T. Austin-Sparks
“Peso do vale da Visão” (Isaías 22:1a – ARC).
Primeiramente, a palavra “peso” neste texto significa um fardo ou carga, tanto quanto um homem pode carregar. Assim, os Profetas sentiam que aquilo que o Senhor havia lhes mostrado era algo que pesava sobre eles e, muitas vezes, os sobrecarregava.
A função profética entra em funcionamento num momento em que as coisas não estão bem com as pessoas e com obra de Deus, quando o declínio começou e as coisas perderam o seu caráter Divino distintivo; quando há um curso de queda ou um acréscimo de recursos que nunca foram destinados por Deus. O Profeta, em princípio, é aquele que representa – em si mesmo e através da sua visão – a reação de Deus contra uma tendência perigosa ou contra um desvio positivo. Ele permanece na base daquilo que está dentro do propósito de Deus e a tendência [modismo, gosto popular] rompe relações com ele. A constituição dessa função profética é a percepção espiritual, o discernimento e a intuição. O profeta vê o que os outros não estão vendo. É a visão, e essa visão não é apenas uma empreitada, uma “obra”, um empreendimento; é um estado, uma condição. Não é com o trabalho em si que ele está preocupado, mas com o estado espiritual que desonra e entristece o Senhor.
Esta faculdade de discernimento espiritual faz do Profeta um homem muito solitário, e traz sobre ele todas as acusações de ser singular, extremo, idealista, desequilibrado, espiritualmente orgulhoso, e até mesmo dissidente. Ele faz muitos inimigos. Às vezes, ele não é justificado até depois que deixou a cena terrena de seu testemunho. No entanto, o Profeta é o instrumento para manter vivo o propósito pleno do Senhor, e de manter viva a visão, sem a qual as pessoas estão condenadas à desintegração.
Embora, por muitas vezes, o vaso profético do Senhor tenha sido formado por um indivíduo, e nele tenha sido depositado o pensamento mais completo do Pai, muito frequentemente esse vaso pode ser representado por um grupo dentre o Seu povo aonde o Senhor tem sido mais completamente representado. Esses grupos são vistos espalhados ao longo dos séculos, e eram os vasos reacionários do Senhor. Esses, com certeza, são os “vencedores” de cada “tempo do fim”. A massa dos cristãos pode estar muito ocupada com as formas externas e aceitas do cristianismo; pode estar muito satisfeita espiritualmente com o menor; muito presa pela tradição e acorrentada pela ordem estabelecida.
Entretanto, o Senhor não pode completar aquilo que está no seu coração, porque Ele não põe vinho novo em odres velhos; os odres iriam estourar e a vida seria desperdiçada – não conservada para um propósito definido. Isso se torna uma limitação devido a uma ordem que, embora poderia estar certa em um determinado momento ou período para levar Seu testemunho até um certo ponto, hoje permanece como um limite fixo, e isso torna impossível o ajuste essencial aos plenos propósitos do Senhor. Assim foi com o judaísmo, assim se tornou o cristianismo e assim é com muitos instrumentos que tem sido muito usados por Ele. É perigoso para os interesses do Senhor concluir que um padrão, dirigido e estabelecido pelo Senhor em um determinado momento, seja pleno e final e deva permanecer. Cada pedaço de nova revelação irá nos chamar para um ajuste, mas a revelação espera por tal sentimento de necessidade – deve haver ao menos a vontade de se ajustar.
O Senhor precisa de algo que realmente representa, o máximo possível, o Seu pensamento, e não daqueles que estão apenas fazendo um bom trabalho. Mas custa; e este é o “peso do vale da visão”.
Publicado pela primeira vez na revista “Uma Testemunha e Um Testemunho”, em maio-junho de 1945, Vol. 23-3, sob o título “The Burden of the Valley of Vision”.