Reis servos é a tradução do Prólogo do livro “Final Destiny – The Reign of the Servant Kings” – de Joseph Dillow.
Joseph Dillow
Em algum momento, na expansão ilimitada da eternidade passada, uma tragédia universal ocorreu. A Estrela da Manhã, conhecida como Lucifer (Is.14:12-17), o sinete da perfeição, cheio de sabedoria e beleza (Ez 28:12), o ser angélico a quem Deus tinha apontado como regente do cosmos antigo (Ez 28:14) caiu. Isso aconteceu antes do Princípio. Descrevendo a lastimável traição de Lúcifer, o profeta Ezequiel pinta o quadro da tristeza Divina (Ez 28:11-19). Lucifer tinha recebido tudo. Ainda assim, ele se tornou orgulhoso (Ez 28:17; 1 Tm 3:6). Ele concluiu que os dons de Deus eram mais importantes que o doador, que a dependência de Deus e obediência à Sua vontade revelada não eram necessárias. Ele se tornou Satanás, o adversário de Deus.
O Senhor dos Exércitos poderia ter destruído esse rebelde imediatamente. Mas, ao contrário, Jeová trouxe à existência um plano que iria responder para sempre a essa alternativa satânica. Um plano que demandaria Seu envolvimento pessoal na demonstração moral do Seu amor e graça. O Próprio Rei iria, um dia, demonstrar a superioridade de Seus caminhos de dependência e de um espírito de servo.
Para alcançar Seu eterno propósito, a manifestação de Sua Glória, Ele criou o universo conhecido a partir do nada.
Sim, por um período de tempo não especificado, um pesaroso silêncio e trevas reinaram por causa da rebelião de Satanás. Deus teria se esquecido? Teria decidido ignorar esse desafio à Sua soberania? Teria decidido olhar para o outro lado? O silêncio de Deus era ensurdecedor. Os filhos angélicos de Deus ansiavam pela limpeza do universo da escuridão moral de Satanás e que o silêncio fosse quebrado (e quando isso aconteceu, irromperam em louvores – Jó 38:7).
Inesperadamente – aconteceu!
Disse Deus:
“Haja luz; e houve luz. E viu Deus que a luz era boa; e fez separação entre a luz e as trevas. Chamou Deus à luz “Dia” e às trevas, “Noite”. Houve tarde e manhã, o primeiro dia (Gn 1:3-5).
“Finalmente!” pensou Miguel, o arcanjo de Deus. “Nosso Senhor agora estabelecerá Seu governo e vindicará a superioridade dos Seus caminhos!”
Deus colocou o homem e sua mulher, seres inferiores a Satanás, no jardim de um planeta chamado Terra. Então Ele atirou Satanás no Jardim e a batalha entre o Homem e Satanás se iniciou. Ao vencedor desse conflito, o governo desse planeta seria concedido. A justiça de Deus iria mais uma vez reinar na terra, e por meio disso Ele seria glorificado.
Também disse Deus:
“Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra” (Gn 1:26).
Os anjos assistiam a tudo isso. Nas palavras de Donald Barnhouse, era como se o Senhor declarasse: “Vamos dar a essa rebelião um processo completo. Vamos permitir que ela chegue à sua plenitude. O universo verá o que uma criatura, ainda que seja a mais elevada dentre elas, pode fazer sem Deus. Vamos conduzir um experimento e permitir que as criaturas do universo o assistam, durante esse breve interlúdio entre a eternidade passada e a eternidade futura chamado “tempo”. Nesse tempo, o espírito de independência terá a permissão de se expandir ao máximo. Então, a destruição e ruína que resultarão demonstrarão ao universo – e para sempre – que não existe vida, alegria e paz sem uma completa dependência no Deus Altíssimo, possuidor da terra e dos céus”.
“Mas”, disse Miguel, “o que é isso? Um homem? Essa criatura é tão fraca, tão inferior a Satanás. Por que o Rei o colocou na terra a fim de governá-la? Como pode uma criatura tão insignificante, muito inferior aos anjos, de alguma maneira cumprir o propósito divino? Certamente um grande erro foi cometido!”
Qual o significado do homem? Essa pergunta esteve nos lábios de poetas e filósofos desde que o homem começou a pensar nessas coisas. Centenas de anos depois, quando o pastor Davi contemplava o céu estrelado, e se sentiu humilhado pelo senso de sua insignificância, exclamando:
“Quando contemplo os teus céus,
obra dos teus dedos,
e a lua e as estrelas
que estabeleceste,
que é o homem, que dele te lembres?”
(Sl 8:3,4)
A mente de Davi, aparentemente refletindo na divina comissão de Gênesis, recebeu um lampejo de iluminação:
“Fizeste-o, no entanto, por um pouco,
menor do que os anjos
e de glória e de honra o coroaste.
Deste-lhe domínio sobre as obras
da tua mão e sob seus pés tudo lhe puseste…
Ó SENHOR, Senhor nosso,
quão magnífico
em toda a terra é o teu nome!”
(Sl 8:5,6;9 / Hb 2:7)
O Homem deveria reinar! Uma criatura inferior seria coroada com glória e honra. A criatura inferior seria colocada para reinar sobre o mundo de Satanás! A glória, a honra e a soberania que Satanás havia usurpado em independência e incredulidade seriam reconquistadas pela criatura inferior, vivendo pela fé, servindo ao seu Criador! Nesse caminho, o orgulho é corrigido. O propósito final de Deus é manifestar Sua glória. A glória seria demonstrada de forma única quando o Criador adotasse esse caminho de humildade e dependência. Anos depois, o Salvador disse: “Aquele que for o menor entre vocês – ele é o maior” (Lc 9:48).
Deus decide humilhar o altivo e independente de uma maneira única. Ele pretende que uma criatura inferior, o Homem (criado menor do que os anjos e portanto menor que Satanás), deveria obter a mais elevada posição (“todas as coisas sob os Seus pés”, Hb 2:8). Portanto, a criatura inferior iria conquistar, por meio da dependência de Deus, uma posição superior à mais elevada das criaturas, Satanás, que obteve essa posição por meio da independência. “Pois não foi a anjos que sujeitou o mundo que há de vir, sobre o qual estamos falando” (Hb 2:5). Do menor, Deus vai trazer o maior.
Como HOMEM, o Salvador derrotou o inimigo. Como HOMEM, Ele silenciou os principados e potestades. Como um HOMEM, Ele reinará no reino futuro de Deus nessa terra.
Esse reino futuro é o objeto de centenas de passagens no Antigo Testamento. O reino que se estenderá sobre “todas as obras de Suas mãos” (isso pode sugerir que um dia a humanidade vai governar as galáxias!) será um glorioso reino de REIS SERVOS. O leão se deitará com o cordeiro (Is 11:6,7), justiça universal reinará, pois não haverá guerra. As doenças serão abolidas, e o mundo de Satanás será colocado debaixo do governo do Rei Servo e de Seus companheiros (Hb 1:9).
De forma consistente com o Seu propósito, Deus escolhe estabelecer Seu reino através da elevação de uma aparentemente obscura e insignificante tribo Semita, Israel. Ele não escolheu a Grécia, Roma, Egito, Babilônia, França, Alemanha, Rússia, Estados Unidos ou qualquer outra nação poderosa na terra. A glória futura recai sobre aqueles seguidores de Cristo, tanto dentre Israel, como dentre a Sua Igreja, que, como seu Mestre, vivem uma vida de dependência e obediência.
Posteriormente os profetas, os salmistas e o apóstolo Paulo chamam essa missão magnífica de resgate de “justiça de Deus”. A justiça de Deus é Sua fidelidade à Sua palavra (Rm 3:3,4). Deus prometeu a Abraão de que por meio dele todas as nações seriam abençoadas (Gn 12:1-3). Quais eram essas promessas? Através dessa inconsequente tribo Semita, Israel – especificamente por meio de Abraão e sua “Semente” – o plano divino de liberar o planeta caído e revelar Sua glória seria implementado.
O princípio controlador da filosofia bíblica da história se apóia no preceito do segundo antes do primeiro. “Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios e escolheu as coisas fracas do mundo para envergonhar as fortes” (1 Co 1:27). Apenas nesse caminho, a auto exaltação do homem será destruída. Uma característica que permeia todo o curso da redenção é que Deus escolhe o mais novo antes do mais velho, dá ao menor prioridade sobre o maior, e escolhe o segundo antes do primeiro.
Não Caim, mas Abel e seu substituto, Sete; não Jafé, mas Sem; não Ismael, mas Isaque; não Esaú, mas Jacó; não Manassés, mas Efraim (Gn 48:14); não Aarão, mas Moisés (Ex 7:1); não Eliabe, mas Davi (1 Sm 16:6-13); não a Antiga Aliança mas a Nova (Hb 8:13); não o primeiro Adão, mas o segundo Adão (1 Co 15:45). O primeiro se torna o último e o último se torna o primeiro (Mt 19:30). As grandes nações são colocadas de lado (Dn 2:7) e, para estabelecer Seus propósitos, Deus elege dois meios insignificantes: o Israel de Deus (o remanescente de fé dos últimos dias) e o corpo de Cristo (a igreja invisível).
Mas o primeiro Adão, enganado pela serpente, caiu em pecado. Como resultado, o universo recentemente criado foi sujeito e uma universal escravidão de decadência (Rm 8:20-22), levando os filhos do homem a nascerem com a necessidade de um Redentor; e Satanás, no lugar do Homem, se tornou o governante desse mundo (Lc.4:6,7; Jo 16:11, 12:31; 2Co 4:4; Ef 2:2).
Aqui, a simetria e beleza do plano divino se evidenciam. Deus não apenas se propôs a elevar o papel de servo e a disposição de confiar, mas Ele deu Seu Filho, o Segundo Homem e o Último Adão (1 Co 15:45), como o Salvador. Ele, que é a essência de Deus, se tornou um servo. Ele “a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo” (Fp 2:7). Ele obedeceu de forma final e completa: “A si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz” (Fp 2:8). E nesse caminho, vivendo exatamente pelo conjunto de princípios contrários aos de Satanás, o Senhor Jesus conquistou maior glória:
“Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai” (Fp 2:9-11).
Aqueles que reinarão com Ele devem conduzir suas vidas nesse mesmo caminho: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus” (Fp 2:5). Os futuros governantes da criação de Deus, como seu Rei, devem ser servos hoje. Não deve haver lugar para o orgulho ou arrogância, apenas um desejo de coração de estender as bênçãos e glória de Deus através de toda a ordem criada. Diferente de Satanás e seus seguidores modernos, eles não terão o desejo de se assenhorar dos seus súditos. Ao contrário, como seu Senhor, eles vão desejar apenas servir àqueles sobre quem irão governar:
“Então, Jesus, chamando-os, disse: Sabeis que os governadores dos povos os dominam e que os maiorais exercem autoridade sobre eles. Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será vosso servo; tal como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mt 20:25-28).
Esses discípulos de Jesus serão grandemente amados e valorizados pelos súditos. Ao contrário de desobediência, haverá um espírito servil para com Deus e para com os outros. O segundo Adão falou sobre isso da seguinte forma: “Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus… Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra” (Mt 5:3-5).
Iremos nos tornar reis servos. Esse é o nosso destino. Esse destino foi frequentemente chamado “salvação” pelos profetas. Isso não se refere somente a salvação do inferno, mas também do glorioso privilégio de reinar com o Messias no destino final do homem, a salvação messiânica [tão grande salvação – aqui temos a salvação no seu amplo aspecto]. No plano eterno, apenas aqueles que se empenharem para se tornar servos podem se qualificar para esse grande privilégio no futuro. Para se tornar “grandes” no reino dos céus, e governar ali, primeiro eles devem se tornar humildes como crianças (Mt 18:4).
“Mas o maior dentre vós será vosso servo. Quem a si mesmo se exaltar será humilhado; e quem a si mesmo se humilhar será exaltado” (Mt 23:11,12).
Se o plano eterno de Deus está atrelado à demonstração da superioridade moral da humildade e do espírito servil, é de máxima importância que aprendamos essa lição agora. Nem todos os cristãos são servos, e apenas esses serão grandes no reino. Apenas os filhos de Deus que são “verdadeiramente filhos” [Mt 5:45; Lc 6:35 – Huios] serão co-herdeiros com o Rei quando Ele vier, no destino final do homem.
Muitos que foram salvos [do inferno] pelo Rei não estão vivendo para Ele no presente. Muitos que iniciaram suas vidas de discipulado com Cristo não perseveraram nesse caminho. Eles sofrem o sério risco de perder seu grande futuro. Mas nós somos “Participantes (Gr Metochoi) de Cristo, [apenas] se, de fato, guardarmos firme, até o fim, a confiança que, desde o princípio, tivemos” (Hb 3:14).
Aqueles que são obedientes e servos dependentes hoje, e que perseveram em deixar Cristo os discipular até a última hora, serão contados entre os Participantes [Gr Metochoi] de Cristo, os reis servos durante os mil anos de reino do Filho do Homem. Todos os Cristãos estarão no reino, mas tragicamente nem todos serão co-herdeiros lá.
Por “perderem” suas vidas hoje, crentes encontrarão seu principal sentido (Mc 8:35). Cada ato de serviço não se trata apenas de uma expressão do propósito eterno de Deus, mas é também uma preparação e treinamento para nosso destino final. Quando nós “temos o mesmo pensamento que Cristo Jesus” (tradução da versão utilizada pelo autor de Fp 2:5), nos tornamos “filhos de Deus” [huios], pessoas que são semelhantes a Ele [Mt 5:45]. Em fazendo isso, nós O manifestamos, ou seja, demonstramos o que Ele é – um Deus de amor e humildade. Ao expressar isso, as Escrituras dizem que “O glorificamos” (Sl 86:12; Jo 16:4; 21:19).
Sim, a resposta final à rebelião de Satanás e o supremo significado da existência humana deve ser encontrado no futuro reino dos servos reis.