Os Dois Caminhos – Vida ou Morte

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T.Austin-Sparks

“Aconteceu que no fim de uns tempos trouxe Caim do fruto da terra uma oferta ao SENHOR. Abel, por sua vez, trouxe das primícias do seu rebanho e da gordura deste. Agradou-se o SENHOR de Abel e de sua oferta; ao passo que de Caim e de sua oferta não se agradou” (Gênesis 4:3-5).

“Vê que proponho, hoje, a vida e o bem, a morte e o mal” (Deuteronômio 30:15).

“Porque o pendor da carne dá para a morte, mas o do Espírito, para a vida e paz” (Romanos 8:6).

Analisando o aspecto da lei da vida em Caim e Abel, vemos o princípio da vida se manifestando por meio de contraste e conflito. Não me refiro à vida humana natural, mas à vida Divina, espiritual, representada pela linha da vida de Abel. Percebemos um antagonismo, porque assim que a vida de Deus for encontrada em qualquer lugar, um conflito se manifestará.

Na esfera dos tipos, a linha vida é encontrada em Abel e a linha da morte, em Caim. Qual é a diferença entre essas duas linhas?

Se olharmos superficialmente para Caim, vamos chegar a diversas conclusões, que podem parecer corretas e verdadeiras. Ele não ignorou nem se opôs a Deus, ao contrário! Ele O reconheceu como objeto de adoração. Como ato de adoração, Caim trouxe a Deus o melhor do que conhecia e possuía. Nessa esfera, o que ele trouxe era bom aos seus próprios olhos e que lhe havia custado um alto preço. Precisamos reconhecer que não é fácil compreender a diferença entre morte e vida. Não podemos dizer que o caminho da morte será necessariamente marcado pelos mais odiosos atos contra Deus. Não podemos supor que esse caminho seja necessariamente antagônico a Deus, ou que O ignora, recusando admitir Sua existência. Não é necessário nada disso para estar nesse caminho da morte. O caminho da morte é algo muito mais profundo e sutil do que isso. Caim trouxe o fruto de sua vida natural, e esse foi o coração do problema.

Já a atitude de Abel era de que precisamos morrer para viver. Não temos nada aceitável para trazer diante de Deus. O que temos é uma vida a ser repudiada. Abel reconheceu o pecado, e viu que a alma pecadora deveria ser derramada na morte, não a oferecendo a Deus. Ele não ofereceu suas obras nem seus frutos.

Sob a ótica de de Caim, a alma procura ser aceita com base no que ela considera ser o melhor. Pela ótica de Abel, a alma precisa morrer para ela mesma.

Veja o caso de Cristo Jesus e os Judeus. Os judeus adoravam a Deus e assassinaram Jesus. Essa é uma terrível combinação. Seu louvor a Deus visava a sua própria glória e suas obras eram focadas nos seus próprios interesses. Eles adoravam para chamar atenção para si mesmos e faziam do louvor uma ocasião de auto-glorificação.

Jesus estava sempre em oposição a eles. O Senhor adorava, mas por meio de uma vida completamente entregue a Deus. Ele adorava por uma vida governada pela própria natureza de Deus. O que Deus demanda de um adorador? Certas formas? Ele demanda que a vida seja entregue como um testemunho contra o pecado. A vida do Senhor Jesus tem vários aspectos, e esse é um dos mais vitais. Houve uma entrega de Sua vida como um testemunho contra o pecado.

Seria impossível ter qualquer comunhão com Deus onde houvesse pecado. O que faremos em relação a isso? Se não podemos limpar o pecado, o que deve acontecer conosco? Não conseguimos tirar o pecado, mas precisamos morrer e podemos ter Cristo tomando o nosso lugar. “Estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim” (Gálatas 2:19,20).

Vemos essa obra em Abel. É claro que Abel não entregou sua vida. Aí vemos onde o tipo falha, mas o princípio é o mesmo. A morte de Abel é um testemunho contra o pecado: “a voz do sangue do teu irmão clama…” (Gênesis 4:10).

Vemos um conflito. Em Caim temos a linha da morte, cheia de louvor, de reconhecimento de quem é Deus, de dons e de coisas esplêndidas. Temos também a linha da vida em Abel, que consiste em uma oferta, não de coisas, mas de si mesmo sobre um altar. Seu veredicto é que a criatura deve morrer.

A Esfera do Conflito

O Combate entre Dois Reinos

Esse conflito opera em duas esferas. Primeiro, na esfera que está entre Deus e satanás. Esse é o ponto mais claro e simples e, nessa batalha, todo filho de Deus entra assim que nasce de novo. Logo que nascemos de novo, somos cheios de alegria e, então, voltamos para nossa vida no mundo, e logo descobrimos que as pessoas não estão tão felizes. A resposta a nossa nova situação é uma atmosfera muito estranha, um certo antagonismo sem uma razão específica. Você não precisa falar nada, está ali.

O Próprio Homem é o Verdadeiro Campo de Batalha

Existe outra esfera de batalha. Há um conflito interior que nasce entre o que é de Deus e o que é do ego. A batalha é o próprio homem, e ali ela passa a ser muito feroz. Muitos de nós reconhecem rapidamente a diferença entre os dois reinos no combate exterior, entre nós e aqueles que não são por Deus. Mas, quando as coisas entram no nível interior, é bem mais difícil lidar com isso, porque não compreendemos bem essa diferença. Encontramos um conflito entre nós mesmos, e ele é precipitado na própria vida interior dentro de nós. É o desenrolar da vida em Cristo Jesus.

Porque a carne milita contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer (Gálatas 5:17).

Temos a carne e o Espírito, o novo e o velho homem. O coração de tudo é que a batalha real é entre a alma e o espírito. Não podemos simplesmente dizer que a alma é carne. Devemos ser cuidadosos. Não podemos matar a alma, pois ela não é errada em si mesma. O Senhor diz que existe uma alma a ser ganha (Lucas 21:19). Então percebemos que a natureza da queda foi uma violação do espírito por parte da alma.

Temos um conflito entre esses dois homens: entre a alma e o espírito. Temos o pensamento de Deus em conflito contra os nossos pensamentos; os arrazoamentos de Deus contra os nossos; a vontade de Deus combatendo contra a nossa; os sentimentos, afeições e desejos de Deus confrontando com os nossos. Esses dois lados entram em confronto no homem regenerado. Não estamos falando do homem fora de Cristo, mas do homem carnal. O homem carnal é o Cristão em quem existe carne, e que é impulsionado por ela.

A alma é o lugar onde a carne reside, porque a carne, no sentido espiritual (não no físico), é uma coisa negativa e maligna. Ela tem vontade própria, tem controle de si mesma e é influenciada por satanás. Essa é a carne. É ela que milita contra o Espírito. Sabemos quanta coisa no Novo Testamento nos instrui sobre a carne indicando-a como algo maligno. Ela está residente na alma. O espírito nascido de novo se torna um vaso para a habitação daquilo que é de Deus.

Temos um conflito armado. A vontade de Deus não é que esse conflito se perpetue ao longo de nossa vida espiritual. Ele deve cessar.

A Lei da Vida Demanda um Andar após o Espírito

A aspecto básico do assunto que estamos tratando é que a lei da vida demanda um curso do espírito e não da carne, nem da nossa própria alma. Essa é a diferença entre Caim e Abel. Sim, Caim era um homem religioso, estava adorando a Deus e trouxe algo para oferecer a Ele. Era algo bom e precioso aos seus próprios olhos, que teve um alto preço para ele. Caim, nesse caminho, estava convicto de que Deus precisava ser adorado, mas seu entendimento estava obscurecido, assim como muitas vezes fica o entendimento de nossa alma. Sim, por natureza, não compreendemos os pensamentos de Deus.

Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente (1 Coríntios 2:14).

Assim, Caim, apesar de sua devoção, adoração e religião, estava ainda em trevas no seu entendimento – seu alvo e idéias estavam errados. Por isso, nada passou pela prova do altar. Deus não aceitou a oferta de Caim. Os Judeus permaneceram nessa posição e, como prova disso, eles assassinaram o Senhor Jesus, assim como Caim fez com Abel.

Desafie o louvor dos adoradores da alma, do povo religioso que não é espiritual, e você encontrará cólera. Eles não suportam interferência, desafio ou qualquer coisa que toque em seus rituais. Você pode falar o que for com um verdadeiro adorador, que adora em espírito e em verdade, e não encontrará o espírito do assassino se levantando. Como Abel, alguém assim entregará a sua vida, até mesmo nas mão dos adoradores religiosos. Essa é a grande diferença entre a alma e o espírito.

Esse é o selo e a marca de Deus, do que é Dele e é aceitável a Ele – a vida está na linha do que é do espírito. A religião pode até ter as formas exteriores parecidas com as de Deus, mas não será menos mortal. Ela não passará pela prova do altar. A alma não é algo ruim, mas governar não é uma prerrogativa dela. Quando ela toma a dianteira, o ego assume o governo, então as obras passam a ser advindas de nós mesmos e não mais são originadas de Deus, por meio de nosso espírito.

Que ninguém pense, nem por um momento, que quando chegarmos ao nível da vida no espírito, que nada mais partirá de nós mesmos. Muitas pessoas pensam que não haverá mais boas obras a partir daí, nenhuma atividade. A única diferença que acontecerá, será o tipo de atividade. Você não fará menos, fará diferente. Entretanto, apesar de ser diferente, no fim, terá mais ganho do que em todas as atividades “auto-promovidas” para Deus. As profundidades ocultas em tudo devem ser direcionadas para Deus, e não para nós mesmos. Não sabemos quão profundamente arraigadas no ego estão nossas almas. Só descobriremos um pouco disso quando não mais fizermos a obra e Deus colocar Suas mãos sobre nós e disser: ‘Pare de fazer algo por um mês ou dois’, nos deixando assim sem ação. Então descobriremos o quanto de auto-gratificação estava envolvido no que fazíamos. Quando perdemos nossa gratificação, não tendo mais nada para substituí-la, descobriremos que o Senhor quer tirar nosso prazer nas “coisas” e “feitos”, e deseja tornar Ele mesmo nossa gratificação. Fazendo algo ou não, se tivermos o Senhor, estaremos satisfeitos. Esse é o cerne da questão.

Nossa almas devem ser trazidas ao ponto onde Deus é nossa única gratificação. Por meio de muitas lágrimas chegaremos lá, e então essas lágrimas serão tiradas. Não se esqueçam que essas lágrimas nos levarão a algum lugar, elas estão ligadas aos processos e passarão.

É na vossa perseverança que ganhareis a vossa alma (Lucas 21:19).

Nosso entendimento precisa ser iluminado, para que, ao invés de trilharmos o caminho de Caim, que é o caminho da alma, possamos viver uma vida no espírito. Ninguém vivendo pela vida da alma irá admitir que está buscando tudo para si mesma. Esta é a coisa mais difícil para qualquer pessoa aceitar, mas essa é a natureza da vida da alma. A vida no espírito é exatamente o oposto. O espírito está sempre vivendo em direção a Deus. O Senhor Jesus derramou Sua alma na morte e entregou Seu espírito a Deus [Is 53:12 / Sl 31:5 / Lc 23:46].

A vida da alma precisa ser subjugada e a vida do espírito deve ser elevada. Onde quer que a vida da alma governe, haverá morte. Pode haver muita emoção, sensações, coisas prazeirosas, atividades, mas o final delas é morte. Mas se a vida espiritual governar, haverá vida!

Haverá conflito, mas quando meu entendimento for iluminado, verei que esse combate é entre “eu mesmo”, do lado da minha alma, e “eu mesmo”, no lado do espírito. Entre o que é “propriamente meu” e o que é “de Deus em mim”. É uma casa dividida contra si mesma – ela não prevalecerá. Esse não é o propósito de Deus. Existe um caminho de saída. Vamos andar no Espírito, ter nossa vida em Deus e não em coisas. Não confiaremos na falsidade da nossa vida natural. O Senhor é vida e também é luz.

Que possamos buscar do Senhor o sentido claro disso tudo.

Baseado no capítulo 2 do livro “The Law of the Spirit of Life in Christ Jesus”, de T. Austin-Sparks, publicado pela Emmanuel Church.

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