Peregrinos no Caminho Celestial – 2

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T. Austin-Sparks (1888-1971)

“Todos estes morreram na fé, sem ter obtido as promessas; vendo-as, porém, de longe, e saudando-as, e confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra. Porque os que falam desse modo manifestam estar procurando uma pátria. E, se, na verdade, se lembrassem daquela de onde saíram, teriam oportunidade de voltar. Mas, agora, aspiram a uma pátria superior, isto é, celestial. Por isso, Deus não se envergonha deles, de ser chamado o seu Deus, porquanto lhes preparou uma cidade” (Hebreus 11:13-16).

Continuação do post anterior.

Para os Pioneiros, o Centro de Gravidade é o Céu

Vamos olhar para algumas características dessa vocação peregrina. A primeira de todas elas é que aqueles que são chamados pelo céu, apreendidos para servir a um propósito celestial, logo percebem que o seu centro de gravidade foi modificado, interior e espiritualmente, sendo transferido deste mundo para o céu. Dentro dessas pessoas existe uma sensação profundamente arraigada de que não pertencem a este mundo e que este mundo não é mais seu lugar de repouso, seu lar e centro de gravidade. Essas pessoas não são mais interiormente atraídas para este mundo. Dentro do espírito de um pioneiro existe esse senso de conflito com o que está aqui, e essa pessoa está em desacordo com as condições deste mundo, sendo incapaz de aceitá-las. Repito: isso é algo interior e espiritual, o centro de gravidade foi transferido da terra para o céu. Essa é uma consciência congênita, e é a primeira coisa envolvida nesse chamamento celestial. É o primeiro efeito e resultado de nosso chamado do alto.

Podemos usar isso como um teste. É claro que isso é verdadeiro até para o mais simples filho de Deus. A primeira consciência que alguém verdadeiramente é nascido do alto tem é que o seu centro de gravidade foi mudado. É como se tivéssemos sido movidos de um mundo para outro. De alguma forma, aquilo que nós fomos relacionados pela nossa natureza não nos segura mais; não é mais nosso mundo. Use as palavras que desejar, essa é a consciência e, a não ser que isso aconteça, existe algo bem duvidoso sobre qualquer profissão de fé no Senhor Jesus. Esse senso congênito de um novo centro de gravidade deve crescer, crescer, crescer, até o ponto de tornar impossível para nós aceitarmos qualquer coisa deste mundo. Mais uma vez digo, este é um teste do nosso progresso espiritual, de nossa peregrinação e nosso avanço nela. Mas é algo elementar também.

A Esfera Celestial é Desconhecida a Nós Pela Nossa Natureza

Essa outra esfera e consciência que chegou ao nosso coração – esse ponto para onde passou a gravitar o nosso espírito – é totalmente desconhecido da nossa natureza. Para a nossa natureza humana, esse é um terreno totalmente diferente, nada familiar, inexplorado. Não importa quantos tenham percorrido essa trilha antes de nós, ou quantos já empreenderam essa caminhada e andaram um bom pedaço dela, para cada indivíduo é um mundo completamente novo, e ele só pode ser conhecido pela experiência. Podemos derivar valores das experiências dos outros, e graças a Deus por isso, mas todas as experiências das outras pessoas não podem nos levar nem um passo adiante nesse caminho. Para nós, esse é um caminho estranho e novo, completamente novo. Teremos que aprender tudo sobre ele desde o início.

Isso torna o pioneirismo naquilo que essencialmente é: um caminho solitário. Ninguém pode passar adiante sua herança. Temos que obter a nossa própria herança naquele mundo desconhecido e estranho, que demanda uma nova constituição e capacidades de acordo com ele, que não possuímos em nossa natureza. Nenhum homem pode desvendar a Deus (Jó 11:7), não temos essa capacidade, isso deve vir do alto. Precisamos descobrir Deus por nós mesmos, em cada detalhe do Seu amoroso relacionamento com o coração humano.

Luz pode vir por meio de testemunhos e das Escrituras. Ajuda também pode vir por meio de conselhos, e podemos receber inspiração por meio daqueles que desbravaram o caminho antes de nós. Mas, em última análise, precisaremos possuir nosso próprio terreno no país celestial, conquistar, cultivar e explorar nossa terra ali. Sabemos que isso é verdade; que estamos seguindo este caminho na vida espiritual. Precisamos descobrir isso por nós mesmos.

Como desejamos ter alguém que tenha condições de nos tomar pela mão e nos conduzir através das suas conquistas e experiências! O Senhor nunca permitirá isso! Se verdadeiramente estamos na estrada celestial, seremos pioneiros – isso se não iniciarmos a jornada e sentarmos, desistindo no meio do caminho. É claro que existirão valores concedidos a outros porque nós fomos adiante deles, mas existe um sentido no qual todo mundo terá que descobrir as coisas por si mesmo, e é melhor que seja assim. Não existe nada de segunda mão na vida espiritual.

Pioneirismo Repleto de Custo e Conflito

Chegamos à terceira característica desse pioneirismo. Todo o pioneirismo tem um alto preço e envolve sofrimento e, como esse é um curso ou caminho espiritual, seu preço é principalmente interior.

Perplexidade, sim, perplexidade. Estava lendo uma tradução de uma mensagem do nosso irmão Watchman Nee. Nela ele diz, com efeito: “Havia um tempo em que tinha uma ideia a respeito da vida cristã, onde imaginava que um Cristão ficar perplexo era totalmente errado; um Cristão humilhado – isso é errado; um Cristão em desespero – isso precisa estar totalmente errado; que tipo de Cristão é esse? E quando li Paulo dizendo que estava perplexo e em angústia e desespero, isso constituiu um problema real para mim, na luz do que tinha ensinado a mim mesmo a respeito do que um Cristão deveria ser. Mas precisei ver que tudo estava errado com isso, finalmente”. Sim, um Cristão, e tal Cristão como o Apóstolo Paulo, perplexo, humilhado e em desespero. Esse é o caminho dos pioneiros.

Perplexo. No que essa perplexidade implica? Implica numa necessidade de capacidade ou compreensão em alguma esfera que no momento presente não existe. Existe uma esfera que está além de nós. Isso não significa que sempre ficaremos perplexos na mesma medida e nas mesmas situações. Cresceremos em relação à nossa perplexidade nesse assunto e o compreenderemos. Mas no final, haverá perplexidade, sempre em alguma medida, simplesmente porque o céu é maior que este mundo, mais vasto do que esta vida natural, e porque nós precisamos crescer, crescer! Perplexidade é o lote dos pioneiros.

Fraqueza. O Irmão Nee se perguntou: “Um Cristão em fraqueza, confessando ser fraco? Que tipo de Cristão é esse?” Paulo fala muito de fraqueza e a respeito de sua própria fraqueza – significando, é claro, que existe outro tipo de força que não é inerente a nós e que precisa ser descoberta. Essa força é algo que não conhecemos naturalmente. Esse é o caminho dos pioneiros: chegar a uma sabedoria que está além de nós e que, no momento, significa perplexidade; para encontrar uma força que está além de nós, e que, no momento, representa fraqueza. Estamos aprendendo, e isso é tudo. Este é o caminho dos pioneiros, mas tem um preço alto. Esse custo é interior, nas mais diversas maneiras.

Mas enquanto que é interior, esse preço também é exterior. A carta aos Hebreus está cheia desses dois aspectos da nossa peregrinação:

Todos estes… confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra” (Hebreus 11:13). O Apóstolo estava escrevendo sobre uma jornada espiritual, uma transição do terreno para o celestial. Este era um aspecto interior. Mas havia também o aspecto exterior para eles, e o mesmo acontece conosco. Toda a inclinação da natureza, se for entregue a si mesma, tende para baixo.

Entregue as coisas a si mesmas, e elas irão seguir para baixo, não é verdade? Um belo jardim se tornará em desolação, desordem e caos em bem pouco tempo, se suspendermos os tratos da mão que o ordena. E isso é também verdade a nosso respeito no caminho espiritual. Existe a nossa gravitação em direção à terra, sempre buscando um lugar para nos estabelecermos, sempre desejando o fim do conflito e da luta, sempre tentando sair da atmosfera do stress na vida espiritual.

Toda a história da Igreja é uma longa história dessa tendência de se acomodar com esta terra e ser tornar conformado com este mundo, encontrar aceitação e popularidade aqui, eliminando o elemento de conflito e peregrinação. Essa é a inclinação e a tendência de tudo. Apesar de interior, assim como acontece no exterior, o pioneirismo tem um alto preço.

Estaremos nos posicionando contra a inclinação das coisas religiosas. Veja novamente a carta aos Hebreus. A inclinação era de retorno e descida para a terra, tornando o Cristianismo num sistema religioso terreno, com todas as suas externalidades, formas, ritos, vestimentas; algo para ser visto e que respondesse aos nossos sentidos naturais. Aquilo exerceu uma grande atração para aqueles Cristãos, fazendo um grande apelo às suas almas e naturezas. A carta, então, é escrita para dizer: “Vamos deixar essas coisas e seguir em frente”. Somos peregrinos, somos estrangeiros, é o celestial que realmente importa – vamos nos lembrar do grande parágrafo sobre a nossa chegada à Jerusalém celestial (Hb 12:18-24).

Mas é um preço alto e envolve grande sofrimento posicionar-se contra o sistema religioso que se “acomodou” aqui. Acredito que isso é bem mais difícil do que posicionar-se contra o próprio mundo. O sistema religioso pode ser cruel, implacável e amargo. Ele pode ser incitado por todas aquelas coisas muito desprezíveis, como preconceitos e suspeitas; coisas que não encontraremos nem mesmo em meio ao povo decente do mundo. É muito penoso seguir para os céus, é doloroso, mas este é o caminho do pioneiro, e deve ficar bem claro que assim é que ele deve ser. A frase na carta aos hebreus diz: “Saiamos, pois, a ele, fora do arraial” (Hb 13:13). Vou deixar você decidir que campo é esse referido aqui, mas não é o mundo. “A Ele, fora do arraial”, significa ostracismo, suspeita.

“Todos estes morreram na fé, sem ter obtido as promessas; vendo-as, porém, de longe, e saudando-as” – não é essa a visão de um pioneiro? Sempre vendo e saudando de longe, saudando o dia da realização, apesar de poder ser mais distante que os dias da nossa vida?

“Confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra. Porque os que falam desse modo manifestam estar procurando uma pátria. E, se, na verdade, se lembrassem daquela de onde saíram, teriam oportunidade de voltar. Mas, agora, aspiram a uma pátria superior, isto é, celestial. Por isso, Deus não se envergonha deles, de ser chamado o seu Deus, porquanto lhes preparou uma cidade” — Deus não se envergonha do povo que está na peregrinação com Ele na direção do Seu propósito, Ele os chama Seus e Ele é “chamado o Deus deles”- e “Ele lhes preparou uma cidade” (Hb 11:13-16).

Esse é um resumo maravilhoso, quando começamos a pensar nele. “Todos estes”- que “todos” compreensivo! Esses são aqueles que tinham visto algo – e em tendo visto, não puderam descansar até o seu último dia, seu último suspiro nesta terra. Eles ainda eram peregrinos, não puderam descansar, esse foi o chamado invisível. É algo que precisa vir do céu para dentro de nós, para nos levar ao céu. Isso está em nós?

Bem, como podemos ver, essa é a chave para tudo e explica tudo. É a garantia de que tudo que está em nós em anseio, desejo e busca – nascido do Espírito de Deus – será realizado.

Você tem fome? Anseia por isso? Está insatisfeito? Isso em si mesmo é uma profecia de que existe mais por vir. Você está acomodado? Sua visão é curta e estreita? Só consegue seguir em frente aqui nesta terra? Consegue aceitar as coisas como elas são? Muito bem, você terá isso que almeja e não irá muito longe. Deus se denomina o Deus daqueles peregrinos. Sei que existe uma ordem celestial de coisas, e que estou sendo tratado em relação a isso em minha vida diária. Vamos deixar o lado literal e ver o lado espiritual, que é tão real! Vamos pedir ao Senhor para colocar esse espírito de peregrino em nós, poderosamente.

Descobriremos, à medida que formos seguindo em frente, que onde quer que seja o ponto em nossa vida espiritual que tudo for tão maravilhoso e pleno, onde sentirmos que alcançamos o fim de todas as coisas, então chegaremos ao tempo em que tudo isso não será nada, e iremos olhar para trás e acharemos aquilo tudo meras coisas da infância. Ao ver aquelas coisas que éramos capazes de ler naquela ocasião e nos alimentar, diremos: “Como era capaz de encontrar alguma coisa nisso?” Não me entenda mal: não que exista algo de errado com isso! Podem ser coisas lícitas e corretas para as pessoas naquele ponto – mas seguimos em frente, e precisamos de algo mais. Precisamos crescer para além das coisas daquele tempo, e precisamos seguir adiante. Precisamos ser um povo do além. Esse é provavelmente o sentido da palavra “Hebreu”. Essa carta é chamada a carta aos Hebreus, e fala de peregrinos e estrangeiros. Se a palavra “Hebreu” significa uma pessoa do além, bem, somos um povo do além, nossa casa e gravitação é o além. Somos peregrinos aqui, peregrinos do além.

Possa o Senhor tornar isso de ajuda para nós e, por um lado, nos mover para fora de toda a letargia, falso contentamento ou desejo indevido de alcançar um fim aqui. Por outro lado, mantenhamos nossos olhos e corações com aqueles que foram pioneiros antes de nós, vendo, saudando, e, se necessário for, morrendo, na fé.

Tradução do Capítulo 1 do Livro “Pioneers of the Heavenly Way” (Pioneiros do Caminho Celestial) de T. Austin-Sparks, publicado por Emmanuel Church.

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