O alimento dos campos de Boaz

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“O alimento dos campos de Boaz” é um artigo baseado em meditações nos versículos 6 a 22  do livro de Rute. Tomamos por referência os livros: “Estudos sobre o livro de Rute” de H. L. Heijkoop e “União com Cristo: Um vislumbre do livro de Rute” de Christian Chen.

***

“Então, disse Boaz a Rute: Ouve, filha minha, não vás colher em outro campo, nem tampouco passes daqui; porém aqui ficarás com as minhas servas. Estarás atenta ao campo que segarem e irás após elas. Não dei ordem aos servos, que te não toquem? Quando tiveres sede, vai às vasilhas e bebe do que os servos tiraram” (Rute 2:8-9).

Boaz disse à Rute para estar atenta, com os olhos fixos no campo – os campos de Boaz fazem referência às riquezas insondáveis de Cristo. Então, ela deveria seguir as servas de Boaz, segando atrás delas. 

Esse é um segredo importante de nossa caminhada com o Senhor, aprender a andar atrás de Sua presença, seguindo Sua direção. Em Josué 3:2-4, temos outra ilustração do mesmo princípio:

“Sucedeu, ao fim de três dias, que os oficiais passaram pelo meio do arraial e ordenaram ao povo, dizendo: Quando virdes a arca da Aliança do SENHOR, vosso Deus, e que os levitas sacerdotes a levam, partireis vós também do vosso lugar e a seguireis. Contudo, haja a distância de cerca de dois mil côvados entre vós e ela. Não vos chegueis a ela, para que conheçais o caminho pelo qual haveis de ir, visto que, por tal caminho, nunca passastes antes” .

Quando a arca fosse passar o Jordão, o povo de Israel devia dar uma distância de 2.000 côvados dela, o que equivale a aproximadamente 1km. À essa distância, temos uma visão mais panorâmica, por outro lado, existe o risco de se perder. Imagine seguir um carro à essa distância diante de você. Precisaremos de uma atenção redobrada. Se perdermos o foco do objeto que estamos seguindo, podemos nos perder do caminho. 

Da mesma forma, Boaz falou com Rute para estar atenta ao campo, e que ela devia seguir às servas. Se desejarmos ter uma vida de desfrute desse campo de Boaz, de suas riquezas, precisaremos ter um olhar fixo nas servas.

Paulo fala repetidamente a respeito da necessidade de conhecer o Senhor. Ele usa a palavra grega epignosis  [pleno conhecimento – Rm 1:28; Ef 1:17; 4:13; Fp 1:9; Cl 1:9,10; 3:10; 1Tm 2:4; 2Tm 2:25; 3:7; Tt 1:1; Fm 1:6]  que se refere a um conhecimento relacional com o Senhor, não meramente intelectual. Esse conhecimento é dado quando nossos olhos estão fixos nEle:

“Como os olhos dos servos estão fitos nas mãos dos seus senhores, e os olhos da serva, na mão de sua senhora, assim os nossos olhos estão fitos no Senhor, nosso Deus, até que se compadeça de nós” (Sl 123:2).

“Instruir-te-ei e te ensinarei o caminho que deves seguir; e, sob as minhas vistas, te darei conselho. Não sejais como o cavalo ou a mula, sem entendimento, os quais com freios e cabrestos são dominados; de outra sorte não te obedecem” (Sl 32:8,9).

Por que vemos tantas referências a isso na Palavra? A respeito da necessidade de ter os olhos fixos no Senhor? 

“Nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade para louvor da glória de sua graça, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado” (Ef 1:5,6).

O Senhor nos predestinou para essa adoção, que se relaciona à nossa maturidade, para Ele possa dizer: “Esses são os meus filhos maduros!”

Então por que tanta necessidade de ter os olhos fixos no Senhor? 

“A fim de poderdes compreender, com todos os santos, qual é a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade e conhecer o amor de Cristo, que excede todo entendimento, para que sejais tomados de toda a plenitude de Deus” (Ef 3:18,19).

Aqui falamos de plenitude! Como o Senhor poderá obter isso? Nos levando a ser filhos maduros!

Mas nunca poderemos esquecer que tudo é pela graça, o que depende de nós é olhar para ele:

“E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito” (2Co 3:18). 

Um outro exemplo de como o foco pode nos ajudar a ter uma vida agradável a Deus, pode ser tomado em relação à própria vida de Davi. Ele foi um homem segundo o coração de Deus (At 13:22). Vejamos o relato da palavra a respeito de seu coração:

“Porque a respeito dele diz Davi: Diante de mim via sempre o Senhor, porque está à minha direita, para que eu não seja abalado” (At 2:25).

Davi era um exemplo disso, pois apesar de tudo, vemos que a essência de sua vida era de inteireza de coração e foco no Senhor.

Se lermos Levítico 21:17-23, vemos que Deus estabeleceu critérios bem claros e específicos de perfeição e pureza para aqueles que deveriam se achegar à Ele. Isso não indica que Deus tem preferências. O texto de 2Pe 1:3; 9 vai nos trazer mais luz a esse respeito:

“Visto como, pelo seu divino poder, nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude… Pois aquele a quem estas coisas não estão presentes é cego, vendo só o que está perto, esquecido da purificação dos seus pecados de outrora”.

Vida aqui é zoe, a vida de Deus. Ou seja, tudo que preciso para chegar à vida de Deus, vida zoe, já me foi concedido. Quando lemos piedade aqui é eusebeia, que no original pode ser traduzido como uma atitude interior voltada para Deus. Uma vida de piedade é uma vida dedicada e voltada para o Senhor.

Tudo que o Senhor nos deu nos remete à uma vida dedicada à Ele, e à Sua vida plena. Tudo isso será acrescentado, crescerá em nós por meio do conhecimento completo dEle. 

No verso 9, Pedo nos diz que aquele que não tem essas coisas presentes é cego. Em Levítico, lemos que aqueles que tinham qualquer defeito não podiam entrar na presença de Deus, inclusive os cegos (vs 18). Isso porque não tem dessa vida divina, a vida zoe. 

Podemos tomar como exemplo das filhas de Jerusalém e a Sulamita em Cantares. As filhas de Jerusalém achavam o Senhor lindo, entendiam que Ele era especial, mas não se aproximaram dEle como a Sulamita. A Sulamita foi tratada, trabalhada, passou por tribulações, e assim ela pôde conhecer o Senhor em plenitude. Sem essa experiência pessoal com o Senhor, é impossível dizer que O conhecemos de verdade. Algumas vezes poderemos até ser incompreendidos, como aconteceu com a Sulamita, mas nada vai ser comparado com o que ela aprendeu com o Senhor. 

Por isso Boaz disse à Rute que ela deveria ficar atenta ao campo. 

Não podemos perder o foco da arca.

Tolerância com os fracos na fé

“Não dei ordem aos servos, que te não toquem?” (Rt 2:9).

“Filhinhos, eu vos escrevi, porque conheceis o Pai. Pais, eu vos escrevi, porque conheceis aquele que existe desde o princípio. Jovens, eu vos escrevi, porque sois fortes, e a palavra de Deus permanece em vós, e tendes vencido o Maligno” (1Jo 2:14).

“Acolhei ao que é débil na fé, não, porém, para discutir opiniões” (Rm 14:1).

É como se Boaz representasse o Senhor, quando Ele nos diz que devemos acolher o débil, suportar o fraco. O fraco deve estar seguro e protegido no campo de Boaz. Por outro lado, podemos saber que quando o Senhor está falando conosco no nosso espírito, Ele nos conduzirá à maturidade, e nada que nos acontece foge do Seu controle, porque Ele coordena o campo.

Bebendo da vida dos nossos irmãos

“Quando tiveres sede, vai às vasilhas e bebe do que os servos tiraram” (Rt 2:9).

“Mas um dos soldados lhe abriu o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água” (Jo 19:34).

O Senhor não só quer nos tirar do pecado e nos dar vida eterna, mas Ele também quer nos dar água. Podemos beber do Senhor e da vida dos nossos irmãos. 

“Nosso Boaz, por meio de Seus servos, preparou vasos cheios de refrigério, para que possamos beber quando e quanto  for necessário para satisfazer nossa sede (Jo 7:38)”. (HEIJKOOP, HL – Estudos RUTE- Capítulo 2).

Humildade, um indicativo de nossa comunhão com o Senhor

“Então, ela, inclinando-se, rosto em terra, lhe disse: Como é que me favoreces e fazes caso de mim, sendo eu estrangeira?” (Rt 2:10).

Vimos em Rute um coração humilde e o reconhecimento de quem ela é. Isso marca alguém em quem o Espírito está agindo e operando.

Vemos que o mesmo aconteceu com Pedro:

“Vendo isto, Simão Pedro prostrou-se aos pés de Jesus, dizendo: Senhor, retira-te de mim, porque sou pecador” (Lc 5:8).

Pedro já andava com Jesus há um tempo, e nos registros anteriores, ele chamava Jesus de mestre. A partir daqui Pedro o chama de Senhor! Quando temos um encontro com o Senhorio de Jesus, chegamos à essa convicção dessa pequenez.

“Esta humildade é sempre o resultado da alma que entra  na presença do Senhor. Deus disse a respeito de Jó: “Ninguém  há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a  Deus e que se desvia do mal” (Jó 1:8). Mas Jó declarou: “Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te vêem. Por isso,  me abomino e me arrependo no pó e na cinza” (Jó 42:5-6).  Se julgarmos ser alguma coisa, e se houver  or o em nosso coração, é porque nesse exato momento não  estamos vendo a Deus”. (HEIJKOOP, HL – Estudos RUTE -Capítulo 2)

Por outro lado ela não se acovardou, mas prosseguiu.

Essa é uma beleza do caráter de Deus, apesar de Sua beleza e majestade, Deus nos concede provisão e nos atrai para perto dEle. Da mesma forma aconteceu com Isaías, no capítulo 6. A beleza do Senhor nos fulmina, mas também nos atrai. Sua majestade é aprazível e totalmente desejável. 

O Testemunho do Senhor

“Respondeu Boaz e lhe disse: Bem me contaram tudo quanto fizeste a tua sogra, depois da morte de teu marido, e como deixaste a teu pai, e a tua mãe, e a terra onde nasceste e vieste para um povo que dantes não conhecias” (Rt 2:11).

Aqui encontramos o testemunho de Boaz  (o Senhor) declarado diretamente a Rute. É importante lembrar que o Senhor tem um foco no nosso coração. Ele deseja conhecer o que está lá, e precisa de um coração rendido e disposto para poder fazer Sua obra através de nós. 

Aqui vemos uma ênfase de Boaz em relação àquilo que Rute fez pela sogra, que era uma viúva pobre, e que nada tinha para lhe oferecer. Esse testemunho de Rute ao conviver com a sogra, também chamou atenção de outras pessoas. Esse testemunho trouxe glória para Deus.

Além disso, cabe salientar que quando pensamos em testemunho, tendemos a relacionar isso com nosso comportamento em relação às pessoas. Mas o testemunho sempre é consequência de nosso coração, que influi diretamente no nosso comportamento (Pv 4:23; Mt 9:4; 12:34; 15:18,19). Se meu coração está ligado ao Senhor, todo comportamento indevido da minha parte vai gerar um incômodo por parte do Espírito Santo.

Um bom comportamento sem essa unção do Espírito gera orgulho, e acaba gerando nas pessoas uma resistência com nossa conduta. O termo bom testemunho é muito confundido de maneira geral. O testemunho deve ser consequência de um coração rendido ao Senhor, e não ao contrário. Se assim não for, acabaremos nos assemelhando aos fariseus. 

Noemi, a Vontade de Deus

Noemi representa a vontade de Deus, então Rute se apegou à essa vontade e encontrou a graça do Senhor. 

“Disse ela: Tu me favoreces muito, senhor meu, pois me consolaste e falaste ao coração de tua serva, não sendo eu nem ainda como uma das tuas servas” (Rt 1:13).

Rute respondeu com fé e simplicidade. Não se intimidou com a dificuldade e impossibilidade diante de si. Quando nossa fé simples se liga à graça poderosa do Senhor, temos inúmeras possibilidades.

A carne jamais vai se dispor a isso. Um coração humilde se sente honrado por poder seguir os servos, e colher o que sobra deles. Um coração altivo jamais se contentará com isso.

“À hora de comer, Boaz lhe disse: Achega-te para aqui, e come do pão, e molha no vinho o teu bocado. Ela se assentou ao lado dos segadores, e ele lhe deu grãos tostados de cereais; ela comeu e se fartou, e ainda lhe sobejou” (Rt 1:14).

Aqui no verso a palavra é vinagre, não vinho – e sempre que essa palavra é usada, está relacionada ao sofrimento de Jesus. 

Quando Boaz diz para Rute pegar o pão e molhar no vinagre, isso indica a obra da Cruz.

“Boaz permitiu que Rute molhasse o seu pão no vinagre. Além de ser encontrada nesta passagem, a palavra grega  (na Septuaginta) e hebraica para “vinagre” também se encontra  em Números 6:3; Provérbios 10:26; 25:20; Salmo 69:21;  Mateus 27:48 (e talvez no vs. 34); Marcos 15:36; Lucas 23:36;  e João 19:29-30. Todas as referências no Novo Testamento e  no Salmo 69 aludem aos sofrimentos do Senhor na cruz, especialmente quando Ele passou pelo julgamento de Deus ao  ser feito pecado por nós. E permitido a Rute molhar seu pão  no vinagre. Isto não nos faz lembrar quando os filhos de Israel  passaram pelo Jordão e foram circuncidados (JS 4 e 5)? O Mar Vermelho simboliza a morte e a ressurreição do Senhor por  nós. E assim que entramos no deserto. O Jordão tipifica a nossa  morte e ressurreição com Cristo. Assim que o povo entrou na  terra prometida, eles precisaram ser circuncidados. A circuncisão não ocorreu no deserto. Quando nos apropriamos da morte e da ressurreição do Senhor e consideramos a nós mesmos  mortos e ressurretos com Cristo, então devemos ser circuncidados. Temos de aplicar de forma prática em nossa vida o fato de estarmos mortos e ressurretos com Cristo. Quando estamos na terra e somos circuncidados,  recebemos um alimento diferente. O maná cessa, e passamos a  comer pães asmos e grãos tostados Os 5:11-12). Foi isto o que  Boaz deu a Rute também. Simboliza o Senhor glorificado nos  céus, que é alimento para todo crente que agora se assenta com  Cristo nos lugares celestiais (Ef 2:6). Como são poucos os que realmente entendem isto em seu coração! São muitos os que  não passam além da Páscoa (Êx 12). (HEIJKOOP, HL – Estudos RUTE – Capítulo 2).

O Senhor nos chama para passar pela morte com Ele, e também ressuscitar e permanecer nos lugares celestiais com Ele. 

Aqui temos uma luz maior a esse respeito – da diferença da travessia do Mar vermelho e do Jordão. O Mar Vermelho é a obra completa do Senhor, e o Jordão representa minha identificação com o Senhor. Aqui no Jordão o processo tem uma participação minha. Para experimentar tudo que o Senhor tem para nós, precisaremos passar pela prova, deve ser experimental. Devemos molhar nosso bocado no vinagre. 

“Acheguemo-nos, portanto, confiadamente, junto ao trono da graça, a fim de recebermos misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião oportuna” (Hb 4:16).

Precisamos nos achegar realmente, não só ficar nos campos, mas nos achegar cada vez mais a Ele.

“Estando, pois, os filhos de Israel acampados em Gilgal, celebraram a Páscoa no dia catorze do mês, à tarde, nas campinas de Jericó. Comeram do fruto da terra, no dia seguinte à Páscoa; pães asmos e cereais tostados comeram nesse mesmo dia. No dia imediato, depois que comeram do produto da terra, cessou o maná, e não o tiveram mais os filhos de Israel; mas, naquele ano, comeram das novidades da terra de Canaã” (Josué 5:10-12).

Eles comeram pães asmos e cereais tostados, e ali cessou o maná. No deserto vivi sustentado pelo maná, tudo era obra da graça. Quando decido atravessar o Jordão, essa é a minha identificação com o Senhor, custe o que custar, apesar de não ser capaz, entro pela fé na terra de Canaã. Agora comerei dos grãos tostados, um novo alimento. O Senhor deseja nos dar outro alimento, muito mais sólido e variado, que é o fruto da terra. É o fruto descrito em Efésios e Hebreus 5:11-14, o alimento sólido. 

Muitos permanecem no leite espiritual porque não desejam atravessar o Jordão. Eles sabem que tem um preço, haverão inimigos, e se acovardam. O risco é os mais velhos se acostumarem com o deserto e ficarem por aí, sem desejar atravessar para a terra prometida. 

Referências:

Estudos sobre o livro de Rute – H. L. Heijkoop (Depósito de Literatura Cristã)
União com Cristo: Um vislumbre do livro de Rute – Christian Chen (Edições Tesouro Aberto)

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