A Cruz na Vida de Elias – Parte 1

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Harry Foster

“Levando sempre no corpo o morrer de Jesus, para que também a sua vida se manifeste em nosso corpo” (2 Coríntios 4:10).

Leitura: 1 Rs 17:1; 18:10; 19:1-4; 21:20,21; 22:34-35,37-38. 2 Rs 1:8,9, 2:11; 9:30,33,36.

Espero que os versos selecionados, dentre diversos capítulos dos dois livros de Reis, cubram as principais características da vida de Elias e seu ministério. Uma característica desse ministério, na linguagem do Novo Testamento, seria de uma vida sendo sempre entregue à morte, para que aquela vida – a vida de Cristo – pudesse ser manifestada em nós.

A Sentença de Morte

Se fôssemos perguntados sobre quais foram as principais características da vida de Elias, possivelmente a resposta imediata e óbvia seria: “O Poder de Deus”. Dentre todos os profetas, ele, de alguma forma, expressa algo do enorme e tremendo poder de Deus. Poderíamos também falar da ousadia e zelo que foram tão claros e fortemente vistos em sua vida. Isso foi bem verdade. Entretanto, apesar de Elias, dentre todos os profetas, nos remeter ao poder de Deus, também não é insignificante que nenhum outro profeta tenha sido tão ameaçado de morte quanto ele foi. Foi um abrir de olhos perceber que uma das grandes marcas da vida desse homem foi o que nós, na linguagem do Novo Testamento, chamamos de Cruz; ou talvez poderíamos dizer que ele foi continuamente entregue à morte durante sua vida.

É claro que quando os tempos se mostram como eram naquela ocasião, a morte está em todo lugar ameaçando o povo de Deus. Não é leve nem fácil viver para Deus em meio a um mundo como o nosso, onde os profetas do Senhor são perseguidos, caçados e mortos por Jezabel. Acredito que algumas vezes Elias parou e disse para si mesmo: ‘Bem, quem sou eu para que minha vida seja caçada assim?‘ Lemos que Acabe não mediu esforços nem recursos, caçando-o em cada terra vizinha, fazendo os governantes dessas terras jurarem que não sabiam de seu paradeiro. Lemos as palavras fortes de Jezabel, que fez um juramento terrível para tirar sua vida. Lemos como Acazias uma, duas e três vezes enviou capitães, com seus cinquenta soldados para fazer Elias descer até o rei, para derrota deles. Então enviou outros cinquenta homens, e quanto eles não retornaram, outros cinquenta. Certamente começamos a perceber que cada mão parecia estar voltada contra Elias. De maneira peculiar e concentrada, sua vida era caçada.

É claro, isso é apenas o outro lado da experiência do homem que tem um coração ardendo em zelo pelo Senhor. Essas duas coisas andam juntas. Não é uma contradição. Elias era sempre caçado por essa razão simples. Não aconteceu porque ele era alguém em si mesmo, mas porque permaneceu num caminho franco, sincero e intransigente pelo Senhor. Isso, caros amigos, representa um constante assalto da morte.

É óbvio que isso não foi uma questão teológica para Elias, como também não foi para Paulo, apesar de sua frase em 2 Coríntios ter sido tomada e tornada base de arrazoamentos teológicos a respeito de nossa crucificação com Cristo e de como somos entregues à morte. O Apóstolo conhecia essas coisas por vivencia-las diariamente, da maneira mais prática, por caminhos extremamente dolorosos. Aquilo não era uma teologia, mas experiência. Elias também não estava lutando com a morte de forma vaga ou visionária, mas nas circunstâncias mais práticas da vida diária. Ele estava sempre sendo caçado. Por quê? Porque ele permaneceu com o Senhor.

Imagino que talvez o problema com alguns de nós seja esse: enquanto que em nossos corações temos ansiado por sermos consumidos por um zelo pelo Senhor, oramos e incessantemente desejamos conhecer o poder de Deus, quando essa questão prática surge, como sempre acontece, descobrimos que esse caminho, em vez de ser de conquistas entusiásticas, é o de ter a vida caçada. É um caminho de sofrimento, humilhação e provas. Talvez tenhamos nos afastado dele, dizendo: ‘não, não desejo esse caminho! Esse não pode ser o caminho!’.

Vamos observar novamente que, mesmo no caso de Elias, que na mente de muitos dentre o povo de Deus permanece como um grande exemplo de um homem cheio de poder, seu próprio senso pessoal não era esse, e ele não achava que estava se dando muito bem, fazendo a obra do Senhor, mas estava sendo caçado, tendo que lutar por sua vida. Que isso possa nos encorajar ou nos reprovar, à medida que tivermos ou não o coração que ama o Senhor e escolhe tudo por Ele.

Elias também sofreu em consequência das suas próprias orações. Inicialmente ele foi até Acabe e anunciou que não haveria chuva. Mas o Novo Testamento (na Epístola de Tiago) nos diz que algo tinha acontecido antes disso, no secreto. Elias orou quando estava a sós com Deus. Como consequência, ele estava chegando bem perto de passar fome, sendo alimentado perto da torrente [de Querite] e, quando esta se secou, ele precisou fazer aquela jornada até a viúva [de Sarepta] para se alimentar de seu último punhado de farinha. Tudo isso representando a morte o ameaçando: a amarga e forte perseguição de Acabe, a ameaça contra sua vida em todas as direções, e então a ameaça de Jezabel, tudo aquilo foi resultado de sua oração. Se Elias nunca tivesse orado daquela maneira, nunca teria se precipitado para dentro daquelas circunstâncias. Isso nos dá, talvez, uma nova ideia da oração.

Quantas vezes temos orado pela vontade de Deus, pela Sua glória, e como aconteceu com Elias, temos um desejo de ver o nome do Senhor honrado, ardendo em nossos corações, mas em todo o tempo, há a expectativa em nossas orações de que, de alguma maneira, na hora de Deus, nós também recebamos honra, e que na resposta de nossas orações, nós também tenhamos um momento agradável. Porque, é claro, se nossas orações foram respondidas, será muito maravilhoso e glorioso, e iremos nos alegrar!

Bem, a oração de Elias foi respondida, e isso significou que, por três anos e meio, ele teve que correr para salvar sua vida. Mas, o motivo real dessa oração era totalmente focado na glória de Deus. Esse era genuinamente o desejo do fundo do coração de Elias, e certamente havia nele um pouco de visão do futuro e ele devia saber que estaria envolvido em tudo isso. Ele devia saber o preço. Ele deve ter percebido alguma coisa a respeito do quanto isso custaria, e que pessoalmente teria que pagar, se suas orações fossem respondidas. Bem, esse é o caminho de tal oração. É no caminho de ser entregue à morte que a oração será respondida; e não de apenas ter algum sentimento de dor enquanto se ora, não é assim! O caminho é de uma experiência muito prática e desconfortável do sofrimento da morte, enquanto o Senhor está respondendo a oração.

Sinto que talvez a maioria de nós está em perigo de tornar nossa comunhão com Cristo nos Seus sofrimentos, e toda a questão do conhecimento da Cruz, como um sentimento vago dentro de nós, em vez de perceber que isso opera por meio das coisas muito práticas das circunstâncias diárias de nossa vida. É exatamente aí que nos recusamos a seguir em frente. ‘Não pode ser assim, Senhor!‘ Nós anulamos o sentido pleno da oração porque, quando o Senhor começa, logo que Ele inicia Sua obra de responder nossa oração, algo nos atinge, nos corta, fere, e então damos meia volta e dizemos: ‘não pode ser assim, Senhor!’. Elias foi um homem que orou, e porque orou, ele conheceu experiências constantes de ser entregue à morte.

Ao ler a respeito da grande e maravilhosa exibição do poder divino no Monte Carmelo, a ameaça que veio de Jezabel logo a seguir, Elias tendo que fugir pela sua vida, encaramos aquela cena estranha e dolorosa, quando, sozinho, afastado no deserto, ele pede que o Senhor tire sua vida. Vemos que tudo se aprofunda à medida que seguimos em frente. Tudo passa mais do exterior para o interior. Muito é dito sobre Elias ter perdido sua fé e ter ficado temeroso por causa de uma mulher. Mas, qualquer um que tem uma medida de vida de comunhão como Elias teve, saberá que ele não estava nem um pouco preocupado se Jezabel o mataria ou não. Ali ele revela a verdadeira agonia de seu coração em sua oração ao Senhor: “Não sou melhor do que meus pais”. Elias não foi o primeiro profeta, houve outros. Eles também se atiraram na brecha e tentaram reverter a maré, tentaram trazer o povo de volta para Deus, mas falharam. Tão longe quanto se pode ver, um a um, eles falharam.

Mas Elias, de uma profunda experiência, viu a mão de Deus em grande poder e ouviu o clamor do povo: “O Senhor é Deus!”. Seu coração saltou em alegre expectativa de que algo realmente tinha acontecido nos corações do povo de Deus. Mas quando Jezabel ainda continuou em seu lugar, e ainda estava numa posição de impor sua vontade, Elias soube que nada vital tinha ocorrido.

Assim, no desapontamento com tudo, na tristeza do coração que, depois de toda a grande cena do Monte Carmelo, temia que aquilo tudo tivesse sido apenas uma onda superficial de emoção do povo, que não os trouxesse de volta para o Deus que ele buscava e contemplava, naquele exato momento, seu coração se despedaçou, e ele pediu ao Senhor para matá-lo. Isso não por estar com medo de Jezabel, mas porque, na consciência mais profunda de seu coração, ele foi uma derrota como profeta. Isso, tenho certeza, foi extremamente necessário para Elias. Podemos até encontrar algumas características culpáveis em suas atitudes diante do Senhor, mas provavelmente isso representa uma fase ainda mais profunda e mais necessária dessa vida sendo entregue à morte.

Existe uma passagem da esfera de onde as coisas são principalmente exteriores e as pessoas estão contra você, para a esfera onde as coisas são interiores e se relacionam com você mesmo, quando você desejaria que o Senhor o matasse. Você está desiludido consigo mesmo, com seu ministério. Elias, virtualmente, entregou sua carta de demissão a Deus. Ele não era bom como profeta, e acredito que esse é o ponto no qual todos nós precisamos chegar como servos de Deus.

Tem havido tanta fraqueza na tentativa de edificar aquilo que está de acordo com o padrão Divido devido a essa falta, a ausência dessa obra inicial, fundamental e básica forjada profundamente, como foi forjada em Elias. Mesmo se soubéssemos, como Elias soube, que o Senhor chamou, e tivéssemos desfrutado do selo do Senhor, da Sua presença, da Sua palavra, com o fruto da Cruz; mesmo com isso tudo, chegaremos ao lugar onde, no que diz respeito a nós mesmos, chegaremos ao fim.

Não é que, como servos do Senhor, nos movemos para um outro plano. Pelo menos, isso não é nossa consciência; não que passemos de um reino, talvez até certo ponto terreno, para outro mais celestial; passando daquilo que tem uma boa quantidade de marcas de carnalidade para aquilo que é mais espiritual. É algo mais profundo do que isso. Nós estamos acabados. Esse é o ponto onde Elias estava. Existem outros fatores em sua experiência, um dos quais foi indubitavelmente físico. Deus tratou com isso dando a ele sono, comida e bebida. Mas tudo isso combinado de maneira que seu efeito em Elias foi que, em seu próprio coração, ele se tornou um homem acabado.

Se pediu ao Senhor para acabar com ele, foi porque já sentia a espada em seu próprio coração, e não será estranho para alguns de vocês dizer que existem algumas coisas muito piores do que encarar o perigo contra a sua vida. Essa não era uma experiência nova para Elias. Ele não era tendencioso a estar oprimido por estar em perigo, mas quando a amargura se instala dentro, e vem a consciência de que, afinal de contas, tudo foi derrota, bem, isso tem o gosto da morte. Elias precisou ser morto, sem nunca ter provado a morte, mas lá no deserto ele a provou. Se ele tivesse sido um homem mais superficial, teria ficado por meses se alegrando por aquilo que aconteceu no Monte Carmelo. Se ele estivesse preocupado com seus próprios interesses, aquilo teria o sustentado por um bom tempo. Mas como o seu coração estava focado na verdadeira obra de Deus, ele nunca se satisfaria com nada menor do que isso.

Continua no próximo post.

Tradução do livreto homônimo de Harry Foster, publicado por Emmanuel Church.

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