Permanecendo Firme no Senhor

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Harry Foster

“Fizeram também de madeira de acácia as tábuas para o tabernáculo, as quais eram colocadas verticalmente” (Êxodo 36:20).

“Disse Elias: Tão certo como vive o SENHOR dos Exércitos, perante cuja face estou…” (1 Reis 18:15).

“E permaneceu cada um no seu lugar ao redor do arraial” (Juízes 7:21).

O Tabernáculo representava a totalidade, a soma do povo de Deus em sua vida conjunta em Cristo. Ele era, entretanto, uma instalação móvel, sem fixação permanente, pois era montada, desmontada, e então novamente montada e desmontada parte a parte, de acordo com as jornadas do povo, que eram determinadas pela vontade de Deus. Cada momento que essa desmontagem acontecia, havia um momento quando a natureza essencial da instalação era descoberta, e então era possível ver que ela consistia em tábuas – tábuas que permaneciam em pé, na vertical.

Quando as quatro cobertas exteriores que camuflavam o Tabernáculo eram removidas, a estrutura essencial era vista, e era feita de três paredes de madeiras com suas cortinas. Depois que as cortinas eram retiradas, podia-se ver fileiras de tábuas sustentadas juntas por meio de várias barras que corriam horizontalmente por dentro das tábuas, a fim de mantê-las juntas. Ao desmantelar o tabernáculo, tais barras eram removidas, mas é importante perceber que, quando isso acontecia, as tábuas não desmoronavam, mas permaneciam de pé. Mesmo quando as suas conexões eram removidas e todos os suportes exteriores eram retirados das tábuas individuais, elas não caíam.

Uma por uma as tábuas eram retiradas e preparadas para a jornada, até que finalmente ficava apenas uma tábua de pé. Não era necessariamente a mesma tábua em todas as ocasiões, mas sempre havia um momento em que permanecia apenas uma e, naquela hora, isso era tudo o que se podia ver da representação do Tabernáculo, a representação da Casa de Deus – apenas uma tábua. Entretanto, é importante notar que ela ainda permanecia de pé. “Fizeram também de madeira de acácia as tábuas para o tabernáculo, as quais eram colocadas verticalmente”. Assim, com a cobertura tirada, a separação e sua redução ao mínimo, tornava-se visível o segredo oculto da construção de Deus, que são tábuas capazes de sempre permanecer de pé.

A Preparação das Tábuas

Cada tábua, é claro, tinha sua própria história, assim como cada participante da história da Casa espiritual de Deus precisa ter uma história pessoal sob as mãos do Senhor. Era uma história de separação, porque a árvore outrora havia crescido sobre suas próprias raízes e dependia delas para sua vida e suporte. Ela pode ter sido uma boa árvore, com bastante estabilidade, mas, enquanto permanecia por sua própria virtude e força natural, não havia lugar para ela no edifício de Deus. Sua natureza, entretanto, foi trabalhada com severidade, até que impiedosamente, o machado abateu a árvore de seu próprio suporte e a deixou prostrada e desamparada. Mas esse não era o fim da história, o processo de corte precisava continuar, reduzindo e dando forma à madeira, até que estivesse adequada à tarefa sagrada para a qual tinha sido escolhida.

A aplicação espiritual desse processo de corte e modelagem é familiar para nós. Sabemos que não teremos um lugar vital nos propósitos de Deus, até que a faca afiada da Cruz tenha feito sua obra. É essencial que saibamos, por meio da nossa experiência pessoal, o que é sermos cortados de nossos próprios recursos naturais, removidos da esfera do que somos como homens. Também é essencial para o Senhor que Ele seja capaz de nos reduzir e moldar de acordo com Seu propósito. Não podemos fazer isso por nós mesmos, mas podemos reconhecer nossa necessidade e cooperar com o Senhor em humilde fé e paciência, à medida que Ele trabalha em nós. No caso da tábua, aquela era uma obra feita de uma vez por todas. No nosso caso, a obra da Cruz precisa ser contínua a todo tempo. Somente quando chegarmos à glória, seremos capazes de declarar que essa obra não será mais necessária.

Redução é, certamente, a parte negativa dos tratos de Deus conosco, mas tudo é realizado com o propósito positivo de nos tornar aptos para a obra em curso. Cada uma das tábuas foi feita para chegar à medida de um certo padrão e, diante das aparências, elas eram todas iguais e de acordo com as medidas divinas. Na obra espiritual, devemos entender que Deus não deseja produz uniformidade externa, esse não é o Seu propósito. Para nós, o padrão divino é uma questão interior, mas não existe nada acidental sobre isso, porque a medida divina é a medida de Cristo. Esse é o objetivo positivo que o Pai tem em vista em todos os Seus tratos conosco: Ele está nos conformando com Seu Filho.

Então, as tábuas eram completamente cobertas com ouro. Isso, é claro, tinha o efeito de dar a elas um valor que era completamente além delas mesmas, uma glória que não lhes pertencia por natureza. Essa é outra importante característica da vida em Cristo, a concessão das glórias da própria natureza de Cristo sobre nós. Ouro sempre representa a própria natureza de Deus. Cristo, como o verdadeiro Filho do Pai, é puro ouro. Pela Sua obra redentora, Ele proveu esse dom a nós de Sua própria vida. A humilde e comum árvore poderia apenas prover uma tábua humilde e comum, mas o glorioso ouro, com Sua beleza, dá um significado e um valor inteiramente novos a ela. Assim é conosco. Os verdadeiros valores espirituais das nossas vidas são aqueles que recebemos pela fé como dom de Cristo. Quando permanecemos firmes como as tábuas douradas na casa de Deus, o testemunho é: “Não é o que eu sou, ó Senhor, mas o que O Senhor é”.

Menção seja feita à altura uniforme das tábuas, que era de dez côvados. Parece que nas Escrituras o número Dez fala de responsabilidade sob provação. Nos lembramos do jovem Daniel, quando ele se posicionou pela primeira vez no Nome do Senhor e pediu um teste de dez dias para provar o valor prático de sua vida de separação [Dn 1:12]. No Novo Testamento temos Dez virgens, Dez minas e dez dias de tribulação para a igreja fiel de Esmirna. Então, a expressão “ser colocada verticalmente” [ou “de pé”, conforme a tradução da versão ARV] também representa aqueles que podem suportar a responsabilidade e permanecer no teste do tempo. Esse é o tipo de material que Deus usa para Sua edificação.

O Chamado de Deus para Nós

O desafio desse simbolismo é muito simples, mas também muito penetrante. Isso quer dizer que preciso encarar a pergunta do que aconteceria no meu caso, se todas as coberturas e suportes fossem retirados, se fosse subitamente abandonado até mesmo por aquelas ajudas dadas por Deus para força e unidade, sendo deixado sozinho. Eu seria uma tábua solitária. Sim, mas ainda estaria de pé? Esse seria o teste final.

Todos estamos sendo testados, não há como duvidar disso. O povo de Deus está passando por toda a sorte de experiência estranha e dolorosa, e temos maiores indicações de que elas irão aumentar. Tudo isso significa que nossa vida pessoal com Deus está sendo exposta a todo tipo de teste, e se somos elementos dignos de Sua edificação, é esperado que sempre sejamos encontrados de pé, mesmo que pareça que estamos sozinhos.

Não é suficiente ter sido cortado e moldado corretamente como uma tábua. Não é suficiente ter sido coberto de ouro e estar radiante de Sua glória. É essencial que permaneçamos de pé. A obra de satanás tem por objetivo nos abalar, nos trazer ao colapso e confrontar o Senhor com o triste espetáculo de tábuas prostradas, derrubadas diante das artimanhas e ameaças do maligno. Mesmo Elias, capaz de declarar tão ousadamente que foi o homem que permaneceu diante do Senhor, ficou em um momento tão abatido, desencorajado e tão abalado com os tratos estranhos de Deus com Ele, que foi encontrado deitado sob um zimbro. Ele permaneceu firme por muito tempo, e então desmoronou. Por que? Em grande parte porque olhou para o resto do povo que estava todo abatido, em incredulidade e medo. Não havia ninguém para se manifestar em seu apoio. Ele parece ter dado lugar à auto-comiseração, porque reclamou com o Senhor, dizendo: “Eu fiquei só” (1 Rs 19:10). Isso não era de fato verdade. É raramente verdade que os servos de Deus estejam tão sozinhos quanto parecem. Mas, mesmo que isso fosse verdade, não havia razão para que Elias se abatesse como os demais. Não existe razão para permitir que nossas dificuldades e a aparente falta de suporte dos outros nos levem ao colapso. Sua Casa é feita daqueles que sabem como permanecer – se necessário até mesmo sozinhos.

É bem verdade que na experiência normal das tábuas do Tabernáculo, elas eram todas colocadas juntas pelo suporte das travessas. Essas barras davam solidez e força para a estrutura, e geralmente acredita-se que tipificam os fatos espirituais que vinculam os filhos de Deus um ao outro, em sua vida de Fé. Precisamos dessas ajudas divinamente concedidas, e fazemos bem em usar plenamente todas elas quando possível. Apesar de ser essencial que aprendamos a permanecer juntos, é igualmente verdade que no Senhor podemos permanecer sozinhos.

Vida de comunhão é uma provisão divina, e é quase impossível exagerar na importância disso em nossa vida espiritual. Precisamos uns dos outros, e o Senhor precisa que reconheçamos e mantenhamos a unidade daquilo que Ele proveu. Mas cada bênção espiritual traz consigo um perigo espiritual correspondente. O grande perigo da comunhão é que a usemos da forma errada e nos apoiemos um no outro, ao invés de nos apoiarmos no Senhor. Não existe um substituto para a vida pessoal com o Senhor.

A verdade é que a vida de comunhão é apenas forte quando os componentes individuais são, eles mesmos, arraigados e fundamentados em Deus. Não é difícil encontrar, tanto no Antigo com no Novo Testamento, exemplos daqueles que fizeram uma grande contribuição à vida corporativa do povo de Deus, apenas por terem sido capazes de permanecer sozinhos. Israel foi salvo porque, num momento crítico, Gideão e seus homens permaneceram firmes em seus lugares, destemidos, apesar das grandes chances dos adversários contra eles. A vida espiritual do povo de Deus foi mantida por poucos fiéis nas vigílias da noite, que permaneceram diante do Senhor na obra intercessória do santuário. Que importância está atrelada ao simples fato de que as tábuas individuais muito contribuem para o todo, porque foram colocadas de pé!

Permanecendo na Redenção

Olhando mais um pouco para as tábuas do Tabernáculo, veremos que, apesar de elas terem sido cortadas de suas prévias raízes naturais, não ficaram sem raízes, muito longe disso. As tábuas não teriam ficado de pé por muito tempo se não tivessem sido equilibradas, especialmente porque teriam que se equilibrar na areia. Não, elas não foram tiradas das suas raízes naturais para ser deixadas em condição instável e precária, mas a cada uma foram dados dois encaixes de prata sólida. Prata nos lembra da redenção, e nenhum de nós pode permanecer firme nos propósito de Deus a não ser que esteja fortemente sustentado pelo poder redentor de Cristo. As tábuas foram moldadas de tal maneira que cada uma delas tem seus próprios meios de penetrar naqueles encaixes, e assim, se apropriar de sua força. Cada tábua tinha seu próprio encaixe. Não havia uma barra longa de prata com encaixes para cada tábua, mas havia um bloco separado com duas “mãos” ou cavilhas para cada tábua. Aqui, então, residia o segredo da estabilidade de cada tábua: cada uma delas tinha seu sólido fundamento e seu enraizamento individual naquela fundação.

Redenção significa que nós não pertencemos a nós mesmos, fomos comprados. Deixe que as mãos da fé alcancem bem fundo essa gloriosa verdade e então saberemos, por nós mesmos, da realidade de sermos comprados por Deus para Si mesmo, e descobriremos estabilidade mesmo em meio as areias do deserto. Se um grupo de cristãos permanecer nessa gloriosa verdade e, ao mesmo tempo, permanecer juntos nela, Deus terá um lugar de habitação entre eles.

Tradução do texto de Harry Foster publicado na Revista “Uma Testemunha e Um Testemunho” em 1965.

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