Clifford Ogden
“Por que, pois, dizes, ó Jacó, e falas, ó Israel: O meu caminho está encoberto ao SENHOR, e o meu direito passa despercebido ao meu Deus? Não sabes, não ouviste que o eterno Deus, o SENHOR, o Criador dos fins da terra, nem se cansa, nem se fatiga? Não se pode esquadrinhar o seu entendimento. Faz forte ao cansado e multiplica as forças ao que não tem nenhum vigor. Os jovens se cansam e se fatigam, e os moços de exaustos caem, mas os que esperam no SENHOR renovam as suas forças, sobem com asas como águias, correm e não se cansam, caminham e não se fatigam” (Isaías 40:27-31).
“Descansa no SENHOR e espera nele” [Sl 37:7]. A Palavra não diz, ‘Descanse em indiferença’; nem ‘Espere pelos eventos’; mas diz: Descanse no Senhor, e espera Nele. Acredito que essa seja uma de nossas dificuldades, talvez uma das maiores delas: descansar no Senhor e esperar pacientemente Nele.
O Fator do Tempo e a Inquietação
Inquietação e preocupação são parte do espírito do mundo, mas que parecem ter se infiltrado no meio do povo do Senhor. Vemos tanta agitação e ansiedade, conduzindo à impetuosidade e precipitação. Tais coisas são produtos do tempo e são governadas por ele. Existe uma história de um visitante do Oriente, da China, que, depois de algum tempo, se dirigiu ao seu hospedeiro e falou: ‘Vocês acham estranho que nós, na China, tenhamos pequenos ídolos, deuses, que adoramos; mas vocês no ocidente têm um deus que adoram. Ele se senta sobre a cornija da lareira; suas mãos estão diante do seu rosto. Ele diz: Faça isso! e você tem que fazê-lo; Faça aquilo! e, novamente, você faz. Ele te diz quando comer, quando acordar de manhã e quando ir para a cama’.
Bem, há um lado bem-humorado nessa história, é claro, mas também há uma verdade nela. Como as pessoas são governadas pelo tempo! Podemos ter certas convicções, ideias de como as coisas deveriam ser; e como nos agitamos e nos preocupamos com elas. Em nossa última análise, a realização dessas ideias pode não ser em nosso tempo, mas será que isso tem importância? Quando D. L. Moody estava em seu leito de morte, um amigo lhe disse: ‘Você tem orado por fulano de tal por quarenta anos e suas orações não foram ouvidas; o que pensa disso?’ D. L. Moody responde: ‘Não, ele não foi salvo ainda, mas será.’ Isso não dependia da duração da vida de D. L. Moody, mas dependia do Senhor. Essas coisas que mencionei – inquietação, ansiedade, nossa impetuosidade e precipitação – são todas produtos do tempo. Descanso, confiança, segurança e paciência são a essência da eternidade. Nós nos agitamos, Deus nunca o faz. Deus nunca se apressa; nós sim.
Pressa é o Produto da Incredulidade
Isaías diz que a marca de um crente, um verdadeiro crente, é que ele “não se apressa” (Is 28:16 – ARC). Pedro disse que: “não será, de modo algum, envergonhado” (1 Pedro 2:6). O Salmista sabia que essas coisas eram associadas – pressa e vergonha: sem pressa, sem vergonha. “Aquele que crer não se apresse”. Assim a pressa é similar à incredulidade, e a incredulidade produz a pressa. Por que estamos tão apressados? Porque não cremos. Mas a fé gera confiança, segurança, esperança e realização. O Senhor Jesus nunca tinha pressa. Ao passarmos pelos registros de Sua vida, como nos impressiona a ausência de qualquer senso de urgência – Ele nunca se apressava. Deus é assim – Ele não está com pressa.
O Senhor Jesus desenhou esse forte contraste, comparando todos os outros com Ele mesmo, dizendo isso: “O meu tempo ainda não chegou, mas o vosso sempre está presente” (Jo 7:6). A linguagem é bastante arcaica, mas o que significa é: ‘Vocês estão sempre correndo!’ Quão freneticamente reagimos às situações – está na hora! está na hora! Precisamos fazer alguma coisa! O tempo está passado! O momento e oportunidade passarão, precisamos fazer alguma coisa! Enfatizo que pode até parecer que o Senhor não está preocupado: ‘Meu tempo ainda não chegou’. Vamos olhar para isso um pouco mais de perto por um momento, no incidente da ressurreição de Lázaro.
A Confiança Tranquila de Deus
Mesmo hoje, com todo o caos e incertezas do mundo – e quão incertas são as coisas do mundo – quando, como nunca antes, os homens bem poderiam dizer: por que Deus não faz alguma coisa? Deus disse, e ainda diz a seu filho: “Assenta-te à minha direita, até… que eu ponha os teus inimigos por estrado dos teus pés” (Atos 2:36). Ele não poderia ter feito isso logo depois da cruz? Não poderia ter feito isso pelo menos dois mil anos atrás? Ele não poderia fazer isso agora? Deus diz: “Assenta-te à minha direita, até…” Veja, não é o calendário que está deixando Deus esperando; Ele não trabalha segundo dias, tempos e estações, mas trabalha de acordo com estados e condições. Deus está fazendo alguma coisa, mesmo enquanto espera. Pode ser que, enquanto nós estamos preocupados, o Senhor esteja esperando até que paremos de nos preocupar, até que nossa ansiedade excessiva seja lançada sobre Ele e venhamos a nEle encontrar descanso. Ele está esperando que cheguemos a um lugar de tranquilidade Nele mesmo.
Impaciência é um Impedimento para Deus
Nossa impaciência não é meramente algo negativo quando alguma coisa está relacionada à Deus, mas também é um verdadeiro impedimento. Vamos voltar para as Escrituras e observar algumas das diversas ilustrações desse princípio:
(i) Abraão
É estranho associar Abraão com inquietação no Senhor – aflição – mas estava lá. Em muitas coisas ele descansou no Senhor. Basicamente, ele cria no Senhor, mas havia uma coisa, apenas uma coisa, e isso incomodava seu coração. “Respondeu Abrão: SENHOR Deus, que me haverás de dar, se continuo sem filhos… e um servo nascido na minha casa será o meu herdeiro” (Gn 15:2,3). Esse era o seu anseio: o desejo de Abraão por um filho. Conhecemos a história. Abraão não pôde esperar por Deus. Agitado por Sara, ele agiu. O tempo estava passando. Logo seria tarde demais; ele precisava fazer alguma coisa. E ele fez. Ele não podia esperar pelo Senhor. Ele foi retirado de seu lugar de descanso. Sua paciência havia chegado ao fim. Assim nasceu Ismael. Muitos conhecem a trágica história do Islã – a posteridade nascida da impaciência de Abraão. Ele não poderia esperar pelo Senhor – nem mesmo Abraão! Perceba, a impaciência de Abraão tinha a ver com aquilo que Deus havia lhe prometido. Oh, que problema Abraão causou ao Senhor por sua incapacidade de esperar pacientemente, e que problemas causamos nós ao Senhor! Isso pode estar relacionado até mesmo às coisas do Senhor, por não estarmos preparados para esperar. A questão em jogo no caso de Abraão era nada menos do que o grande propósito de Deus, pois ele era aquele a quem Deus chamara para iniciar Seu propósito eterno entre os homens: a Semente, que é Cristo, estava em vista; e Abraão não podia esperar. O fruto de sua impaciência foi Ismael; e se você quiser saber quantos problemas essa impaciência causou ao Senhor, leia a carta aos Gálatas.
(ii) Jacó
Jacó não pôde esperar pelo Senhor. Deus lhe dera promessas e colocou seu coração no cumprimento da aliança feita a Abraão; mas Jacó não podia esperar. A partir do momento em que ele fugiu pela sua vida, começa a triste história, através de todas as vicissitudes de sua permanência em Padã-Arã, anos de atividade febril, agitada e impaciente. Ele não podia esperar pelo Senhor. Quando volta ao Jaboque, ele tem que confessar: ‘Não obtive a bênção de primogenitura; não consegui nada’. Se fosse falar a verdade, ele diria: ‘Atrasei o Senhor; O segurei. Ele esteve esperando’. O Senhor estava esperando por ele em Jaboque – ainda esperando! (Gn 32).
(iii) Moisés
Moisés não pôde esperar pelo Senhor. Quando o povo veio pela segunda vez até ele, pela necessidade de água, Moisés saiu com Arão, pelo comando de Deus, e sua impetuosidade e impaciência o levou longe demais – ele ficou impaciente com o povo do Senhor. Ele gritou: “Ouvi, agora, rebeldes: porventura, faremos sair água desta rocha para vós outros?… feriu a rocha duas vezes com o seu bordão” (Nm 20:2-12). Apenas o ato de um momento, mas que o excluiu da terra! A impaciência pode ser momentânea, mas é algo terrível.
(iv) Arão
Arão estava entre aqueles que não podia espera. Moisés subiu ao monte para receber as tábuas da lei. No pé do monte, permaneceu Arão e o povo de Deus. As pessoas ficaram impacientes – “quanto a este Moisés, o homem que nos tirou do Egito, não sabemos o que lhe terá sucedido…” [Ex 32:1]. Eles não esperaram muito tempo! Arão é pego nisso; ele não podia esperar. E assim, de uma maneira muito fraca, ele cede ao povo, e o produto é o ‘bezerro de ouro’. Percebemos que Deus não desculpa Arão, e ao ler o texto novamente, vejo como ele parecia estar pouco disposto a ir em frente com o povo. Ele não desejava fazê-lo, mas ainda assim produziu o ‘bezerro de ouro’. Acredito que lá no fundo de sua mente tinha este pensamento: ‘Bem, afinal, existe a idéia do sacrifício, e se fizer isso em algo que as pessoas possam ver, não estarei fazendo nenhum mal! Descerei ao nível deles e os atrairei novamente!’ Note que ele disse, quando fez o ‘bezerro de ouro’: “Amanhã, será festa ao SENHOR” [Ex 32:5]. Mas o fato é que Arão não podia esperar o que estava acontecendo no monte, e sua impaciência o deixou fora da terra.
(v) Saul
Saul é o clássico exemplo da impaciência no Antigo Testamento: o homem que não podia esperar por Deus. Ele foi finalmente deixado de lado quando poupou Agague – em sua obediência incompleta. Mas, se você ler a história de Saul, verá que isso remete à bem antes disso, quando ele foi rejeitado para ser rei porque não podia esperar em Deus (1 Sm 13:8-14). Samuel evidentemente instruiu Saul a esperar até que ele viesse realizar as ofertas. Podemos visualizar a cena. Os dias se passando, o sétimo dia chegou, o anoitecer do sétimo dia e Samuel não chegou. Saul precisava fazer alguma coisa! Ele começa a se apressar, ficar ansioso, realiza a oferta, não pode esperar. Isso lhe custou seu reino!
(vi) Os Filhos de Israel
Eles não podiam esperar pelo Senhor. Isso está dito especificamente nos Salmos. O Salmista resume suas histórias assim: “As águas cobriram os seus opressores; nem um deles escapou” – isso se refere ao Mar Vermelho, certamente. Ele fez grandes coisas por eles – “Então, creram nas suas palavras e lhe cantaram louvor. Cedo, porém, se esqueceram das suas obras e não lhe aguardaram os desígnios” (Sl 106:11-13). Eles não podiam esperar. Repetidas vezes, no deserto, na história do Seu povo, descobrimos que eles eram um povo impaciente, despreparado para esperar no Senhor. Isso lhes custou sua herança. Como é importante esperar no Senhor! Impaciência custou aos filhos de Israel sua herança; eles perderam o seu lugar no propósito de Deus.
Ao Esperar, damos a Deus Sua Oportunidade de Agir
Por outro lado, não nos faltam ilustrações nas Escrituras a respeito do valor de esperar calmamente no Senhor. Escolhi algumas.
(i) Rute
Rute, a moabita. O conselho de Noemi para ela foi: “Espera, minha filha, até que saibas em que darão as coisas” (Rt 3:18). Espera no Senhor – e quão efetivamente ela o fez. Silenciosamente, com confiança, ela esperou por Boaz – colocou o assunto em suas mãos e esperou. Sua confiança e paciência deram a Deus Sua oportunidade, pois Rute se tornou, na providência de Deus, a bisavó de Davi, e Davi foi o “homem segundo o coração de Deus”, que trouxe o povo finalmente para a sua herança por meio de seu filho Salomão – pelo menos naquele tempo. Eles receberam a herança. No trigésimo sétimo Salmo, texto base da nossa leitura inicial, o Salmista menciona repetidas vezes sobre essa questão de herança: se esperarmos pelo Senhor, herdaremos. Rute esperou pelo Senhor.
(ii) Davi
Assim como Saul foi o exemplo clássico de impaciência, o bisneto de Rute, Davi, é certamente o exemplo notável de espera. Leia os seus salmos. Se ele não mencionar a palavra ‘esperar’ em um deles, você descobrirá que o espírito é o de esperar pelo Senhor. Há um salmo que foi escrito na sua hora mais sombria, quando estava na caverna (Sl 57; 1 Sm 22:1,2), quando tudo parecia sem esperança. Se você ler esse Salmo, descobrirá que ele respira essa atmosfera de descanso no Senhor. Davi era alguém que podia esperar no Senhor.
(iii) O Senhor Jesus
Mas, é claro, se quisermos ver isso a partir do ponto mais alto, melhor e completo, devemos chegar ao Senhor Jesus, o Homem que podia esperar por Deus – e Ele o fez. Ele poderia esperar até que parecesse tarde demais. Nosso problema é que colocamos nossa confiança e expectativa em um tempo, um lugar ou uma oportunidade. O Senhor Jesus não. Ele colocou sua confiança em Deus. O evento da ressurreição de Lázaro deixa isso bem claro (João 11). Olhe para o cenário ao Seu redor, olhe para a atmosfera em geral. “Se estiveras aqui…” [vs 21, 32] mas agora é tarde demais! muito tarde! Eles chegam ao túmulo, e ao ouvirem o comando, “Tirai a pedra…”, protestam: é tarde demais! A oportunidade acabou! Se você estivesse aqui!
Isso não é em grande parte nosso problema? Se… se… se… se apenas o Senhor fizesse isso… se apenas o Senhor fizesse aquilo… se Ele viesse justamente quando pensamos que deveria vir. Mas o Senhor Jesus não estava descansando nas circunstâncias, nem nos eventos, mas descansava em Seu Pai. Então Ele encara a situação impossível, do ‘tarde demais’, e Deus trabalha! Deus pode trabalhar se pudermos esperar.
Esperar em Deus não equivale a Indiferença
Quero deixar uma coisa muito clara, pois tenho certeza que em algumas mentes há algo assim: “Sim, isso é tudo muito verdade, está tudo bem, mas podemos esperar demais!” Esta espera pelo Senhor não significa que estamos inertes, indiferentes, desinteressados. Não estou dizendo que nunca haverá um tempo em que o Senhor dirá: Vá em frente. Ele o faz, Ele o fez com Moisés: “Por que clamas a mim? Dize aos filhos de Israel que marchem” (Êx 14:15). Quando o Senhor disser: Vá em frente, tudo bem! Permanecer quando Deus diz “avante” é incredulidade. Certamente o conselho de Isaías é verdadeiro e muito reconfortante: “Quem há entre vós que tema ao SENHOR e que ouça a voz do seu Servo? Aquele que andou em trevas, sem nenhuma luz, confie em o nome do SENHOR e se firme sobre o seu Deus” (Is 50:10). Quando não há indicação clara e definida do caminho, a coisa certa a fazer é esperar pelo Senhor, e não tentar pressionar a fim de remediar as coisas. Abraão tentou fazer isso, Saul também. A coisa certa a fazer é esperar pelo Senhor. “Espera pelo Senhor”. Quando o Senhor se mover, mova-se com Ele, mas se Ele não estiver se movendo, não se preocupe.
Esperar em Deus é Algo Ativo
A palavra “esperar” significa esperança – é uma palavra ativa e não passiva; significa “ter expectativa“, “esperar”, “buscar”, “alcançar”! Esta palavra ‘espera’ tem sobre ela a natureza do ativamente passivo.
O Senhor nos tem como aqueles que não se preocupam, mas descansam Nele, descansam no Senhor. Vamos encarar e resolver essa questão de uma vez por todas – o Senhor é capaz de fazer as coisas que desejamos ou não? Se Ele é, vamos descansar Nele; sair de nós mesmos para dentro Dele. Na linguagem do Novo Testamento: Vamos ‘permanecer em Cristo’. Ele disse: “Permanecei em mim” [Jo 15:4] e Ele nos assegura que, se fizermos isso, as obras se seguirão; o fruto seguirá.
“Espera pelo SENHOR,
Tem bom ânimo, e fortifique-se o teu coração;
Espera, pois, pelo SENHOR”.
(Salmo 27:14)
Tradução de texto homônimo de Clifford Ogden, publicado na revista “Uma Testemunha e Um Testemunho” de Jan-Fev de 1960. O irmão Clifford Ogden foi um colaborador do irmão T. Austin-Sparks.