Os benefícios do sofrimento

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“Os Benefícios do sofrimento” são extratos selecionados do capítulo 1, páginas 19 a 25, do livro “Autobiografia de Madame Guyon“, de Madame Guyon. Livro publicado pela Editora dos Clássicos.

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Madame Guyon (1648–1717)

“Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai de misericórdias e Deus de toda consolação! É ele que nos conforta em toda a nossa tribulação, para podermos consolar os que estiverem em qualquer angústia, com a consolação com que nós mesmos somos contemplados por Deus.
Porque, assim como os sofrimentos de Cristo se manifestam em grande medida a nosso favor, assim também a nossa consolação transborda por meio de Cristo.
Mas, se somos atribulados, é para o vosso conforto e salvação; se somos confortados, é também para o vosso conforto, o qual se torna eficaz, suportando vós com paciência os mesmos sofrimentos que nós também padecemos” (2 Coríntios 1:3-6).

“Respondeu-lhes José: Não temais; acaso, estou eu em lugar de Deus? Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem, para fazer, como vedes agora, que se conserve muita gente em vida” (Gênesis 50:19,20).

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Estou plenamente convencida de Seus desígnios para tua vida na santificação de outros, assim como para a tua própria santificação. Permita-me certificar-te de que isso não se obtém a não ser por meio de dor, sofrimento e labor, e será alcançado por meio de uma vereda que decepcionará profundamente tuas expectativas. Não obstante, se estiveres completamente convencido de que é sobre a esterilidade do homem que Deus edifica Suas maiores obras, estarás, em parte, protegido contra a decepção ou surpresa. 

O Senhor destrói para edificar, pois quando está prestes a edificar Seu sagrado templo em nós, Ele primeiro arrasa totalmente esse fútil e pomposo edifício que os artifícios e os esforços humanos erigiram, e, de suas terríveis ruínas, uma nova estrutura é formada, somente pelo Seu poder.

Ó, que tu possas compreender a profundidade deste mistério e aprender os segredos da conduta de Deus, revelado às criancinhas, mas ocultos aos sábios e grandes deste mundo. Estes se consideram conselheiros do Senhor, e acreditam ser capazes de investigar Seus métodos, supondo que obtiveram essa divina sabedoria, que de fato está oculta aos olhos de todos aqueles que vivem em si mesmos, e estão envoltos em suas próprias obras. Quem, por um vivo engenho e elevadas faculdades, sobe ao Céu e pensa compreender a altura, profundidade e largura de Deus?

Essa sabedoria divina é desconhecida, mesmo para aqueles que passam pelo mundo como pessoas de extraordinário conhecimento e iluminação. Quem, então, a conhece? Quem pode nos revelar algumas de suas incógnitas? É, portanto, morrendo para todas as coisas e estando desatentos a elas, seguindo adiante em direção a Deus, e existindo somente nEle, que chegamos a algum conhecimento da verdadeira sabedoria. 

Ó, quão pouco se sabe a respeito de Seus caminhos e de Sua conduta para com os Seus servos eleitos. Raramente descobrimos algo dela, mas, surpresos com a dissimilitude existente entre a verdade recém-descoberta e nossas prévias ideias acerca dela, clamamos junto a Paulo: “Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos!” (Rm 11:33).

O Senhor não julga as coisas como fazem os homens, quem chamam o mal de bem e o bem de mal, e têm por justo o que é abominável aos Seus olhos, coisas que, segundo o profeta, Ele considera trapos imundos. Deus submeterá a estrito juízo estes que se justificam a si mesmos, e, como os fariseus, serão maiores objetos de Sua ira do que objetos de Seu amor, ou herdeiros de Suas recompensas. (…) O Senhor se mostra severo somente com estas pessoas que se justificam a si mesmas. Que estranha paleta de cores Ele utiliza para representá-las, enquanto sustenta o pobre pecador com misericórdia, compaixão e amor, e declara que veio somente para ele, que era enfermo e necessitava de médico; e alega que só veio para salvar as ovelhas perdidas da casa de Israel.

Ó Tu, Manancial de Amor! Pareces de fato tão zeloso pela salvação dos que tens comprado que preferes o pecador ao justo! O pobre pecador, que se vê vil e miserável é, por assim dizer, forçado a detestar-se a si mesmo; e, contemplando que seu estado é tão horrível, se lança, em seu desespero, nos braços de Seu Salvador, mergulhando na fonte de cura e saindo dela “branco como a neve”. Então, perplexo com o exame de seu estado de desordem, transborda de amor por Ele, que tendo todo o poder, teve também a compaixão de salvá-lo – seu extravagante amor é proporcional à enormidade de seus crimes, e a plenitude de sua gratidão, à extensão da dívida perdoada.

Aquele que se justifica a si mesmo, apoiando-se nas muitas boas obras que imagina ter feito, parece segurar a salvação em suas próprias mãos e considera o céu como justa recompensa aos seus méritos. Na amargura de seu zelo, ele brada contra todos os pecadores como se as portas da misericórdia estivessem trancadas para eles, e o Céu fosse um lugar ao qual eles não têm direito. Que necessidade têm tais pessoas, que se justificam a si mesmas, de um Salvador? Elas já tem a carga de seus próprios méritos. Ó, quanto tempo carregam a carga lisonjeira, enquanto os pecadores, despojados de tudo, voam velozmente nas asas da fé e do amor para os braços de Seu Salvador, que de graça lhes concede o que gratuitamente prometeu!

Quão cheios de amor próprio são os que se justificam a si mesmos, e quão vazios do amor de Deus! Eles se valorizam e se admiram em suas obras de justiça, que acreditam ser uma fonte de felicidade. Tão logo essas obras são expostas ao Sol da Justiça, descobrem que todas estão cheias de impureza e infâmia, e isso lhes aflige sobremaneira. Enquanto isso, a pobre pecadora, Madalena, é perdoada porque ama muito, e sua fé e amor são aceitos com justiça.

O inspirado Paulo, que tão bem entendeu essas grandes verdades e tanto as investigou, assegura-nos que “isso [a fé de Abraão] lhe foi também imputado para justiça” (Rm 4:22). Isso é de fato precioso, pois é certo que todas as ações daquele santo patriarca foram estritamente justas; porém, não as vendo assim e estando livre do amor para com elas, despojado de egoísmo, permitiu que sua fé fosse estabelecida sobre o Cristo que haveria de vir. Esperou nEle mesmo contra a própria esperança, e isso lhe foi imputado para justiça (Rm 4:18,22), uma pura, simples e genuína justiça, produzida por Cristo, não uma justiça propriamente sua. 

Talvez penses que isso seja uma grave digressão, porém ela nos leva, inconscientemente, a Ele. Mostra que Deus realiza Sua obra em pecadores convertidos, cujas iniquidades do passado servem de contrapeso para Seu engrandecimento, pessoas essas cuja justiça própria Ele destrói, derrocando por completo o orgulhoso edifício que ergueram sobre um alicerce arenoso, e não sobra a Rocha – CRISTO.

A instauração de todos estes fins, para cujo propósito Ele veio ao mundo, efetua-se pela visível destruição da mesma estrutura que, na realidade, Ele erigiria. Por um meio que parece destruir Sua Igreja, Ele a estabelece. De que estranha forma Ele funda a nova dispensação que lhe dá Seu beneplácito! O próprio Legislador é condenado pelos versados e poderosos como um malfeitor, e morre uma morte ignonimiosa. Ó, que entendamos na íntegra quão oposta é nossa própria justiça dos desígnios de Deus – seria um assunto de humilhação sem fim, e deveríamos ter uma verdadeira desconfiança daquilo que, neste momento, constitui toda a nossa dependência. 

Partindo de um amor justo, próprio de Seu supremo poder, e de um zelo idôneo pela humanidade, que atribui a si mesma os dons que Ele mesmo concede, aprove a Deus tomar uma das mais indignas criaturas da criação para tornar conhecido o fato de que Suas graças são os frutos de Sua vontade, e não os frutos de nossos méritos. É próprio de Sua sabedoria destruir o que está construído com orgulho e construir o que está destruído; fazer uso de coisas fracas para confundir os poderosos e empregar para Seu serviço aquele que parece vil e desprezível.

Isso Ele faz de uma forma tão surpreendente que chega a transformá-los em objetos do escárnio e desprezo do mundo. Ele não faz deles instrumento para salvação de outros para atrair sobre eles a aprovação pública, mas para torná-los objetos de seu desgosto e súditos de seus insultos, como verás nesta vida sobre a qual tenho o encargo de escrever. 

Leia mais artigos selecionados da mesma autora aqui.


Jeanne Guyon (1648-1717)

Mais conhecida como Madame Guyon, foi levantada por Deus num contexto católico, em pleno século XVII, quando as nuvens da apostasia ainda eram densas, apesar da fresta de luz da Reforma. Deus a usou de forma especial para abrir caminho para a restauração da vida interior, da comunhão profunda com Ele através da oração, da consagração plena, da santificação e do operar da cruz. Seus inspirados escritos, especialmente gerados na prisão, influenciaram a muitos ao redor do mundo e a notáveis líderes, tais como o Arcebispo Fénelon, os Quakers, John Wesley, Zinzendorf, Jessie Penn-Lewis, Andrew Murray e Watchman Nee. Eles foram marcados por Deus através de suas mensagens. Muitas das verdades comentadas e vividas por eles tiveram origem, de alguma maneira, no que herdaram de Madame Guyon. 

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