O poder da oração na experiência de Hudson Taylor

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O artigo “O poder da oração” é a tradução do capítulo 1 do livro “A Retrospect”, de Hudson Taylor”.

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Hudson Taylor (1832-1905)

“Recordar-te-ás de todo o caminho pelo qual o SENHOR, teu Deus, te guiou no deserto estes quarenta anos” (Deuteronômio 8:2).

O seguinte relato abrange algumas das experiências que eventualmente levaram à formação da Missão para o Interior da China – “China Inland Mission”, e a forma como foi desenvolvida. Ele foi publicado pela primeira vez nas páginas do livro “China’s Millions”. Muitos leitores pediram que fosse publicado separadamente. A Senhorita Guinness o incorporou na “História da Missão no Interior da China”, um registro que continha o relato da bondade de Deus até o início de 1894. Mas amigos ainda demandavam por um panfleto específico com esse conteúdo, para distribuição mais ampla, e por isso esta edição foi publicada.

Muito desse material foi originado de notas tomadas em nossas conferências de missionários na China, por isso pode ser percebido o tom direto e narrativo do conteúdo, que não considerei digno de alterações.

É sempre de grande ajuda focar nossa atenção no aspecto Divino de nossa obra cristã, e perceber que a obra de Deus não representa a obra do homem para Deus, mas sim a obra do próprio Deus por meio do homem. 

Além disso, em nossa posição privilegiada como Seus companheiros nessa obra, e ainda reconhecendo plenamente todos os benefícios e bênçãos a serem concedidos ao mundo assolado pelo pecado através da proclamação do Evangelho e divulgação da Verdade, nunca devemos perder de vista qual é o mais elevado aspecto de nossa obra: obediência a Deus, trazer glória ao Seu nome, alegrar o coração de nosso Deus e Pai por viver e servir como Seus filhos amados.

Muitos aspectos relacionados aos meus primeiros dias de vida e serviço a Deus me introduziram a esse aspecto da obra de forma muito vívida, e ao refletir a esse respeito, sou lembrado de como a causa das missões é devida à muitos que nunca tiveram a oportunidade de ver o campo missionário por si mesmos. Muitos não puderam entregar-se totalmente, e não ficarão pouco surpresos quando naquele Grandioso Dia vislumbrarem o quando da obra avançou por meio de seu amor, compaixão e orações. 

Falando de mim e da obra que Deus me permitiu fazer por Ele, tenho dívida indescritível aos meus amados e honrados pais, que já partiram para o Senhor e entraram no descanso, mas cujas vidas me influenciaram de forma permanente.

Muitos anos atrás, provavelmente em 1830, o coração de meu amado pai, um diligente e sincero evangelista em seu lar, foi profundamente tocado pela condição espiritual da China ao ler diversos livros a respeito, e especialmente pelos registros das viagens do Capitão Basil Hall. 

Suas circunstâncias eram tais que impediam de ter a esperança de algum dia poder ir à China para servir, mas ele foi levado a orar para que, se Deus lhe concedesse um filho, ele pudesse ser chamado e privilegiado para trabalhar naquele vasto império tão necessitado e que era então aparentemente fechado para a verdade. Eu não estava ciente desse desejo ou oração até meu retorno à Inglaterra, mais de sete anos depois de ter navegado para a China. No entanto, foi muito interessante saber como as orações oferecidas pelo meu pai a Deus antes de meu nascimento foram respondidas especificamente.

Toda a esperança de me tornar um missionário foi abandonado por muitos anos por meus queridos pais, devido a debilidade de minha saúde. Quando chegou a hora, porém, Deus me deu mais saúde, minha vida foi poupada, e forças me foram concedidas para um serviço extremamente cansativo, tanto no campo missionário quanto em casa, enquanto muitos homens e mulheres mais fortes que eu sucumbiram.

Tive muitas oportunidades, nos meus primeiros anos, de aprender sobre o valor da oração e da Palavra de Deus. Sempre deleite dos meus pais apontar que se havia um Ser como Deus, confiar nEle, obedecê-Lo e entregar-se totalmente à Seu serviço seria o melhor caminho para qualquer um de nós.

Mas apesar desses exemplos e preceitos tão úteis, meu coração permanecia o mesmo. Tentei por diversas vezes me tornar um Cristão; e falhei em todas as tentativas. Então cheguei a pensar que por alguma razão não poderia ser salvo, e que o melhor que poderia fazer era me fartar deste mundo, pois não havia esperança para mim além do túmulo.

Enquanto estava nesse estado de espírito, entrei em contato com pessoas com pontos de vista céticos e infiéis e aceitei seus ensinos, muito grato por receber alguma esperança de escapar da condenação que, se meus pais estivessem certos e a Bíblia fosse verdadeira, aguardava um  impenitente como eu. Pode parecer estranho dizer, mas já me senti muito grato por essa experiência temporária no ceticismo. 

As inconsistências dos cristãos, que professavam crer em suas Bíblias mas ainda se contentavam em viver como viveriam se tal livro não existisse, eram um dos argumentos mais fortes de meus companheiros céticos. Eu frequentemente sentia naquela época, e dizia, que se fingisse acreditar na Bíblia, tentaria então viver de acordo com ela, colocando-a jà prova, e se ela falhasse em se provar verdadeira e confiável, a jogaria no mar.

Continuei com essa visão quando agradou ao Senhor me atrair para Ele, e acredito que, desde então, tenho colocado a Palavra de Deus à prova. Certamente ela nunca falou. Nunca tive razões para me arrepender da confiança depositada em suas promessas, nem para lamentar seguir a orientação que recebi em suas instruções.

Deixe-me relatar como Deus respondeu as orações de minha amada mãe e minha querida irmã, hoje Mrs. Broomhall, em relação à minha conversão. Num dia que nunca esquecerei, quando tinha quinze anos, minha amada mãe estava ausente de casa, e tive um feriado. À tarde busquei na biblioteca do meu pai por algum livro para passar o tempo. Nada me atraiu, e me voltei para um cesto cheio de panfletos, selecionado dentre eles uma brochura do Evangelho que pareceu interessante, dizendo para mim mesmo: “haverá uma história no início, um sermão ou alguma lição moral no encerramento; então vou aproveitar o início e deixar o final para aqueles que o apreciam”.

Sentei-me para ler o livrinho em um estado de espírito totalmente despreocupado, acreditando de fato, na época, que se houvesse alguma salvação, não seria para mim. Tinha a intenção de guardar o folheto assim que parecesse prosaico. Posso dizer que não era incomum naquela época chamar a conversão de “tornar-se sério”; e a julgar pelos rostos de alguns que a professavam, parecia ser um assunto muito sério mesmo. Não seria bom se o povo de Deus sempre tivesse rostos reveladores, evidenciando as bênçãos e alegria da salvação tão claramente, de forma que os não convertidos chamassem a conversão de “se tornar alegre”, em vez de “tornar-se sério”? 

Pouco sabia naquele momento o que se passava no coração de minha querida mãe, à cerca de setenta milhas de distância. Ela se levantou da mesa de jantar naquela tarde com um profundo anseio pela conversão de seu menino, e sentindo que – distante de casa, e tendo mais tempo livre do que costumava desfrutar normalmente – havia sido concedida a ela uma oportunidade especial para pleitear diante de Deus a meu favor. Ela foi para seu quarto e trancou a porta, decidida a não sair dali até que suas orações fossem respondidas. Por horas a fio minha querida mãe orou por mim, até o ponto de não mais conseguir orar, por ter sido constrangida a louvar a Deus, pois Seu Espírito a trouxe confirmação de que sua oração havia sido respondida: a conversão de seu único filho.

Enquanto isso fui dirigido no caminho que acabei de mencionar ao tomar aquele folheto, e enquanto o lia fui impressionado com uma frase: “O obra consumada de Cristo”. Pensei: “Por que o autor usa essa expressão? Por que não dizer a expiação ou obra propiciatória de Cristo?”. Imediatamente as palavras do Senhor: “Está consumado” me vieram à mente. O que estava consumado? E repliquei para mim mesmo: “Uma plena e perfeita expiação e satisfação pelo pecado; a dívida paga pelo Substituto, Cristo, que morreu pelos nossos pecados, e não apenas pelos nossos, mas pelos do mundo inteiro”. Então pensei: “Se toda a obra foi consumada e toda a dívida paga, o que me resta fazer?”. 

E com isso nasceu a alegre convicção, quando a luz foi irradiada em minha alma pelo Espírito Santo, de que não havia nada no mundo a ser feito a não ser cair de joelhos e aceitar este Salvador e Sua salvação, para louvá-Lo por toda eternidade.

Assim, enquanto minha amada mãe estava louvando a Deus de joelhos em seu aposento, eu O louvava no antigo depósito para onde me recolhi para ler meu pequeno livro com tranquilidade. 

Vários dias se passaram antes que me aventurasse a compartilhar com minha querida irmã a minha confiante alegria, e só o fiz depois que ela prometeu não contar a ninguém o segredo de minha alma. Quando nossa querida mãe voltou para casa quinze dias depois, fui o primeiro a encontrá-la na porta e dizer-lhe que tinha boas notícias. 

Quase posso sentir seus braços em volta do meu pescoço, quando ela me apertou contra o peito e disse: “Eu sei, meu filho; estou me regozijando há duas semanas com as boas novas que você tem a me dizer.” “Por que,” perguntei surpreso, “Amelia quebrou sua promessa? Ela disse que não contaria a ninguém.” Minha querida mãe garantiu-me que não foi de nenhuma fonte humana que ela soube da notícia, e me relatou o pequeno incidente mencionado acima. Você deve concordar comigo que seria realmente estranho para mim não acreditar no poder da oração.

Isso não foi tudo. Algum tempo depois, tomei um bloco de notas exatamente igual o meu e o abri. Aquele era o diário de minha irmã, e algumas linhas ali registradas capturaram minha atenção. Ali ela registrou seu desejo de se entregar à oração diariamente pela conversão de seu irmão. Exatamente um mês depois desse registro, Deus se agradou de me trazer das trevas para a luz.

Criado em um círculo como esse e salvo sob tais circunstâncias, talvez fosse natural que desde o início de minha vida cristã eu fosse levado a sentir que as promessas de Deus eram muito reais, e que a oração era de fato, uma interação viva com o Senhor, seja a favor de si mesmo ou em nome daqueles por quem buscamos Sua bênção.


James Hudson Taylor (1832-1905) foi um médico inglês grandemente usado pelo Senhor para disseminar o Evangelho no interior da China. Seu grande segredo era cultivar o hábito simples de buscar constantemente o Senhor para o suprimento de todas as suas necessidades temporais e espirituais.

Seu filho Howard Taylor escreve em sua biografia que, apesar de sua pequena estatura e limitações físicas que o deixava com pouca energia, Hudson Taylor era um médico muito eficiente e um homem muito ativo em suas tarefas cotidianas – sabia cuidar de um bebê, preparar refeições, cuidar das finanças e consolar doentes e aflitos – tudo isso com a mesma segurança que se lançava em grandes empreendimentos. Ele foi um pai de família, com grandes responsabilidades e era um homem muito prático, vivendo uma vida que sofria constantes mudanças.

Acima de tudo, Taylor soube pôr as promessas de Deus à prova, atestando que era possível viver uma vida espiritual íntegra, em um nível muito elevado. Dezenas de milhares de almas foram ganhas para Cristo em muitas províncias chinesas que, até então, nunca tinham sequer conhecido um missionário. Cerca de mil e duzentos homens e mulheres trabalhavam em sua Missão para o Interior da China, dependendo somente de Deus para suprir todas as suas necessidades, pois viviam sem compromisso fixo de salário. Ele andava com Deus numa progressão contínua.

“Nunca fiz um sacrifício”, disse Hudson Taylor, recordando sua vida. De fato, se conhecermos seu testemunho, descobriremos que esse foi um elemento marcante em toda a sua trajetória. No entanto, Taylor entedia que as compensações de cada renúncia eram reais e duradouras, e que quando tratamos com Deus “de coração para coração”, negar-se a si mesmo sempre significa RECEBER.

Seu livro “Cântico dos Cânticos – União e comunhão pessoal com Cristo” retrata muito o seu coração, e foi um maravilhoso legado deixado pelo Senhor para a Igreja. 

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3 Comentários. Deixe novo

  • Rodrigo Bento
    2 de maio de 2021 07:59

    Hoje acordei é uma frase me veio a cabeça, que “Taylor não nunca viu o sol nascer sem que estivesse de joelhos dobrados em oração,” que o Senhor me levante em oração como a esse homem.

    Responder
  • Aleluias!!! Que testemunho maravilhoso!!!
    Fortaleceu-me…como mãe!! É desafiador criar, conduzir, pastorear o coração dos filhos. Afinal os filhos SÃO do Senhor!! A herança do Senhor!!
    Fui animada, encorajada, fortalecida, edificada!!
    Nao têm alegria maior em saber que os filhos andam na Verdade…não há mesmo!!
    Muito obrigada queridos e mui preciosos irmãos por repartirem do q têm!! Glórias a Deus!!

    Responder
  • Rute Ferreira Mafra
    30 de setembro de 2023 20:50

    Maravilhoso

    Responder

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