A crise e a cruz

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O artigo “A crise e a cruz” é uma tradução do capítulo 2 do livro “Face to Face“, de Jessie Penn-Lewis.

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Jessie Penn-Lewis (1851-1927)

“Pela fé, Moisés… recusou ser chamado filho da filha de Faraó, preferindo ser maltratado junto com o povo de Deus a usufruir prazeres transitórios do pecado; porquanto considerou o opróbrio de Cristo por maiores riquezas… porque contemplava o galardão” (Hb 11:24,25).

Leia o post anterior aqui.

Na plenitude do tempo de Deus na vida de Moisés aconteceu uma crise e, com base em sua decisão naquele momento, pode-se dizer que foi estabelecido o fundamento do relacionamento “face a face” com Deus, que mais tarde ele tanto desfrutou. Até esse ponto, Deus estava guiando Moisés de forma ainda inconsciente para ele. Talvez as memórias de sua infância estivessem dormentes em sua mente… seu caminho pode ter parecido meio nebuloso e sem nenhuma indicação da mudança que estava por vir, até que, se tornou necessário que Moisés começasse a cooperar de forma inteligente com o propósito de Deus.

Deus havia escolhido Moisés! Chegou o tempo em que Moisés deveria escolher a Deus. Não nos é dito como essa crise começou, sabemos apenas o resultado dela, e que o poder que o capacitou para tudo foi a fé – fé no Deus de sua mãe, porque Joquebede deve ter ensinado seu menino em Quem ela confiava. Essa fé derivou de uma calma e quieta consideração, porque nos é dito que ele “olhou além, contemplou o galardão”, ou “olhou para outro lado daquilo que estava diante de seus olhos” (Conybeare – tradução nossa). Ele foi levado a considerar sua posição à luz da eternidade e a fazer uma escolha entre viver em função do presente ou em função do ganho futuro.

Ele se encontrava rodeado por tudo que um coração desejaria. “Poderoso em palavras e obras” [At 7:22], ele era honrado e poderoso. A tradição declara que ele era um comandante de sucesso do exército Egípcio, e que foi apontado que ele não poderia ter dirigido um exército de israelitas, como fez, sem o domínio de habilidades militares avançadas. De qualquer maneira, um grande futuro estava diante dele como um filho adotivo da filha de Faraó. Entretanto, seus olhos foram abertos para ver o que estava “além” desse mundo presente: uma “recompensa”. Ele encarou isso tudo, calculou os custos, e fez sua escolha de viver pela eternidade e por Deus. Sua escolha envolveu uma grande recusa, uma grande perda no que diz respeito a esse mundo. Todos os “prazeres” e “tesouros” do Egito estavam ao alcance de suas mãos, mas seus olhos estavam no futuro, e isso o levou a entregar o ganho presente – ele “recusou ser chamado filho da filha de Faraó” [At 7:25].

Algumas dessas crises vem a cada um de nós, quando a visão celestial do alto, o chamado de Deus em Cristo Jesus chega até nós. Somos filhos do Rei celestial, mas como aconteceu com Moisés, estamos sob tutores e aios, até o tempo indicado pelo Pai. Fomos deixados pelo Senhor em circunstâncias e em arredores que parecem inteiramente deste mundo, enquanto que, mesmo sem que saibamos, Ele vem nos treinando, na mente e caráter, para um futuro serviço. Quando o tempo chega, como co-herdeiros com Cristo, devemos conhecer o nosso alto e santo chamado – a “soberana vocação de Deus em Cristo Jesus”- e deliberadamente devemos escolher o caminho da cruz, para que possamos ser aperfeiçoados como nosso Mestre, porque assim foi escrito Dele: “Embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu” (Hb 5:8). Somos “herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo; se com ele sofremos, também com ele seremos glorificados” (Rm 8:17).

Nos é dito claramente que foi pela “fé” que Moisés pode escolher “aflição” ao invés de “prazer”, “reprovação” ao invés de “riquezas”. “Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem” (Hb 11:1).

Infelizmente, quantas vezes temos que dizer dizer das muitas promessas de Deus a nós que “a palavra pregada não se aproveitou, visto não ter sido acompanhada pela fé” (Hb 4:2)? A Fé coloca à prova as afirmações de Deus e age sobre elas, e nessa ação encontra sua substância e realidade. Fé testa as coisas invisíveis, e as traz para a experiência real.

Isso foi extremamente real no caso de Moisés. Pela fé ele olhou além das coisas que estavam diante de seus olhos – ele deliberadamente escolheu recusar os “prazeres” e “tesouros” do presente. Ele foi conduzido, passo a passo, para longe das coisas visíveis, em direção à uma comunhão com o Deus invisível, do qual ele não tinha concepção quando fez sua escolha no Egito.

“Fé” é a chave para todos os tesouros de Deus. O evangelho é praticamente a declaração de Deus do que é o mundo espiritual. Fé é simplesmente crer na palavra de Deus, por mais que pareça contrária às coisas dos sentidos e da visão. Fé na afirmação de Deus a nós é provada pela ação. Nós agimos de acordo com o que Deus nos diz, Aquele no qual cremos e que precisamos necessariamente obedecer. Uma fé viva envolve ação, sem ação ela é considerada morta. Uma mera aceitação mental das verdades de Deus nunca trará substância às nossas vidas.

Mas não podemos nos esquecer que a fé, que é “provar as coisas que não se veem”, demanda uma direta comunicação com Deus. Muitas vezes as almas se afundaram neste ponto. Elas apoiaram sua fé sobre a palavra dita por outros, e não na palavra dita pelo Próprio Deus em Sua Palavra.

A fé, que pode agir assim como Moisés agiu, deve ter a palavra do Deus Vivo como sua base – a declaração do Deus Vivo dada em Sua Palavra escrita, mas pelo Espírito Santo aplicada como Sua palavra direta à cada um de nós. Quando Deus fala, Seus mandamentos são Sua capacitação. Pela fé gravada em nós por Deus, e pela certeza da recompensa de conhecê-lo “face a face”, poderemos também nos recusar a ser participantes deste mundo e também poderemos declarar plenamente que buscamos um lugar melhor, que é celestial, e também poderemos recusar os prazeres do pecado e da autoindulgência, e escolher o caminho da cruz. Nós também podemos segurar levemente os “tesouros” que outros se agarram ao peito, e considerar a reprovação que o mundo tem por Cristo como maior riqueza do que todos esses tesouros. Uma fé, que considera “reprovação” como “riquezas”, dará substância a essas contas, e iremos considerar leve nossa aflição, que vai operar muito mais para o eterno peso de glória que estará diante de nós.

Para Moisés, esses prazeres eram a corte do Egito – seus tesouros, companhias intelectuais, arredores cheios de cultura. Como o admiramos por sua entrega, e pensamos que nós também faríamos o mesmo!  Mas, o que dizer de nós mesmos? Estamos escolhendo o conforto ou o caminho da cruz? A trilha da facilidade ou o caminho do sacrifício? Estamos nos encolhendo diante do sofrimento ou escolhendo as aflições por amor de Cristo? Estamos nos comprometendo com o mundo ou nos recusando a nos identificarmos com ele? Estamos nos agarrando aos tesouros da terra ou provendo a nós mesmos bolsas que não desgastam e um tesouro no céu onde a traça não consome?

Como Moisés, que possamos deixar todas as coisas que estão diante de nossos olhos e buscar conhecer a face de Deus. Vamos nos determinar a, pela Sua graça, conhecer a Sua intimidade o máximo possível nessa terra?

Leia o início da série no post anterior.

Jessie Penn-Lewis (1851-1927) nasceu no País de Gales, em uma família metodista calvinista. Sempre teve uma constituição física frágil, estando constantemente muito doente. Penn-Lewis foi muito impactada pelo ministério de Evan H. Hopkins, quando lhe foi apresentado o caminho da vitória por meio da Cruz de Cristo. Ela tinha um forte encargo com a mensagem da identificação do crente com o Senhor na Cruz, para manifestar o poder de Sua morte e ressurreição. Sua contribuição foi grande no sentido de reavivar entre os crentes a verdade da vida interior e da mensagem da Cruz. Assim como Madame Guyon, Fénelon e outros místicos cristãos, ela enfatiza fortemente em seus escritos a necessidade de uma vida interior de oração e contemplação do Senhor Jesus, e uma experiência subjetiva da Cruz. 

Jessie Penn-Lewis era casada, mas não teve filhos. Apesar de enfrentar diversos períodos de severas enfermidades, ela ministrou sua mensagem em vários países como Índia, Canadá, Rússia e Egito, pregou na Convenção de Keswick, iniciou a publicação da revista The Overcomer (O Vencedor), e publicou livros e artigos sobre diversos assuntos. 

Penn-Lewis foi contemporânea de G. Campbell Morgan, F. B. Meyer, A.B. Simpson e T. Austin-Sparks. Em 1934, Watchman Nee afirmou que “durante os últimos anos, quase todas as mensagens comentadas entre os crentes espirituais têm sido ensinamentos de Jessie Penn-Lewis”.  

Para conhecer mais a respeito do encargo e mensagem de Jessie Penn-Lewis, é possível ler ainda hoje edições da Revista O Vencedor. Os livros “Guerra contra os Santos” e “A Cruz, o caminho para o reino” foram publicados no Brasil pela Editora dos Clássicos.

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