas, apesar de não conseguirmos cobrir tudo nesse terreno, não vamos nos esquecer do seguinte: Se o espírito de combate se for, significa que o inimigo ganhou uma vantagem enorme, e em algum ponto ele está obtendo sucesso. O inimigo teme, mais do que qualquer coisa, um povo cingido para a batalha, posicionado para o combate.

A Estratégia do Senhor na Batalha Espiritual

Por outro lado, temos a estratégia do Senhor. Nós normalmente apelamos ao Senhor para Se mover e batalhar a nosso favor. O que normalmente acontece é que percebemos que o Senhor não faz isso. O Senhor não pode permanecer com um povo que duvida, que pode ser tomado por qualquer tipo de incredulidade, dúvida ou questionamento. Uma coisa que o Senhor demanda é que conheçamos nossa posição, o nosso terreno, e que isso seja algo profundamente claro em nossos corações, traduzido em uma quieta, profunda e firme confiança. Um povo que duvida e que questiona é um povo paralisado. O Senhor demanda que sejamos um povo seguro: que saibamos quem somos, para onde estamos indo, e que saibamos qual é o terreno no qual nos posicionamos.

Ele demanda por um povo unido. O Senhor nunca se posicionará, nem lutará a favor de um povo dividido. É a obra do inimigo dividir. É a estratégia do Senhor trazer à uma completa unidade e harmonia. Seu poder está nessa direção – que nós estejamos todos juntos, como um só homem, um coração, uma mente e uma vontade. Isso é essencial. O Senhor já falou muito sobre isso na Sua Palavra – ter um povo com um só coração. Isso é absolutamente necessário para ter vitória sobre o inimigo.

Novamente, é absolutamente essencial para vitória que tenhamos uma visão e propósito singulares. “Não havendo visão, o povo perece” (tradução de Pv 29:18, versão King James). Onde há uma visão dividida, não há poder sólido para enfrentar o inimigo.

Precisamos ser um povo com uma visão singular; precisamos saber o que o Senhor busca no nosso tempo, nesse mundo – realmente o que é o propósito do Senhor, com o que Ele está comprometido, e precisamos nos alinhar a esse propósito. Oh, como é importante ter a visão de Deus para o nosso tempo e estar debaixo desse poderoso governo! Um povo com visão significa um povo com propósito distinto e definido.

Se não sabemos, temos incertezas, não está claro para nós aquilo que somos, para que existimos, então seremos um povo derrotado e seremos roubados o tempo todo. Foi sempre assim com Israel. Quando eles perderam a visão da causa pela qual Deus os havia chamado, só rodearam em círculos e se tornaram um povo neutralizado. É necessário a existência de um propósito consumindo nossos corações.

Vamos nos lembrar de como – e podemos ver em muitas ilustrações na Palavra de Deus – sempre que o povo começava a se acomodar e ficar à vontade, deixando de ser ativo e positivo, alguma coisa errada acontecia. Quando entraram na Terra e antes mesmo de terem exterminado completamente os seus inimigos, eles começaram a se acomodar. Sabemos o que se seguiu.

Isso também aconteceu com Davi. “Decorrido um ano, no tempo em que os reis costumam sair para a guerra”, ao invés de ir ao combate, “Davi ficou em Jerusalém”; sabemos o que aconteceu (2Sm 11:1). Assim também aconteceu com Salomão, porque parecia não haver mais combate a ser realizado, e que todas as nações ao seu redor estavam subjugadas. Mas o inimigo não pensava assim! Então, quando tudo parecia tão bom e agradável, “Salomão aparentou-se com Faraó, rei do Egito, pois tomou por mulher a filha de Faraó…” (1Rs 3:1). Que sutileza!  Sabemos o que se seguiu em Israel. Não demorou muito e o reino de Salomão foi dividido, seguido por toda aquela longa e terrível história. Que tragédia foi o fato do rei seguir outro rei em apostasia, em desastre, em morte.

Diligência e “espírito fervoroso” são fatores muito poderosos no combate. Não podemos ser um povo sem motivação, sem propósito, sem ter nossas vidas absorvidas com algum objeto. Oh, essa obra do inimigo, de roubar de nós o senso de motivação, de ter alguma coisa grande o suficiente pela qual viver e trabalhar; até o ponto de enfraquecer nossas mãos até se renderem. Seremos logo um povo neutralizado se isso acontecer.

É necessário que haja algo positivo – como Paulo disse, devemos ser “sempre abundantes na obra do Senhor” (1Co 15:58). A pessoa que não tem as mãos cheias o suficiente de propósito na vida é uma pessoa aberta a qualquer tipo de assalto. Mesmo na esfera natural isso é verdadeiro: você é bem mais feliz se estiver ocupado, do que se estiver ocioso; será muito mais vitorioso na vida se estiver fazendo alguma coisa, envolvido com algo, o que quer que seja.

Assim que você parar e sentar (a não ser que seja por fadiga), você sabe como as coisas começam a povoar a mente, e, de várias maneiras, logo você será absorvido por preocupações e problemas. Mas, principalmente no reino espiritual, isso é uma coisa muito importante: “No zelo, não sejais remissos; sede fervorosos de espírito” (Rm 12:11). Precisamos ser um povo como aqueles da antiguidade, que tem “ânimo para trabalhar” (Nm 4:6).

A Batalha pela Vida

Se nos voltarmos novamente à Palavra, veremos que todo o progresso e aumento de medida espiritual veio ao povo do Senhor por meio dessa linha de combate, e ainda é assim nos nossos dias. Mas qual é o ponto focal de todo esse conflito, esse combate? Qual é o objetivo pelo qual está se guerreando? Apenas uma coisa: VIDA. Esse é o combate pela vida. Não se enganem sobre isso. Essa é a questão na qual o inimigo está concentrando toda a sua atenção. Em todos os golpes e inúmeros esquemas para nos neutralizar e nos tirar do combate, seu objetivo é aquela vida contra a qual ele investiu desde o começo. Seu sucesso depende da morte. Se, de alguma forma, ele puder trazer a morte para dentro, ele teve sucesso. Por outro lado, todo o triunfo do povo do Senhor está conectado à vida.

Todo o progresso nesse combate está relacionado em conhecer cada vez mais o Senhor no poder da Sua ressurreição. Cada novo passo de progresso espiritual vem de uma crise, que é caracterizada quando um novo conhecimento do poder da Sua ressurreição for o único meio para nossa salvação. Isso nos traz muita esperança.

Se hoje nós estivermos mais conscientes do que nunca, tanto pessoal quanto coletivamente, da necessidade de entrarmos nova e poderosamente no poder da Sua ressurreição, compreenderemos que pode ser que o Senhor tenha que precipitar uma crise, a fim de que haja mais da vida Divina em nós do que havia antes. Sempre foi assim. Quando o povo de Israel foi chamado para ser o povo do Senhor, com a herança em vista, isso aconteceu por meio de uma crise de morte e ressurreição. Sua entrada na Terra, para a herança, aconteceu em outra crise de morte e ressurreição. Todo o progresso e crescimento aconteceu nessa batalha entre a morte e a vida, vida e morte.

Chegamos então a essa expressão: “Combate… toma posse da vida eterna”. Sabemos que a vida eterna é um dom em resposta à fé no Senhor Jesus. É um dom, mas esse não é o fim da história. Ao ser concedido, esse dom se tornou no campo de batalha durante todo o resto de toda a nossa experiência. Até o fim, essa mesma vida será o campo de batalha para todos os Cristãos verdadeiros.

Se, por qualquer meio, isso puder ser neutralizado, tornado inoperante, aprisionado, satanás o fará, e esse é o seu objetivo. Por outro lado, o objetivo do Senhor é nos tornar, com Paulo, conhecedores “dele e do poder de Sua ressurreição” em maior plenitude. Se um homem conheceu o poder da Sua ressurreição, esse foi Paulo, e isso aconteceu por meio de muitos conflitos mortais, batalhas terríveis e experiências profundas. Ainda assim, em seus últimos escritos, no final da sua longa e plena experiência de conhecer mais e mais da ressurreição, ele disse: “Para o conhecer, e o poder da sua ressurreição” (Fp 3:10). Isso equivale a dizer: “Ainda não sei tudo que devo saber. Sei muito, mas ainda tem muito mais para conhecer…”.

Para Timóteo, mais ou menos ao mesmo tempo, Paulo escreveu: “Toma posse da vida eterna“. É esse o ponto que quero enfatizar. Não se apóie passivamente sobre o fato de que, pela fé em Jesus Cristo, você tem a vida eterna. Lembre-se de que, dia a dia, essa vida deve ser conquistada, e isso deve ser a base da sua própria sobrevivência e o próprio meio da sua vitória diária.

Esse deve ser o terreno da sua vida física, assim como o da sua vida espiritual: para o corpo, você precisa se agarrar a essa vida; para vitória, você também precisa se agarrar a ela. Ah, se nós soubéssemos mais sobre isso em nossas reuniões de oração – realmente tomando posse da vitória para expulsar o inimigo – de maneira positiva e em espírito! Essa é a natureza da batalha.

Em todo esse turbilhão em que nos encontramos, não temos, por um lado, que aceitá-lo como inevitável, como sendo as coisas como elas são; nem, por outro lado, ter uma fé meramente passiva de que, no final, o Senhor triunfará. Entre essas duas posições, há muito na Palavra de Deus sobre sermos positivos, sobre o nosso apego; e sobre a nossa atitude de, por um lado, recusar; e por outro lado, nos apegarmos ao fim proposto por Deus.

Que o Senhor preserve nosso espírito de combate, e que nos ‘adestre as mãos para a batalha e os dedos, para a guerra!’ (Sl 144:1).


T. Austin Sparks (1888-1971) nasceu em Londres e estudou na Inglaterra e na Escócia. Aos 25 anos, iniciou seu ministério pastoral, que perdurou por alguns anos, até que, depois de uma crise espiritual, o Senhor o direcionou a abandonar aquela forma de ministério, passando a segui-Lo integralmente naquilo que parecia ser “o melhor que Deus tinha para ele”. Sparks foi um homem peculiar, que priorizava os interesses do Senhor em vez do sucesso do seu próprio ministério. Sua preocupação não era atrair grandes multidões, mas ansiava desesperadamente por Cristo como a realidade de sua pregação. Por isso, suas mensagens eram frutos de sua visão e intensas experiências pessoais.
 
Ele falava daquilo que vivenciava, e sofria dores de parto para que aquela visão se concretizasse primeiramente em sua própria vida. Pelo menos quatro linhas gerais podem ser percebidas em suas mensagens: (a) o grandioso Cristo celestial; (b) O propósito de Deus focado em ganhar uma expressão corporativa para Seu Filho; (c) a Igreja celestial – a base da operação de Deus na terra e (d) a Cruz – o único meio usado pelo Espírito para tornar as riquezas de Cristo parte da nossa experiência. Sparks também acreditava que os princípios espirituais precisavam ser estabelecidos por meio da experiência e do conflito, quando finalmente seriam interiorizados no crente, tornando-se parte de sua vida. Sparks desejava que aquilo que recebeu gratuitamente fosse também assim repartido, e não vendido com fins lucrativos, contanto que suas mensagens fossem reproduzidas palavra por palavra. Seu anseio era que aquilo que o Senhor havia lhe concedido pudesse servir de alimento e edificação para os seus irmãos. Suas mensagens são publicadas ainda hoje no site www.austin-sparks.net e seus livros são distribuídos gratuitamente pela Emmanuel Church
 
“Nenhum homem é infalível e ninguém ainda ”obteve a perfeição”. Muitos homens piedosos precisaram se ajustar, seguindo um senso de necessidade, após Deus lhes haver concedido mais luz.” (De uma Carta do Editor publicada pela primeira vez na revista “A Witness and A Testimony“, julho-agosto de 1946).

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