Iluminados os olhos do coração é uma releitura do capítulo 9 do livro “The Testimony of Christ”, de T. Austin-Sparks. É importante salientar que não se trata de uma tradução do texto original, podendo conter divergências em relação ao entendimento original do autor.
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“Ao meio-dia, ó rei, indo eu caminho fora, vi uma luz no céu, mais resplandecente que o sol, que brilhou ao redor de mim e dos que iam comigo. E, caindo todos nós por terra, ouvi uma voz que me falava em língua hebraica: Saulo, Saulo, por que me persegues? Dura coisa é recalcitrares contra os aguilhões. Então, eu perguntei: Quem és tu, Senhor? Ao que o Senhor respondeu: Eu sou Jesus, a quem tu persegues” (Atos 26:13-15).
“Porque Deus, que disse: Das trevas resplandecerá a luz, ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo” (2 Coríntios 4:6).
“Para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele, iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos” (Efésios 1:17,18).
Podemos considerar aqueles dois homens na estrada de Emaús como homens representativos. Percebemos que apesar de terem recebido a verdade diretamente do Senhor, ainda careciam de alguma coisa, pois ainda não estavam desfrutando de seus benefícios. Como podemos notar, o Próprio Senhor indicou essa carência de entendimento um pouco mais à frente, neste mesmo capítulo:
“A seguir, Jesus lhes disse: São estas as palavras que eu vos falei, estando ainda convosco: importava se cumprisse tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos.” (Lc 24:44).
Muitas verdades foram transmitidas a eles pelo Senhor nos últimos anos de suas vidas, e eles não estavam desfrutando de seus benefícios. Isso levanta o primeiro desafio para nós, que é relativamente simples.
Estamos desfrutando daquilo que já possuímos?
Devemos nos perguntar isso. Será que estamos realmente desfrutando de tudo que o Senhor nos deu? Estamos na posição que deveríamos estar? Estamos desfrutando desse grande testemunho do Cristo que é o principal assunto deste capítulo? Estamos desfrutando desse poder da Sua Vida e da Sua ressurreição e tudo o que isso representa?
Naquele momento aqueles dois discípulos ainda não desfrutavam disso. O mesmo pode acontecer conosco.
O Senhor, ao se aproximar, perguntou-lhes a razão de sua condição- apesar dEle já saber a resposta de antemão. Como já mencionamos, é sempre de grande ajuda expor com precisão nossas razões e as causas de nossa posição, especialmente se declararmos isso ao Senhor.
Quando o Senhor lhes perguntou o motivo de sua condição, eles atribuíram tudo aos acontecimentos recentes, coisas que haviam acontecido em suas vidas, suas experiências, coisas que contrariaram suas expectativas. Eles consideraram que os acontecimentos eram a razão de sua condição.
Então o Senhor passou a expor um outro ponto de vista e uma nova interpretação para aqueles acontecimentos. Ele confirmou tudo que havia dito quando os olhos dos discípulos foram abertos, ainda que por um breve instante em Emaús. Após aquela breve visão Ele desapareceu, confirmando o que havia acabado de lhes dizer.
O Efeito dessa poderosa visão
Aquela visão causou um efeito muito positivo sobre aqueles discípulos desanimados. Eles se sentiram melhor, se levantaram naquela mesma hora e retornaram para Jerusalém muito entusiasmados.
Foi como uma daquelas vezes que passamos por um momento ruim, as coisas estão muito difíceis em nossas vidas ou nas circunstâncias que enfrentamos. Parece que tudo está errado e estamos em trevas. Não vemos como passar pela situação e alguém nos dá algumas explicações e interpretações. Então nos sentimos melhor, com as esperanças renovadas.
Mas, apesar desse renovo, o verdadeiro trabalho não foi feito. Velhas fortalezas interiores ainda não foram derrubadas e a posição, embora aparentemente mais esperançosa, ainda não é firme o suficiente.
Vamos manter essa situação em mente como pano de fundo, porque foi preciso acontecer algo grandioso para sustentar esses homens com firmeza a partir dali. O fato é que aqueles discípulos estavam em uma posição falsa, e eles não saíram dela naquela conversa, nem com aquele vislumbre momentâneo do Senhor.
Como podemos saber disso? Disse que eles eram homens representativos. Lembre-se que quase até o último minuto, pouco antes do Senhor ser definitivamente arrebatado, depois de 40 dias de Sua ressurreição (At 1:1,2), os discípulos fizeram a seguinte pergunta a Ele:
“Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel?” (At 1:6).
Veja bem, essa ainda era uma posição falsa. Eles ainda continuavam apegados a algo do passado, e aquela falsa posição não tinha sido realmente destruída, embora tivessem recebido aquele estímulo maravilhoso naquela visão.
A questão residia no interior, e não poderia ser corrigida por meio de discursos estimulantes. Isso só resultaria em uma piora na sua condição.
Algo profundo e drástico deveria acontecer dentro deles. Mas por que?
A necessidade do quebrantamento
O fato é que apesar das aparências, aqueles discípulos ainda não eram homens quebrantados. Se ouvíssemos seu discurso, poderíamos ter essa falsa impressão. Mas o que haveria de ser quebrado? Aquela imagem deles sentados em tronos em um reino nesta terra. Seu ministério, sua posição e suas perspectivas terrenas em relação ao reino deveriam ser quebradas. Se observarmos nos Evangelhos, veremos qual era a concepção dos israelitas representada a respeito do reino.
Mas não podemos ser demasiadamente duros com os discípulos… o fato é que podemos ser privados de desfrutar de coisas grandiosas simplesmente porque fomos desiludidos em alguma perspectiva e esperança preciosa aos nossos olhos.
Vemos isso claramente na resposta do Senhor: “Não convinha a Cristo padecer estas coisas e entrar na sua glória?”
Eles não haviam calculado o sofrimento, não haviam levado isso em consideração. Eles só vislumbravam a glória, a glória deste reino na terra, um reino onde eles teriam posições.
O aspecto do sofrimento não havia sido registrado em seus corações e por isso eles estavam firmados em uma posição falsa: ‘Não convém que o Cristo sofra?’.
O trabalho da Cruz
Isso nos leva a uma questão muito prática. Por estarem naquela posição falsa, era absolutamente essencial que a Cruz fizesse seu trabalho. Eles precisavam se tornar homens quebrados.
Todo o propósito de Deus, tudo o que Deus tem para nós do outro lado da cruz – um vida em união com Cristo ressurreto e exaltado – demanda por absoluto quebrantamento da nossa parte.
Não me refiro apenas ao quebrantamento de esperanças exteriores, mas um quebrantamento interior.
“Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós.” (2Co 4:7).
A capa do ego precisa ser quebrada, devemos ser vasos quebrados para dar lugar à plenitude eterna celestial e a cruz é necessária para a realização desse processo de quebrantamento. Sei que essa não é uma nota agradável, mas precisa ser mencionada.
Esta é a palavra do Senhor para você: se você não for quebrado pela Cruz, se não tiver passado por uma experiência de verdadeiro quebrantamento debaixo das mãos de Deus, tudo o que o Senhor tem para você e para fazer por sei intermédio permanecerá suspenso, será impossível.
A Cruz é o caminho para a glória e para a plenitude celestial, e essa Cruz é o caminho para o quebrantamento interior. Deixe-me ser muito preciso, porque conheço diferentes tipos de quebrantamento. Conheço o quebrantamento causado pelas decepções, o quebrantamento das esperanças e expectativas frustradas, mas o tipo de quebrantamento a que me refiro é o quebrantamento do EGO, da força do Eu que insiste em manter sua posição. Esse é o tipo de quebrantamento que estou falando.
Essa força natural, seja mental, emocional ou seja na vontade, precisa ser quebrada tão verdadeiramente quanto aconteceu com o tendão da coxa de Jacó quando ele foi tocado por Deus.
Algo assim precisa acontecer dentro de nós, algo de caráter permanente. Deus operar na esfera de nossa auto-estima para nos tornar pessoas quebrantadas para nossa auto-suficiência, auto-afirmação, autoconfiança e todas essas outras formas de manifestação do ego.
Os discípulos compreendiam que a tradição, sabiam que tinham uma herança e que estavam associados com as coisas de Deus pelo que estava registrado nas Escrituras. Podemos notar que o Senhor levou isso em consideração, Ele não se dirigiu a eles como homens que não conheciam a Bíblia. Entretanto, apesar de possuírem um grande conhecimento da Bíblia e terem desfrutado de um período de convivência com o próprio Jesus por um tempo, eles ainda careciam de algo vital.
Tudo o que eles tinham não pôde salvá-los no dia da provação. Essa é uma verdade que não podemos ignorar: temos a tradição cristã, o grande legado deixado por aqueles que nos precederam, e também contamos com uma associação com Cristo, mas muitos de nós ainda carece desse ponto vital.
Ressurreição, a Resposta
A resposta está na ressurreição. Essa foi a resposta para esses homens e é continua sendo a resposta para nós. Não me refiro ao fato histórico da ressurreição, mas ao princípio vital e a força poderosa que precisam ser conhecidas, experimentadas e expressas continuamente em nossas vidas até o fim. Eis a resposta!
Essa ressurreição não pode se resumir a algo que aconteceu com Jesus, mas deve ser algo acontecendo aqui e agora em nós.
Não se trata de uma doutrina, é algo real, uma verdade vital, uma experiência.
Não devemos apenas que acreditar que Jesus ressuscitou dos mortos, mas precisamos estar vivos com Ele, e essa ressurreição é a base.
O toque do Senhor para abrir os olhos interiores
Vemos a primeira parte da história no acontecimento na estrada de Emaús. Depois disso, o Senhor também se manifestou quando os discípulos estavam em Jerusalém. Creio que o fato de que os olhos deles estavam fechados para O reconhecer foi um ato Divino. Da mesma forma, quando eles O viram de repente, também foi um ato Divino.
Está escrito: “Então, lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras” (vs 45). O fato é que foi necessário um toque definido e preciso do Senhor nos olhos interiores daqueles homens.
Tudo se resume nisso: os olhos deles foram abertos.
O Senhor abriu suas mentes por meio daquele toque do Espírito Santo e abriu seus olhos interiores. A partir daquele momento eles entraram em um novo mundo e a velha Bíblia ganhou vida.
Aquele foi um toque da nova criação, trazendo à luz um mundo inteiramente novo. Antes daquele toque do Senhor com Seu poder de ressurreição, eles estavam obscurecidos e cegos, e então passaram a ver.
Isso é algo que nenhum pregador pode explicar ou definir. Isso é algo que ninguém que passou por essa experiência pode fazer os outros compreenderem.
Um cego de nascença recebeu visão e todos tentaram fazê-lo explicar, definir sua experiência. Ele disse: ‘Não sei’, “uma coisa sei: eu era cego e agora vejo” (Jo 9:25). Isso é tudo.
É uma maravilha inexplicável ser capaz de ver, estar debaixo de um céu aberto, não mais ter uma cúpula sobre sua cabeça. Desfrutar do benefício da visão faz toda a diferença.
Conheço muitos que têm um vasto e maravilhoso conhecimento da Bíblia, têm tradição, formação, educação e herança, mas não encontro neles o toque da Vida. Tudo é tão frio. Não ministra Vida e libertação.
Veja, podemos percorrer um longo caminho com o Senhor e ainda assim não ver.
Na verdade, o problema reside no fato de não sabermos que não estamos vendo. Devemos ser humildes e honestos com o Senhor a ponto de afirmar: ‘Senhor, se eu estiver errado e houver a possibilidade de não estar certo em algum ponto, mantenha-me consciente disso… Não me deixe pensar que estou sempre certo, que minha posição é melhor que a de todo mundo’.
Oh, Deus nos livre dessa possibilidade: de pensarmos que estamos certos e estarmos errados! “O Senhor tem ainda mais luz e verdade para derramar de Sua palavra”. Abertura de coração, mansidão e a aceitação da possibilidade de haver uma maior revelação fará toda a diferença para nós. Não devemos permitir que nenhum preconceito, suspeita ou qualquer coisa do gênero roube isso de nós. Sejamos humildes. Ninguém é incapaz de estar errado.
T. Austin Sparks (1888-1971) nasceu em Londres e estudou na Inglaterra e na Escócia. Aos 25 anos, iniciou seu ministério pastoral, que perdurou por alguns anos, até que, depois de uma crise espiritual, o Senhor o direcionou a abandonar aquela forma de ministério, passando a segui-Lo integralmente naquilo que parecia ser “o melhor que Deus tinha para ele”. Sparks foi um homem peculiar, que priorizava os interesses do Senhor em vez do sucesso do seu próprio ministério. Sua preocupação não era atrair grandes multidões, mas ansiava desesperadamente por Cristo como a realidade de sua pregação. Por isso, suas mensagens eram frutos de sua visão e intensas experiências pessoais. Ele falava daquilo que vivenciava, e sofria dores de parto para que aquela visão se concretizasse primeiramente em sua própria vida. Pelo menos quatro linhas gerais podem ser percebidas em suas mensagens: (a) o grandioso Cristo celestial; (b) O propósito de Deus focado em ganhar uma expressão corporativa para Seu Filho; (c) a Igreja celestial – a base da operação de Deus na terra e (d) a Cruz – o único meio usado pelo Espírito para tornar as riquezas de Cristo parte da nossa experiência. Sparks também acreditava que os princípios espirituais precisavam ser estabelecidos por meio da experiência e do conflito, quando finalmente seriam interiorizados no crente, tornando-se parte de sua vida. Sparks desejava que aquilo que recebeu gratuitamente fosse também assim repartido, e não vendido com fins lucrativos, contanto que suas mensagens fossem reproduzidas palavra por palavra. Seu anseio era que aquilo que o Senhor havia lhe concedido pudesse servir de alimento e edificação para os seus irmãos. Suas mensagens são publicadas ainda hoje no site www.austin-sparks.net e seus livros são distribuídos gratuitamente pela Emmanuel Church.
