Stephen Kaung (1915–) e Watchman Nee (1903-1972)
“Estas coisas lhes sobrevieram como exemplos e foram escritas para advertência nossa, de nós outros sobre quem os fins dos séculos têm chegado. Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia” (1 Coríntios 10:11,12).
Na mensagem anterior, vimos como mesmo após o juízo de Deus, a maioria do povo judeu ainda vivia para si mesmo. Por isso, a maioria deles não voltou para Jerusalém, para a restauração do testemunho de Deus. Também vimos como eles enfrentaram oposição e foram encorajados para continuar a obra, que foi paralisada temporariamente. Apesar da casa de Deus parecer tão pequena, se comparada à edificada por Salomão, o que importava era agradar o coração de Deus.
Tomando exemplos da própria Palavra de Deus, que existem para nossa instrução e advertência, podemos aprender 3 princípios fundamentais relacionados ao processo de restauração:
- A Necessidade de uma Revelação do Propósito Eterno de Deus
- A Vontade e o Tempo de Deus;
- A Obra deve ser feita Mediante o Poder de Deus
Nesta segunda mensagem, falaremos do primeiro princípio:
A Necessidade de Uma Revelação do Propósito Eterno de Deus
No processo de restauração do testemunho do Senhor, a primeira necessidade vital é de uma revelação verdadeira nos nossos corações do propósito eterno de Deus. Não podemos sobreviver sem isto. Se estou trabalhando numa edificação, ainda que seja um operário não-qualificado, preciso saber se o objetivo é construir uma garagem, um hangar de avião ou um palácio. (NEE, 1994).
Da mesma forma, a questão a que nos cabe é a identificação do meu propósito com o propósito eterno de Deus. Toda obra cristã que não se identifica com o propósito de Deus é fragmentária, não mantém relação com Deus, e jamais chegará a lugar algum. Devemos buscar em Deus a revelação para nosso coração, mediante seu Espírito Santo, do “mistério da Sua vontade, segundo o seu beneplácito” (veja Efésios 1:9-12). Depois, devemos perguntar a nós mesmos: “Isso se relaciona com o reino de Deus?” Tendo isso estabelecido, todas as pequenas questões da orientação Divina diária se resolverão por si mesmas. (NEE, 1994).
A Pequena Casa e o Propósito de Deus
“Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo… me mostrou a santa cidade, Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, a qual tem a glória de Deus” (Apocalipse 21:2;10,11).
O que vemos quando contemplamos a nova Jerusalém? Não é verdade que a última glória da casa é maior do que a primeira? Acaso se pode comparar a glória da casa construída por Salomão com a glória encontrada na Nova Jerusalém? De fato, não há comparação. Não há comparação nem mesmo com a igreja gloriosa que Cristo está edificando hoje. Ele não constrói com pedras mortas, nem com materiais como ouro, prata e pedras preciosas, mas sim com pedras vivas. Ele vai apresentar a Si mesmo uma igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante. Pode haver comparação? Sem dúvida, a última glória da casa é maior do que a primeira. (KAUNG, 1983).
Mesmo sendo pequena, essa casa reconstruída pelo remanescente está de acordo com a vontade de Deus. Ela faz parte do processo através do qual a Nova Jerusalém será terminada. Quando essa casa está de acordo com a vontade de Deus, participando do processo rumo ao cumprimento da Sua vontade, então Ele a reconhece como sendo Sua. Deus diz: “Esta é a minha casa”. Se Deus reconhece essa casa como Sua, já não importa mais se a consideramos grande ou pequena. (KAUNG, 1983).
“Não é a aparência exterior o que realmente importa. Não devemos nos importar com pequenez ou grandiosidade exteriores. Aquilo que realmente importa é: “Você está na vontade de Deus? Acaso o trabalho de suas mãos é parte do desenvolvimento da obra de Deus rumo à Nova Jerusalém?” Se sua resposta for positiva, graças a Deus por isso”. (KAUNG, 1983).
Este princípio é algo que precisamos conhecer. Ele ainda é aplicável a nós hoje em dia. O homem caído busca naturalmente por algo grande e espetacular. Nós achamos que se algo é grande, espetacular e considerado um sucesso, então isso é algo que Deus certamente abençoou. De fato, nós percebemos muito orgulho do nosso ego nessas coisas. Isso é algo natural (KAUNG, 1983).
Estamos Alinhados com a Vontade de Deus?
“Não atentes para a sua aparência, nem para a sua altura, porque o rejeitei; porque o Senhor não vê como vê o homem. O homem vê o exterior, porém o Senhor, o coração” (1 Samuel 16:7).
“Segundo a graça de Deus que me foi dada, lancei o fundamento como prudente construtor; e outro edifica sobre ele. Porém cada um veja como edifica” (1 Coríntios 3:10).
Em 1 Coríntios 3, Paulo se compara a um “prudente construtor”. Ele não está dizendo que era um arquiteto, mas sim um mestre de obras. O arquiteto é o próprio Deus, e Ele lança o fundamento. Paulo nos diz que não podemos lançar nenhum outro fundamento a não ser aquele que é Cristo Jesus. Cristo Jesus é o único fundamento, mas depois que o fundamento é lançado, tenha cuidado com aquilo que você edifica sobre ele. Algumas pessoas edificam sobre o fundamento usando ouro, prata e pedras preciosas, e outros edificam sobre ele com madeira, feno e palha. Você percebe a diferença? (KAUNG, 1983).
Usando madeira, feno e palha, você pode construir uma grande casa. Isso é possível porque não vai custar muito dinheiro. Entretanto, se você quiser construir com ouro, prata e pedras preciosas, quão grande será a casa que você poderá construir? Ela custará muito caro. A madeira representa a natureza do homem. Um homem de pé é como uma árvore, e por isso a Bíblia sempre usa a madeira para representar a natureza do homem [Dn 4:20-22]. O feno nos fala da glória do homem. Em 1 Pedro 1:24 lemos que toda carne é como a erva, e a glória do homem é como a flor da erva. Seca-se a erva e cai a sua flor, mas a palavra de Deus permanece eternamente. A palha nos fala da obra do homem, porque os homens usavam palha na mistura para fazer tijolos [Gn 5:7] (KAUNG, 1983).
Se alguma coisa é obra do homem, se é para a glória do homem ou se é o próprio homem que a está fazendo, então você pode fazer algo grande e espetacular. Contudo, espere até que o fogo apareça. Nesse momento, sua obra será provada. Você vai aprender que madeira, feno e palha são materiais apropriados como combustível para o fogo. Eles serão totalmente consumidos. Certamente você será salvo, pois o fundamento não pode ser queimado. O fundamento é Cristo. Mas você será salvo por um triz. Contudo, olhe para o ouro, a prata e as pedras preciosas. O ouro é a natureza de Deus; a prata é a redenção de Cristo e as pedras preciosas são a obra do Espírito Santo. Estes materiais são caros. No tribunal de Cristo, você vai notar que o fogo os faz incandescer e manifestar sua glória. O julgamento vai manifestar a glória do ouro, da prata e das pedras preciosas (KAUNG, 1983).
“Você não acha que precisamos ter nosso conceito corrigido? Estamos sempre buscando algo grande e espetacular e consideramos que isso é sucesso, que é benção de Deus e que Deus tem que estar ali. No entanto, isso não é necessariamente verdade. Ao invés disso, penso que devemos estar preocupados com a seguinte pergunta: estamos na vontade de Deus? A obra na qual estamos envolvidos é parte do desenvolvimento da obra de Deus rumo à concretização de Seu propósito? Se for assim, então Deus reconhece essa obra como Sua e isso é tudo que importa”. (KAUNG, 1983).
Segundo nossa natureza humana, nós sempre julgamos as coisas pela aparência externa. Contudo, esperemos e vejamos como Deus vê. Isso não quer dizer que Deus não possa estar presente em algo que seja grande. Não estou afirmando tal coisa. Entretanto, a verdade é que a satisfação divina não está relacionada a algo ser grande ou pequeno. Isso não importa. Não olhe para isso, não avalie através desse critério, mas veja como Deus vê, fazendo a seguinte pergunta: isso é a vontade de Deus? Será que você está alinhado com o trabalho de Deus rumo a Seu propósito? Isso é o que importa. Este é um princípio importante, e penso que precisamos aplica-lo vez após vez. (KAUNG, 1983).
Um Cristianismo bem Maior do que Pensamos
“Ouvi: Eis que saiu o semeador a semear. E, ao semear, uma parte caiu à beira do caminho, e vieram as aves e a comeram. Outra caiu em solo rochoso, onde a terra era pouca, e logo nasceu, visto não ser profunda a terra. Saindo, porém, o sol, a queimou; e, porque não tinha raiz, secou-se. Outra parte caiu entre os espinhos; e os espinhos cresceram e a sufocaram, e não deu fruto. Outra, enfim, caiu em boa terra e deu fruto, que vingou e cresceu, produzindo a trinta, a sessenta e a cem por um. E acrescentou: Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (Marcos 4:3-9).
Irmãos, olhemos para a história da igreja. Certa vez o Senhor apareceu para quinhentas pessoas. Pense nisso: o Senhor trabalhou por três anos e meio, e após sua ressurreição, o maior número de pessoas reunidas para o qual Ele aparece foi de quinhentas. Não parece trágico? Naquela ocasião, Ele disse aos quinhentos que retornassem a Jerusalém e esperassem lá até receberem poder do alto. Após isso, o Senhor disse que eles poderiam ser suas testemunhas em Jerusalém, na Judéia, Samaria e até os confins da terra. Contudo, somente cento e vinte ouviram ao Senhor. Eles viram a ascensão do Senhor, contudo muitos não creram nEle e não O obedeceram. Somente cento e vinte permaneceram naquele cenáculo por dez dias, orando em unanimidade. No dia de Pentecostes, o Espírito Santo veio e eles foram batizados em um Espírito num só corpo. Este foi o começo da igreja. (KAUNG, 1983).
É verdade que foi de três mil o acréscimo naquele único dia. É também verdade que, num período de trinta anos, o evangelho foi pregado desde Jerusalém, pela Judéia e Samaria e até os confins da terra. Quando lemos o capítulo 28 de Atos, encontramos Paulo em Roma, numa casa que alugara, e sabemos que Roma era o fim do mundo conhecido na época. Entretanto, você sabia que mesmo antes do fim do primeiro século, a decadência já tinha começado na igreja? Nesse momento, a heresia e a corrupção estavam penetrando nela. Temos as sete cartas escritas pelo apóstolo João, ou melhor, pelo Senhor ressurreto, através do apóstolo João, às sete igrejas da Ásia (Apocalipse 2 e 3). O que encontramos nessas cartas? Exceto por uma igreja (a de Filadélfia), o testemunho de Jesus não estava sendo mantido. (KAUNG, 1983).
Depois que o imperador Constantino aceitou o cristianismo, ocorreu uma mudança importante: o cristianismo inchou e tornou-se muito grande e poderoso. (KAUNG, 1983).
Se lermos o capítulo 13 de Mateus, ali encontramos um grão de mostarda que representa a fé. Nossa fé é como uma semente de mostarda: como há vida nela, haverá crescimento. Quando ela cresce, deve se tornar um arbusto, uma planta humilde. Este é o projeto e propósito determinado por Deus para nós individualmente e para a igreja. Entretanto, vemos na parábola que o grão de mostarda cresceu a ponto de tornar-se não um arbusto, mas uma grande árvore. A semente tornou-se algo anormal. Então as aves vieram e aninharam-se nessa árvore. A primeira e básica parábola de Mateus 13 (a parábola do semeador) nos ensina que as “aves” dizem respeito ao maligno. O propósito de Deus deveria manter a igreja humilde como uma planta: viva, mas humilde. Todavia, você descobre que o homem surge em cena e opera de forma a inflar a igreja, tornando-a anormalmente grande. Nós queremos uma instituição grande e forte; contudo, ela se torna um ninho para os filhos do maligno. Todo tipo de corrupção entra nela. Em Mateus, esta parábola é seguida por outra que apresenta três medidas de farinha misturadas com fermento. O fermento sempre nos fala da conduta corrupta ou doutrina corrupta. A medida de farinha deveria ser uma oferta de manjares a Deus, mas agora está toda levedada. Ela satisfaz o gosto do homem, mas não pode mais ser oferecida a Deus, pois foi misturada com fermento. É isso que o cristianismo é hoje em dia: algo grande. (KAUNG, 1983).
Deus Ama o Fraco
“Um irmão entregará à morte outro irmão… Sereis odiados de todos por causa do meu nome; aquele, porém, que perseverar até ao fim, esse será salvo” (Mateus 10:21,22).
“Eles vos expulsarão das sinagogas; mas vem a hora em que todo o que vos matar julgará com isso tributar culto a Deus” (João 16:2).
Ainda em Mateus 13, nos é dito que o reino dos céus é como uma pérola, ou como um tesouro escondido. Quão grande pode ser uma pérola? Quão grande pode ser um tesouro? Ambos são pequenos e ocultos, mas é nisso que se encontra a realidade espiritual. (KAUNG, 1983).
Se lermos a história da igreja, veremos que, entre os séculos IV e VI, a igreja começou a tornar-se maior do que aquilo que Deus planejara para ela. Nesse momento, o sistema Católico Romano estabeleceu-se com firmeza. Tal fato deu início à Idade das Trevas. Até o século XVI havia mais superstição do que fé. Naquele período, Deus levantou reformadores para purificar Sua igreja. Contudo, ocorreu um problema: logo depois do avivamento, o homem surgiu para organizar a igreja de novo e fazê-la grande. Por causa disso, Deus teve que iniciar outro avivamento. (KAUNG, 1983).
Mesmo no tempo da Reforma, coisas desse tipo aconteceram. Recentemente, a história dos Anabatistas foi desvendada. No passado, quando você lia sobre a história da igreja, os Anabatistas eram classificados como hereges. Eles não eram perseguidos apenas pela igreja romana, mas também pela própria igreja protestante, pois criam no batismo por imersão. Então seus inimigos disseram: “Está bem, vocês querem ser batizados por imersão; nós vamos colocar uma pedra amarrada em seus pescoços e jogar vocês na água, para serem batizados”. Desse modo, milhares foram afogados – homens, mulheres e crianças – pelas igrejas nacionais e protestantes (KAUNG, 1983).
Se você ler a história da igreja, você verá que Deus não está no grande. Ele está no pequeno. Quem sustentou o testemunho de Jesus foi o remanescente, os vencedores, aqueles que não foram perseguidos pelo mundo ímpio, mas pelo mundo cristão. Não seja enganado pelas aparências externas e, ao mesmo tempo, assegure-se de estar andando na vontade de Deus. É somente isso que importa. (KAUNG, 1983).
A Obra de Deus deve Ser Concebida por Ele
Um grande teste para sabermos se a obra está de fato atrelada ao propósito de Deus é nos perguntarmos se ela foi concebida por Ele. Se nós planejamos a obra e depois pedimos a Deus que a abençoe, não devemos esperar que Deus se comprometa com nosso trabalho. O nome de Deus jamais estará num “carimbo de borracha”, que nos autoriza a realizar um trabalho cuja concepção é nossa. É verdade que pode haver alguma bênção sobre esse trabalho, mas será parcial, jamais completa. Nele não existe a expressão “em nome de Jesus”. Que tragédia, só haverá o nosso nome! (NEE, 1994).
“O Filho por si mesmo não pode fazer coisa alguma“. Quão frequentemente no livro de Atos encontramos algumas proibições do Espírito Santo! Lemos no capítulo 16 que Paulo e seus companheiros “foram impedidos pelo Espírito Santo de anunciar a palavra na Ásia“. E de novo: “Mas o Espírito de Jesus não lho permitiu“. Entretanto, este é o livro dos atos do Espírito Santo, não é o livro de Suas “inatividades”. Com demasiada frequência, julgamos que fazer coisas é o que importa. Temos de aprender a lição do “não faça”. A lição do ficar quieto na presença de Deus. Devemos aprender que se Deus não se move, nós não devemos nos mover. Quando aprendermos isso, então o Senhor poderá usar-nos com segurança em Sua obra, para falarmos em Seu nome. (NEE, 1994).
Preciso ter, portanto, certo conhecimento da vontade de Deus na minha particular esfera de trabalho. O trabalho só deve ser iniciado a partir desse conhecimento. A norma permanente de toda obra verdadeira de Deus é esta: “No princípio Deus…” [Gn 1:1]. (NEE, 1994).
Continue lendo no próximo post.
Citações de trechos dos livros “O Dia das Pequenas Coisas”, de Stephen Kaung, publicado pela ALC – Associação de Literatura Cristã (esgotado) e “As Três Atitudes do Crente” (capítulo 3), de Watchman Nee, publicado pela Editora Vida (esgotado).