O Prêmio do Nosso Chamamento

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Robert Govett

“Quanto ao mais, irmãos meus, alegrai- vos no Senhor. A mim, não me desgosta e é segurança para vós outros que eu escreva as mesmas coisas. Acautelai- vos dos cães! Acautelai- vos dos maus obreiros! Acautelai- vos da falsa circuncisão! Porque nós é que somos a circuncisão, nós que adoramos a Deus no Espírito, e nos gloriamos em Cristo Jesus, e não confiamos na carne” (Fp 3:1-3).

Este testemunho do Espírito Santo no terceiro capítulo de Filipenses é muito importante para entendermos a diferença entre as condições para a vida eterna e o reino de Deus. Esse testemunho do Espírito Santo no terceiro capítulo de Filipenses é muito importante para entendermos a diferença entre as condições para a vida eterna e o reino de Deus. 

O apóstolo exortando os irmãos a regozijarem em Cristo, traz a chave para o tópico que imediatamente se sucede. Os mestres judaizantes chamaram os irmãos para confiarem nas suas forças e méritos naturais. O homem da lei tem confiança em si mesmo. O filho do evangelho precisa confiar sua justiça ao Senhor, como o profeta já havia ensinado: 

“Mas no SENHOR será justificada toda a descendência de Israel e nele se gloriará” (Is 45:25).

Em Filipos, como em todos os outros lugares, havia como parece, Judeus zelotes, que buscavam introduzir a circuncisão e o guardar da lei, como parte, senão como toda a base para a justificação. Todos os que não tivessem sido circuncidados eram considerados por eles como “cães” e assim perseguiam os discípulos de Jesus, se estes recusassem a cumprir suas exigências. Contra isso, Paulo liberou a palavra de atenção. Ele virou completamente a mesa contra eles. Agora eles, os não crentes em Jesus, eram os “cães” (veja Is 56:10,11). Eles eram, como aquele animal, imundos e inaceitáveis diante de Deus.

Eles eram também “maus obreiros”. Não estavam ociosos, mas buscavam construir uma falsa doutrina e assim derrubar a verdade. Professavam ser discípulos de Moisés, resistiam à autoridade do Messias, o Senhor de Moisés.

Por três vezes ele repete: “Acautelai-vos!” Em um mundo de maldade, o perigo toma muitas formas. Esta repetida admoestação refere-se ao mesmo grupo, em diferentes aspectos. Que a igreja de Cristo esteja alerta para a circuncisão literal e seus mestres. Hoje, isto não é para ser chamado propriamente de “circuncisão”, porque Deus já abandonou esta forma. Sua aliança, sua permanência, seus ritos, se tomados sozinhos, desde que o Messias apareceu, são mortais. Deus abandonou a sombra porque a substância chegou. O espírito da lei se foi, é apenas hoje um cadáver. Paulo poderia apenas chamar daqui em diante esses ritos iniciais pelo nome de “mutilação” ou “desfiguração”.

Os crentes agora são a verdadeira circuncisão. Como Abraão, eles, em uma medida mais completa, viram o Messias e Seu dia, e se regozijaram. Eles têm o espírito de fé de Abraão, e Cristo é para eles o cumprimento da lei, o que é melhor do que ser filhos de Abraão na carne e na lei de Moisés, a qual condena todos. Eles são adoradores em espírito e em verdade, aqueles que o Pai hoje busca. O Judeu sabia e se preocupava apenas com o ato exterior, no entanto desprezava e criticava a realidade interior. Circuncidado na carne, ele era incircunciso no coração. Buscando estabelecer sua própria justiça, ele desprezava a justiça que provém de Deus através de Jesus Cristo.

Contra a circuncisão e seus mestres, a igreja de Cristo foi advertida. Esses princípios são estranhos para os de Cristo. Mas os advogados do batismo infantil são mestres da circuncisão. A aliança da circuncisão, que é a lei, é a sua grande fortaleza contra o batismo dos crentes. Enquanto eles não pleiteiam pelo “ato” da circuncisão ser adicionado como a base do evangelho da justificação, como fizeram os mestres judeus do passado, eles pleiteiam pelas “leis” da circuncisão, como acessório ou suplemento necessário para os de Cristo. Em fazendo isto, eles estão pleiteando pela adição da lei e da carne ao puro evangelho de Cristo. Muitos deles na verdade são homens santos e úteis em outros sentidos, fazendo isso em ignorância. Provavelmente cortariam a própria mão para não trazer obstáculo ao evangelho. Para esses então levantamos a voz do testemunho. Se os bebês dos crentes são mais próximos de Deus do que outros bebês, deve ser porque a carne dos crentes é melhor do que as outras carnes. E então, nesta extensão, a “confiança na carne” é incluída, como aquilo contra o qual o Espírito Santo se declara contrário. A verdadeira circuncisão coloca “nenhuma confiança na carne”. Em todos os casos, a carne é igualmente inútil e morta.

“Bem que eu poderia confiar também na carne. Se qualquer outro pensa que pode confiar na carne, eu ainda mais: circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; quanto à lei, fariseu, quanto ao zelo, perseguidor da igreja; quanto à justiça que há na lei, irrepreensível” (Fp 3:4-6).

Essas palavras indiretamente vão de encontro a uma objeção que comumente vem à mente. Muitas vezes encontramos pessoas que veementemente condenam as qualidades, posições ou vantagens que eles não possuem e não podem obter para si mesmos. Os que possuem tais coisas então se voltam para os que as não possuem, numa posição superior, com sorriso diante dessa condenação, e respondem com o provérbio popular: “As uvas são azedas”. Paulo, portanto, para manifestar que esta não era a razão dele falar tão fortemente contra a justiça que vem da lei, descortina para nós que ele condenou esta base para a esperança, apesar de que ele mesmo a possuía em sua completa extensão. Não havia ninguém que poderia o superar, considerando as circunstâncias de seu nascimento, educação e obediência pessoal. Ele se gloria em sete pontos, que são subdivididos em quatro e três: ele foi:

Primeira subdivisão:

  1. “Circuncidado ao oitavo dia”. Esse era o dia demandado pela aliança da circuncisão de Abraão, e depois reafirmado pela lei de Moisés.
  2. “Da linhagem de Israel”. Circuncisão era praticada por Ismael e sua raça, e pelos Edomitas, assim como por Israel e seus descendentes. Mas Paulo não era um prosélito, mas era da nação escolhida por nascimento.[Nota do tradutor: prosélito é a pessoa que abandona suas crenças e convicções, aderindo à outra crença, religião ou doutrina]
  3. “Da tribo de Benjamim”. Benjamim foi uma das duas tribos que permaneceu com a casa de Davi, quando as outras dez se separaram.
  4. “Hebreu de hebreus”. A sua família sempre se manteve separada de mistura com os gentios, quando tantos se casaram com os ímpios ao seu redor.

A lei estabelece que cada indivíduo será salvo por ela com base nos seus próprios méritos. “Aquele que observar os seus preceitos por eles viverá” [Nota do tradutor: A frase é uma citação de Gl 3:12, onde Paulo estava citando Lv 18:5]. Paulo, portanto, quando apresentando suas esperanças pela lei, se baseia inteiramente na sua posição individual. Ele se gloria na carne. Sua vanglória se baseia na sua (1) nação, (2) tribo, (3) família, e (4) sua própria iniciação como bebê.

As três últimas vanglórias se iniciam todas com a mesma palavra que se relaciona com sua escolha e modo de vida, quando ele chegou à idade de tomar as suas próprias decisões.

Segunda subdivisão:

  1. “Quanto à lei, fariseu”. Paulo foi educado nos princípios mais rígidos da ortodoxia, os quais ele sempre guardou. Ele adicionou as tradições demandadas pelos anciãos às observâncias requeridas pela Lei.
  2. “Quanto ao zelo, perseguidor da Igreja”. Isso, que em outro momento, ele atesta ser o seu maior pecado, aqui aparece como um de seus méritos; porque agora ele está se considerando como os mestres judeus fizeram. Sua reverência e admiração pela lei de Moisés eram tão grandes, que ele buscou derrubar qualquer coisa que permanecesse em oposição a ela.
  3. “Quanto à justiça que há na lei, irrepreensível”. Ele não foi um dos excomungados pelos Fariseus, nem aquele que, depois de expulso se tornou renegado, e se voltou com fúria contra o grupo que o repudiou ou o expulsou. No que tange as observâncias exteriores que a lei requeria, o apóstolo era inculpável. Seus oponentes não podiam alegar contra ele nenhuma infração ao código Mosaico.

“Mas o que, para mim, era lucro, isto considerei perda por causa de Cristo. Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo e ser achado nele, não tendo justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus, baseada na fé” (Fp 3:7-9).

Justificação pela nossa própria obra nos mantém sozinhos: mas o Espírito nos leva para fora de nós mesmos, nos leva para longe tanto das nossas boas como das nossas más obras, e nos une ao Messias, fazendo de toda Sua plenitude, nossa base de confiança. Sua obediência à lei, Sua morte pelos pecados, se tornam nossos. Para obter isto, Paulo, com tudo em que poderia se vangloriar, alegremente se rendeu. Lançou fora sua velha confiança. “Mas o que, para mim, era lucro, isto considerei perda por causa de Cristo”.

Aqui vemos a sabedoria de Deus! Não é o gentio incircunciso que esmaga sob seus pés a circuncisão e a lei, mas um Fariseu; um dos que poderia se vangloriar da justiça pela obediência à lei. Este é um homem que o Espírito de Deus escolhe para nos ensinar a real inutilidade do maior mérito da lei; e a superioridade da melhor justiça que é trazida pela vida e morte do Segundo Adão.

Tão logo o apóstolo discerniu a glória da justiça provida para os pecadores no Filho de Deus, ele considerava todas as suas riquezas anteriores como esterco. O esforço da sua vida foi vaidade. Era justo para ele assim o considerar. Se tivesse visto o caminho da fé, do qual os salmos e profetas e até a lei falavam, ele teria percebido a impossibilidade de ser justificado por seus próprios méritos, diante de um Deus perfeitamente santo e justo. Ele estaria aguardando o Messias e a completa justiça prometida Nele. Sendo então justificado pela fé, como Abraão seu pai, ele teria sido aceito por Deus. Mas agora ele viu que sua vida foi vã, uma vez que ele a gastou sob a direção de um falso princípio.

Não apenas ele pensou assim no início, em relação à primeira descoberta de sua própria culpa diante das demandas da lei no seu coração, mas permaneceu neste pensamento durante toda sua vida. Tudo o que tanto os judeus como os gentios poderiam possuir de bondade, poder, conhecimento, ele considerava como esterco, em comparação ao conhecimento superior do Messias Jesus, aquele a quem ele confessou ser seu Mestre e Senhor.

Por professar a fé em Jesus como o Messias, ele perdeu inteiramente sua posição diante do mundo, em relação aos seus concidadãos. Mesmo assim, ele estava satisfeito. Ele avaliava esses objetos de desejo terreno não apenas como ninharia, mas como repulsivos. Seu coração estava colocado no Messias. A sua escolha foi a de Deus. Ele viu uma medida da beleza de Jesus, a qual o Pai percebe em sua plenitude. Ele viu, e esta visão o matou para qualquer outro objeto de admiração. Assim Paulo se mostrou como mercador da parábola que, depois de encontrar uma pérola perfeita, alegremente trocou suas pérolas anteriores e tudo o que tinha para a obter.

Ele iria ganhar o Messias e a justiça que Nele está. Mas para ser justificado por Cristo, é necessário ser um com Ele. Então ele acrescenta: “E ser achado Nele”. Estando uma vez unido à Cristo, lá devemos permanecer, e lá ser “achados” no grande dia. Como o Israelita estava seguro apenas na casa que tinha o sangue aspergido, e a determinação era de que permanecesse lá até a manhã, senão a espada o iria encontrar do lado de fora, então daquele que está em Cristo, é requerido permanecer Nele.

Os versos acima contém uma renúncia formal de todos os méritos próprios, de tudo que reivindica recompensa por qualquer obediência rendida à lei. Ele escolhe a justiça que é obtida pela fé em Jesus como o Messias, a Justiça designada para o povo de Deus. Isto é claramente apresentado adiante. A justiça é definida três vezes – Primeira: o que não é, “não tendo justiça própria, que procede de lei”. Segunda: “senão a que é mediante a fé em Cristo”. Isto nos ensina o modo pela qual a justiça se torna nossa. Terceira: “a justiça que procede de Deus, baseada na fé”. É a justiça “que procede” de Deus, diante da Justiça de Deus, a justiça que está Nele. É “mediante a fé”. Isto pode ter dois significados, e ambos são verdadeiros. “mediante a fé”, no sentido do tempo, isto é, no momento em que o homem crê, ele é justificado. Então dizemos: “Mediante a sua entrega de milhares de reais, a casa é sua”. Ou a referência pode ser de uma vestidura colocada sobre os ombros. Esta justiça reside “mediante a fé”, como sua vestimenta perpétua.

Aqui temos a primeira parte do conhecimento do Messias. “Com o Seu conhecimento (ou o conhecimento Dele), justificará a muitos, porque as iniquidades deles levará sobre Si” [Nota do tradutor: Is 53:11b]. Os crentes constantemente param neste ponto.

O conhecimento do Messias como Sua justiça foi o primeiro passo de Paulo em direção ao reino de Deus. A sua justiça anterior, como o Salvador declarou, não podia conquistar para ele uma entrada lá. Não era pela justiça dos fariseus. Jesus assegurou solenemente aos Judeus que, se a justiça deles não excedesse em muito a justiça dos fariseus, eles não seriam admitidos lá: Mt 5:20. 

Tendo agora, entretanto, recebido a justiça perfeita de Deus, pela fé, ele estava em paz com Deus, e morto para a lei. Mas este passo era apenas o início de uma nova vida, com um novo prêmio colocado diante dele. O objeto exibido aos olhos daquele que estava sob a lei era, ganhar a vida eterna por estrita obediência a toda lei. A falha em um simples ponto, e isto, testado por uma justiça rigorosa, levava para uma morte eterna. Mt 19:16- 19. Mas a vida eterna é dada de uma vez àquele que crê pela fé. Rm 6:23. Qual é então o novo prêmio para o que se esforça? Os versos subsequentes nos informam.

“Para O conhecer, e o poder da Sua ressurreição, e a comunhão dos Seus sofrimentos, conformando-me com Ele na Sua morte” (Fp 3:10).

O verso diante de nós permanece conectado ao verso oito; as partes intermediárias são um parênteses. “Considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus (por amor do qual perdi todas as coisas …. para ganhar a Cristo … a justiça que procede de Deus, baseada na fé) para O conhecer”, etc.

O primeiro conhecimento de Cristo como Sua Justiça trouxe paz com Deus. Mas havia um conhecimento mais amplo, continuamente se descortinando no futuro, o qual o apóstolo desejava. Era um conhecimento experimental da pessoa, obra, mente, atos, profecias e promessas de Cristo. Isto era comunicado em um alto e bem-aventurado grau, por uma inspiração imediata. O Cristão deveria orar para conquistar logo estas coisas; porque as promessas dos dons concedidas, não pertencem apenas àqueles tempos. I Co 14:1.

Ele queria conhecer também “o poder da Sua ressureição”. Isto é alcançável e deve ser buscado pelos cristãos na vida presente. O cristão deve buscar compreender completamente a sua posição, como alguém em Cristo. Como unido a Ele, está morto para a terra e as coisas que dizem respeito a ela. Está ressurreto com Cristo e espiritualmente assentado com Ele nos lugares celestiais. Na força de sua nova vida, vence os feitos da carne. “logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim” [Gl 2:20]. Pelo poder de Jesus em ressurreição, somos capacitados a viver como mortos para o pecado e vivos para Deus em Cristo; como homens ressurretos passando pela terra através da luz e princípios do céu.

Mas este Espírito de Cristo manifestado na vida nos traz a uma colisão com o espírito e caminhos do mundo; e, portanto, há conflitos e sofrimentos. Assim foi com o nosso Senhor. O mundo nos odeia, se nos parecemos com nosso Mestre. Surge daí sofrimentos, e enfrentados no Espírito de Cristo, são a “comunhão dos Seus sofrimentos”.

Paulo desejava estas coisas. A tão grande alegria prometida aos que sofrem por Cristo levava o apóstolo a dar boas vindas a estes sofrimentos. A glória do prêmio colocado diante dele parecia ser tão excelente, que ele até desejava o martírio como caminho para chegar até ela. “Se com Ele (com Cristo) sofremos, também com Ele seremos glorificados” [Rm 8:17]. “Quem perder a vida por minha causa achá-la-á” [Mt 16:25]. Ele tinha tanta certeza ao reconhecer esta promessa e se sentia tão abençoado pelo seu cumprimento, que seu desejo era render sua vida por causa de Cristo. Este foi o caminho que o Mestre liderou: neste caminho o discípulo também deveria seguir. Aqui ele era superior a Pedro, em inteligência e graça, como vemos este último nos evangelhos. Quando Jesus recebeu a confissão de Pedro de que Ele era o Filho do Deus vivo, Ele profetiza que seria rejeitado até a morte pelo povo de Israel. Pedro, confundido por uma ideia tão contrária às suas predisposições judaicas, repreendeu o Salvador e foi de volta também repreendido, como apreciando apenas as coisas da carne, e não as de Deus. Então o Redentor adicionou que o caminho do discípulo até o reino deveria ser como Seu próprio caminho, de rejeição e sofrimento por parte de um mundo mau. Isto Paulo percebeu e deu boas vindas. Ele abraçou a cruz de uma vez, como a base da sua justificação e o símbolo de sua vida. Ele ambicionava trilhar os passos do seu Mestre Divino. Como um jovem soldado dos tempos antigos, atingido pela visão da fé de Davi e a façanha contra Golias, e persuadido de que ele era o herdeiro ungido da coroa, Paulo buscou seguir os passos de Cristo, apesar deles levarem à cenas de prova e perigos. Paulo viu também – o que os filhos de Zebedeu não conseguiram contemplar – que os lugares de glória do Reino do Messias seriam concedidos àqueles que tivessem sofrido grandemente por Cristo: Mt 20:20-23. “pelo contrário, alegrai- vos na medida em que sois co-participantes dos sofrimentos de Cristo, para que também, na revelação de sua glória, vos alegreis exultando” (I Pe 4:13).

O apóstolo desejava ser conformado, até mesmo à morte de Cristo. Por um aspecto, a morte do Senhor Jesus era de um mártir, sacrificado por confessar a detestável doutrina, que Ele era o Rei dos Judeus e o Filho do Homem, para quem o reino era prometido. Paulo desejava a morte de mártir, em semelhança à do Senhor Jesus, e o portão certo para a ressureição dos justo. Pois a primeira ressureição é especialmente exibida, como a porção assegurada para aqueles que deram suas vidas para o serviço de Cristo. “Aquele que perder a sua vida por Minha causa, acha-la-á”. Paulo sabia o que buscava; e pode com confiança render sua vida, o depósito mais valioso da natureza.

“Para, de algum modo, alcançar a ressurreição dentre os mortos” [A expressão é peculiar e pode ser traduzida: “a seletiva ressureição dos mortos”] (Fp 3:11). É evidente à primeira vista, que a ressureição que o apóstolo fervorosamente buscava não era a ressureição geral. Os perversos vão participar desta última, querendo eles ou não. Paulo não poderia ter dúvida de sua participação nela, ou falar dela como objeto de esperança. O que estava em questão era uma ressureição peculiar: a ressureição da recompensa, obtida pelos justos, enquanto os perversos permanecem nos seus túmulos. Tal ressureição está em estrita conexão com o reino de Cristo e o tempo de recompensa: Ap 11 :15-18; 20:4. O reino do Messias, ou aquele dos mil anos, é inserido pela porta da “primeira ressureição”. Todos que tem parte nele são abençoados e santos; reis e sacerdotes de Deus e de Cristo. Também o Salvador fala de uma ressureição somente para os filhos de Deus, os quais Ele considerar dignos de fazer parte: Lc 20:34-36.

Eis a nova esperança, que o conhecimento de Jesus como o Messias trouxe diante dos olhos do iluminado apóstolo! O Ungido terá companheiros na glória: Hb 1:9; 3:14. Paulo já havia sido justificado pela fé no Ungido de Deus, o que o qualificava para ser um corredor para alcançar o prêmio. Ninguém pode ser admitido como um candidato à recompensa, a não ser que tenha sido antes aceito pela fé no Amado. Mas a fé trouxe Paulo ao ponto de largada, e daí em diante, sua vida deveria ser impulsionada pela conquista da coroa.

A expressão – “para, de algum modo, alcançar” – subentende: (1) o extremo anseio do apóstolo; (2) seu senso de valor do alvo que vislumbrava; (3) a percepção da necessidade de esforço para realizar o objeto da sua busca.

Sofrimento e morte como mártir era como nada para sua mente divinamente iluminada, contanto que ele alcançasse “a primeira ressureição”, o reino de mil anos: Ap 20:4. A esperança, então, que impulsionava o grande apóstolo em todas as dificuldades e perigos, está diante de nós agora! Cristãos, busquem obter este prêmio com determinação. É a esperança do nosso chamado!

O zelo e esforço do apóstolo, em conjunto com a possibilidade implícita de perda, prova a verdade solene de que alguns dos justificados não vão obter este prêmio. Todos os justificados receberão vida eterna, mas nem todos vão participar do antegozo do milênio. Porque se diligência, determinação e atenção cuidadosa com as nossas palavras e obras é necessário para obter a recompensa, então o cristão morno e descuidado, mundano, avarento, amante dos prazeres e inconsistente, não o vai receber. Nos capítulos que se seguem, o leitor verá provas mais concretas e distintas desta surpreendente proposição.

Chegamos agora a uma posição muito diferente daquela que ocupávamos no princípio. Antes, era justificação como um dom de Deus sem obras, já possuída pelo simples cristão, pelos méritos de outro. Aqui, são as obras, esforços, sofrimento, com vistas a obter algo que não é nosso. Paulo já estava justificado de uma vez por todas, pela fé. A obra de Jesus foi perfeita. Ele não poderia, nem por um momento, adicionar nada à perfeição de Cristo. O prêmio, então, neste texto, é algo bem distinto da vida eterna. Começa com a fé no Messias e está intimamente conectado com a Sua segunda vinda. É o Seu reino prometido. Fé traz de uma vez por todas a vida eterna. Mas, para aquele instruído corretamente, fé é somente o começo de uma vida de esforço para alcançar a abundante entrada no reino de Deus. Por isso o Salvador falou sobre o reino: “o reino dos céus é tomado por esforço, e os que se esforçam se apoderam dele” [Mt 11:12]. Aqui não se trata do reino com seu poder, como anunciado pelos profetas Judeus, esmagando todos os outros reinos diante dele; mas era o objeto passivo, a cidade sitiada, que, para entrar nela, era necessário escalar seus muros. Jesus, o Rei desse futuro império, também Se apresenta com este mesmo aspecto duplo. Ele é agora a pedra passiva, sobre a qual devemos construir; sobre a qual o descrente cai e é feito em pedaços. Ele será futuramente a pedra ativa, vinda do céu, que, caindo sobre Seus inimigos, os reduzirá a pó [Mt 21:44].

“Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus. Irmãos, quanto a mim, não julgo havê-lo alcançado; mas uma coisa faço: esquecendo- me das coisas que para trás ficam e avançando para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (Fp 3:12-14).

A lição para o Cristão aqui está clara e é solene. Tão alta era a concepção que Paulo tinha sobre os requisitos demandados para aqueles que serão privilegiados com a entrada naquele reino, que, apesar de tudo o que havia dito, escrito, feito e sofrido por causa de Cristo, ele não se sentia seguro da sua esperança. E em qual ponto da sua vida ele estava quando escreveu essas coisas? Ele havia passado por diversas lutas e dores com perseverança, conforme mencionado em Atos dos Apóstolos, e agora era um prisioneiro em Roma por causa da sua fé, em perigo de morte por causa das maquinações dos inimigos. Mas se Paulo pensava assim a respeito de si mesmo, quem de nós pode se vangloriar de estar seguro? Este ainda deve ser o nosso alvo. Nossa vida depois de nos tornarmos cristãos, ou vai nos conduzir para este reino, ou vai nos afastar dele. Cada transgressão depõe contra esta posição; até que, se a provocação permanece, a paciência de Deus se dissipa e o direito de primogenitura é perdido. Ou, por outro lado, se o santo é consistente e diligente em seu curso de vida, com longanimidade o Altíssimo irrevogavelmente Se compromete em dar-lhe o objeto de sua busca. Os que obtém a promessa são “perfeitos”. Mas Paulo não pensava já haver recebido. Esta palavra “já” implica que ele estava no caminho certo, mas julgava ser suficiente apenas se, até ao final de sua vida, ele pudesse obter esta segurança.

Esta incerteza tinha um efeito positivo em sua mente e conduta. Fazia com que ele fosse mais diligente Ele se referia a si mesmo como um atleta, que tem diante de si um alvo a conquistar, o qual lhe garantiria o prêmio.

Este não era apenas um dos desejos de Paulo, mas era o seu único e legítimo objetivo. Era com vistas a isto que Cristo o havia conquistado. Antes ele havia vagueado longe de Deus. Ele havia se oposto ao conhecimento de Cristo. Ele se posicionou como aquele que arranca a fé pela raiz. Mas, na plenitude de sua inimizade e aversão do seu coração, Cristo o encontrou e o aprisionou. Esta foi a plenitude da graça divina! Mas o Senhor então o colocou em uma corrida por um prêmio. Observe o novo princípio da recompensa pela obra! Mas este era o desejo e o projeto de Deus apenas para Paulo? De modo nenhum. A respeito disso, todos os crentes são chamados de “irmãos” pelo apóstolo, conforme ele declara imediatamente. O prêmio, então, que Jesus propôs aos que creem, e pelo qual Ele incita a perseguir como obtenção do fim de suas conversões, é de ser um participante no reino milenar do Messias. 

Outros, ao que parece, julgavam o grande apóstolo como seguro do fim que ele havia proposto para si mesmo, ou melhor, que havia sido proposto para ele. Mas ele diz, não penso isso de mim mesmo. Assim, somos apresentados a um vislumbre de outra verdade, mais distintamente desvendada para nós em outro lugar [1 Co 4], que o julgamento dos santos a nosso respeito é uma questão comparativamente pequena; a questão real é: O que Cristo pensa de nós? Não são eles que irão distribuir a recompensa, mas somente Jesus o fará. Eles julgaram, comparando este devotado servo de Cristo com eles mesmos e com outros. Mas Paulo mediu a si mesmo por um padrão muito mais elevado. “Quem me julga é o Senhor” [1 Co 4:4].

Talvez também nessas palavras: “quanto a mim, não julgo havê-lo alcançado”, ele estivesse denunciando indiretamente a segurança de alguns dos santos de Filipos, como se eles estivessem certos do prêmio. Porque parece, por algumas indicações da epístola, que uma das poucas falhas dessa brilhante igreja, era que eles tinham uma opinião elevada de si mesmos.

Perseguir este grande prêmio era o único objetivo dele. “Mas uma coisa faço”. Grande excelência é estar comprometido apenas para direcionar nossa total energia para um único objetivo. Aqui temos o objetivo de Paulo. É nos mostrado misericordiosamente a fonte principal, o que movia seu coração, seus pés e sua língua. Esse único objetivo engolia todos os outros, e o tornou ainda mais zeloso, ainda avançando, no conhecimento e no amor de Cristo; sempre diligente no serviço, sempre consistente consigo mesmo. Observe o motivo que o conduziu perpetuamente a enfrentar os perigos de uma vida devotada à pregação do Evangelho! Não permitamos que tal revelação nos seja dada em vão. Vamos tomar o objetivo de Paulo – o objetivo estabelecido pelo Senhor Jesus para encher nossos corações como crentes; e isso deve apressar nossos passos nos Seus caminhos.

Ao invés de se firmar nos feitos de sua ousadia e no sucesso já obtido, ele esqueceu o passado. Longe de se apoiar nos seus louros de vitórias*, não considerava as coisas passadas. Enquanto tudo não estivesse sido cumprido, considerava que nada havia sido realizado, mas prosseguia em frente. O ávido corredor não se atrasa para olhar o quanto do curso foi completado, mas seus olhos estão no objetivo diante dele. Até que seja alcançado, não fará pausas para descanso [*uma coroa de louros, láurea ou coroa triunfal era uma distinção concedida a um general vitorioso que entrava na antiga Roma em triunfo apoteótico].

Apesar de carregar as cicatrizes dos bem lutados campos de batalha, ele, se liberado de sua presente prisão, não descansaria como um veterano reformado, de quem nada mais podia ser esperado. Não, ele se propõe a seguir em frente, disseminando o Evangelho da graça de Deus, sendo agora um participante de Suas aflições, para que possa ser participante da glória do Salvador no futuro. Ele havia sido liberto, de acordo com a esperança que expressa na epístola diante de nós. Ele se esforçou novamente, e foi outra vez preso. Ouvimos suas últimas palavras na segunda epístola de Timóteo. Mas então ele diz que se sentia seguro do prêmio. A meta havia acabado de ser conquistada. Ele estava prestes a render sua vida em martírio por Cristo; então expressa sua total convicção de que Cristo, quando Se assentar como o Justo Juiz, o premiaria com o objeto de seu tão constante e perseverante esforço.

“Quanto a mim, estou sendo já oferecido por libação, e o tempo da minha partida é chegado. Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele Dia; e não somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda”. II Tm 4:6-8.

Paulo estava impulsionado a prosseguir com vistas ao prêmio. Por isso, o que segue, é que o prêmio deve ser obtido como resultado de esforço, de busca inteligente, sofrimento por Cristo, avanço na graça. Este é o fim pelo qual Deus chamou o crente. Este é “o prêmio da soberana vocação de Deus”. O termo “soberana vocação” tem o mesmo significado de “vocação celestial” de Hb 3:1. Este é o chamado vindo das alturas por Deus para Ele mesmo no céu. Israel foi chamado na terra para as coisas da terra. Ser participantes do reino milenar de Cristo é a alegria de uma vida de obediência à vocação celestial. “Fostes chamados numa só esperança da vossa vocação;” e isso é tudo. Mas o Espírito Santo viu quão rapidamente o objetivo desta vida celestial seria obscurecido pelo desejo de conhecimento e fé dos Cristãos. Paulo ora então pelos santos de Efésios: “iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento” Ef 1:18, 4:1-4. Isto também é chamado de “vocação” ao “reino e glória” de Deus. Sobre isso o apóstolo desejava que “o nosso Deus vos torne dignos”: I Ts 2:12; II Ts 1:11, 2:14. O primeiro capítulo da segunda epístola de Pedro também nos ensina a procurar confirmar, com diligência, nossa vocação e eleição para o reino do nosso Senhor e Salvador, através de uma vida consistente e um avançar em graça.

Isto é a “vocação de Deus em Cristo Jesus”. Isto é, a vocação é endereçada àqueles que já estão em Cristo Jesus; que tem renunciado toda a esperança de vida eterna pelas suas próprias obras. A vocação é para os justificados, e somente para eles. Deus conduz à corrida e propõe o prêmio.

“Todos, pois, que somos adultos [perfeitos], tenhamos este sentimento; e, se, porventura, pensais doutro modo, também isto Deus vos esclarecerá. Todavia, andemos de acordo com o que já alcançamos. Irmãos, sede imitadores meus e observai os que andam segundo o modelo que tendes em nós” (Fp 3:15-17).

O sentimento acima evidencia que a esperança diante de nós é para preencher o coração dos crentes de forma generalizada. Não era apenas Paulo que havia sido conquistado por Cristo para perseguir este fim. A exortação, de manter esta esperança diante de si, é endereçada para todo aquele que é espiritualmente adulto.

O termo “perfeito” da nossa tradução quer dizer “adulto em Cristo”. Paulo havia dito logo antes que ele não pensava de si mesmo como “perfeito”. Quando então ele aqui fala a respeito de si mesmo e de outros como “perfeitos”, se refere a outro sentido, um termo não raro encontrado no Novo Testamento: Hebreus 5. O jovem crente é ocupado geralmente com as verdades concernentes a sua própria justificação e aceitação por Deus. Mas quando essas coisas são claramente vistas e firmemente retidas, nossa posição a respeito do reino vindouro e a necessidade de diligência para obtenção do prêmio, deveriam ter nossa atenção profundamente engajada.

“Todos, pois, que somos adultos”. Nem todos os irmãos, mesmo em Filipos, haviam alcançado este estágio. A igreja daquela cidade era de fato uma das mais florescentes daqueles brilhantes dias. Mesmo assim, até lá, havia diferenças de conhecimento e experiência espirituais. A igreja de Cristo é uma família, onde existem membros de todas as idades e níveis de graça. Mas tal era o estado geral daquela igreja, que Paulo poderia esperar encontrar muitos deles em um estágio de crescimento em que aquela exortação era apropriada. Para esses, então, ele descortina seu coração. Ele revela a eles o motivo maior que o impulsionou durante toda a sua carreira cristã e apostólica. Toda esperança de ganhar a vida eterna pelo cumprimento da lei em sua perfeição havia sido destruída. Aquela luz em sua mente, tanto não o deixaria negligente a respeito de suas obras daí por diante, assim como o conduziu a não pensar, nem por um momento, que elas eram a garantia de eternidade. Pelo contrário, ele viu a necessidade da incessante, saudável e ofegante energia para a entrada no reino e glória do nosso Mestre. Aqui encontramos a grande distinção entre a presente epístola e as epístolas aos Hebreus e aos Coríntios, onde o mesmo assunto é tratado. Lá ele usa, de fato, o mesmo motivo, mas como uma advertência para aqueles crentes que eram culpados por imoralidade, ou em perigo de retrocederem para a sombra do Judaísmo. Mas, na presente ocasião, a primeira ressureição é exibida como o objeto da esperança e busca dos crentes. Enquanto que muitos pensam que aqueles Cristãos que recebem as verdades a respeito do milênio dão atenção demasiada a isso, a passagem diante de nós mostra que, pelo contrário, eles ainda não deram suficiente proeminência a este assunto. “Todos, pois, que somos adultos, tenhamos este sentimento!”. “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas”.  

Para não haver contendas e divisões por causa das diferenças de luz e graça que existiam entre os crentes de Filipos, uma palavra foi adicionada para aqueles que não viram a presente verdade: “e, se, porventura, pensais doutro modo, também isto Deus vos esclarecerá”. Aquilo que era diferente, vindo de um apóstolo inspirado, é claro que iria pressupor que os dissidentes estariam errados. Mas, se eles buscassem diretamente da fonte de luz, instruções sobre aqueles pontos que divergiam, tanto em relação ao apóstolo como entre eles mesmos, a verdade e o engano seriam revelados para eles. Entretanto, diversidade de visões sempre será encontrada entre os crentes. Somos aqui ensinados sobre o caminho de onde eles deveriam ser tirados, e unidade de julgamento e de coração alcançada. “Como pode isso acontecer?” dizem algumas vezes aqueles que querem nos insultar, “apesar de vocês professarem ser instruídos em tudo pelo mesmo Espírito, vocês são tão divididos em opiniões e contendas?”. A resposta é muito simples. Desde que sejam ensinados pelo Espírito Santo, eles estarão em concordância. Suas diferenças se levantam da remanescência da ignorância e escuridão misturada com a luz obtida por cada um. Mas observem o remédio providenciado pelo próprio Deus para as diferenças! É perguntar a Ele, com uma mente sincera, qual a verdade que pode ser retida por nós; e qual é o engano que pode ser lançado fora de nós. Mas muitos não podem se permitir saber a verdade. Eles não deixariam o que é condenado, mesmo que fosse mostrado para eles que é um engano. E muitos acreditam nos argumentos e discussões, na liberdade de expressão, como a maneira de chegar à verdade. Mas todos que têm singeleza nos olhos podem orar em fé pelo iluminar de Deus, seja qual for o ponto de divergência, garantindo aquela unidade de julgamento e de sentimento na igreja, que é o desejo do coração do nosso Senhor: I Co 1:10.

Enquanto buscamos este fim, a unidade deve ser mantida, fundamentada sobre concordância em verdades já recebidas. “Todavia, andemos de acordo com o que já alcançamos”. Seja onde for o caso, seguramente podemos com ousadia aguardar a graciosa ajuda de Deus para corrigir erros e abrir nossas mentes para Sua luz. “Pois ao que tem se lhe dará, e terá em abundância” [Mt 13:21; 25:29].

O sentimento inspirado do texto se mantém de forma oposta ao engano pernicioso que se infiltrou na igreja logo após a morte dos apóstolos, o qual define que existem duas regras de vida reconhecidas por Deus: uma para o perfeito – que logo veio a ser representado pelos monges e freiras; e outra para o povo em geral. Mas, longe disso ser verdade, seja qual for a medida da realização de cada um, todos devem andar pela mesma regra e cultivar a unidade. Assim, nenhuma diferença de opinião em pontos secundários poderá efetuar divisões entre eles.

Sabendo o quanto o homem é influenciado pelo exemplo, o Espírito Santo em seguida toca na dupla força deste fato, exibindo uma classe de indivíduos sujeitos à imitação, e outra à reprovação. Paulo se oferece, assim como a outros de mesma opinião, como vivos exemplos de um modo de vida ajustado à obtenção do prêmio. Assim, novamente o erro frequente e muito pernicioso ao bem estar dos crentes é corrigido pela palavra da verdade. Muitos cristãos copiam o ocioso, o cobiçoso, o professor mundano, e pensam que estão a salvo. “Não são eles iguais ou até acima destes?”. Mas não há segurança. Temos que ter como nosso padrão o estilo mais alto de realização cristã. 

Na parte inicial do capítulo, onde a igreja deveria ser cautelosa contra visões não saudáveis sobre a grande questão a respeito da aceitação diante de Deus, a armadilha era a doutrina falsa. Mas nós estamos longe desses limites. Assim, uma nova armadilha aguardava os crentes daqueles dias. O falso exemplo poderia leva-los a um modo de vida que terminaria na sua exclusão do reino. E aqueles exemplos também poderiam ser encontrados onde não havia recusa da verdade de que Jesus estava vindo para reinar. Da mesma forma como acontece hoje: condutas terrenas, que não se encaixam com a vocação celestial, são muito frequentemente a armadilha usada pelo inimigo nos nossos dias.

“Pois muitos andam entre nós, dos quais, repetidas vezes, eu vos dizia e, agora, vos digo, até chorando, que são inimigos da cruz de Cristo”. (Fp 3:18).

À medida que o apóstolo alerta os cristãos desse mau exemplo que os conduziria a perdas futuras, parece que o auge de seus argumentos era exibir o caso dos crentes inconsistentes. E existem muitas coisas na natureza de sua conduta, como mostrado aqui, que encontram uma resposta nos originais vivos ao nosso redor. Mas, como a perseverança dos santos pressupõe que nenhum dos verdadeiramente fiéis em Cristo será finalmente perdido, suponho que esta passagem deva ser entendida como se referindo meramente às pessoas que professam a fé apenas com suas bocas.

Aqueles que agora estavam no alvo do apóstolo talvez fossem aqueles de quem ele falou, em termos gerais, na parte inicial da epístola, como seus perturbadores, por falarem de Cristo com intenções impuras, mesmo que isso acabasse por redundar em glória para Deus, com o objetivo de colocar sua vida em perigo.

Eles eram inimigos da cruz do Messias. Eles não recusariam Seu reino; mas rejeitavam totalmente o sofrer como o caminho para a coroa. Eles “se preocupam com as coisas terrenas”. Este é o crescente caráter do Cristão nominal do tempo presente. Eles cobiçam riquezas, procuram prazeres, estudam filosofia e obedecem aos seus ensinos ao invés das Escrituras; eles receberiam de bom grado as honras deste mundo. Eles estão tentando consertar o mundo para fazer nele seu ninho macio. Mas os olhos dos Cristãos devem estar no que é celestial. Devem estar mortos para as coisas deste mundo, mas vivos para as que são de cima. Este é o sinal da sua imersão nas águas em nome de Cristo.

“Pois a nossa pátria está nos céus, de onde também aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, o qual transformará o nosso corpo de humilhação, para ser igual ao corpo da sua glória, segundo a eficácia do poder que ele tem de até subordinar a si todas as coisas”. (Fp 3:20-21).

O verso 20 está conectado com o sujeito. Ele deve ter sido projetado como um contraste entre aqueles mencionados anteriormente, que buscam as coisas terrenas. Ou ele pode ser ligado ao verso 17, como um complemento da descrição dos Cristãos adultos: “Sede nossos imitadores; pois a nossa pátria está nos céus, onde está nossa esperança e pensamentos”.  Os versos 18 e 19 serão então como um parêntese. Esta é, no meu entendimento, a melhor forma de ver estes versos.

O Cristão, nas palavras acima, foi estabelecido para buscar a volta do Senhor Jesus, que é o tempo da ressureição do justo, e do reino. Assim, a conclusão do capítulo está dando base para o sujeito introduzido no centro. O Céu é o lugar onde Jesus está agora e Seu retorno é o tempo de transformação do nosso corpo, para encaixá-lo na bem-aventurança da imortalidade. Então as perguntas a seguir estão respondidas – “se nossa cidade está nas alturas, como chegaremos até lá?” Pelo retorno do Salvador Jesus. “Como nossos corpos poderiam suportar a glória dos lugares celestiais?” Eles deverão ser transformados pelo Seu grande poder, cujo agitar subjuga todas as coisas à obediência. 

O corpo que agora nós vestimos é lindamente chamado de “corpo da nossa humilhação”. Desde que o pecado entrou, o corpo tem sido alvo de vergonhas, dores, enfermidades, humilhado pelas necessidades da infância e idade velha, pelas mudanças das estações, e com o tempo se torna presa de vermes misturados na terra. Mas ele está destinado a se tornar conforme o corpo de glória de Jesus. “Então, os justos resplandecerão como o sol, no reino de seu Pai” [Mt 13:43]. Não a morte, então, mas o retorno de Cristo, e a transformação dos nossos corpos para a glória imortal, é a verdadeira esperança dos crentes. Assim, deixem que as necessidades dos nossos corpos, ao invés de nos derrubar para a terra e sua sombra, como é o caso dos homens do mundo, nos ensinem a olhar para o Salvador, cujo advento repentino e prometido, instantaneamente as removerão!

Esta é a esperança celestial, este é o divino conhecimento de Jesus, que deve suplantar a ciência dos homens na nossa mente e nos ensinar a viver sóbria, reta, e piedosamente, nesta presente era má.

Que possamos nos mover em obediência a isto!

Tradução do Capítulo “The Prize Of Our Calling” do livro “Entrance Into The Kingdom or Reward According to Works” (“Entrada para o Reino ou Recompensa de Acordo com as Obras”) de Robert Govett. Livro publicado pela Schoettle Publishing.

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