A Coisa Mais Difícil do Mundo – Parte 1

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T. Austin-Sparks

“Temamos, portanto, que, sendo-nos deixada a promessa de entrar no descanso de Deus, suceda parecer que algum de vós tenha falhado. Porque também a nós foram anunciadas as boas-novas, como se deu com eles; mas a palavra que ouviram não lhes aproveitou, visto não ter sido acompanhada pela fé naqueles que a ouviram” (Hb 4:1,2)

LEITURA : Hb.4:1-13; 11:5-6.

Vou falar sobre a coisa mais difícil do mundo, e me refiro à fé. No que tange o povo do Senhor, podemos verdadeiramente afirmar que toda a sua vida, em todos os aspectos, tudo é solucionado por uma coisa, e que essa coisa é a fé. Desde a salvação em seu primeiro passo, e em cada passo subsequente, no processo de crescimento espiritual, na obtenção de alimento espiritual, na vitória espiritual, no serviço espiritual, na comunhão com o Senhor e na glória final que aguarda a todos nós, temos a necessidade do elemento de fé.

A fé é a chave para tudo em nossa relação com o Senhor. Tudo é uma questão de fé – não a fé como algo em si, mas a fé em Deus. Isso é algo que tem de ser encarado e, tanto quanto possível, estabelecido; mas não é uma coisa que seja resolvida de uma vez por todas. Estamos sendo continuamente confrontados com esta questão; quando enfrentamos novas situações, provações, perplexidades e contradições aparentes. Vou crer em Deus ou não, vou repousar minha fé nEle ou não, vou confiar no Senhor ou não? Isso é verdade em toda a nossa caminhada, e sempre será assim. Às vezes esses testes são muito, muito agudos e severos.

Um irmão me escreveu esta semana, alguém que tem sido muito usado pelo Senhor em outras terras, bem como na sua terra natal, alguém que realmente conhece o Senhor, e tem uma caminhada muito real com Ele, e que acabou de escrever isso em sua carta: “Às vezes parece que o Senhor está a milhares de quilômetros de distância e não tem qualquer interesse em mim. Às vezes parece que Ele me cortou.” Alguns de vocês podem pensar que isso é um pensamento muito extremo, alguns não. Você sabe muito bem que tais experiências são verdadeiras na vida de um filho de Deus. Acredito que isso é algo deve ser enfrentado. Essa é a vida para a qual somos chamados. O Senhor não cobriu, não velou, escondeu isso de nós. Somos chamados para uma vida de fé, e melhor é enfrentar isso. Então devemos, na medida do possível, se vamos ter que passar por isso, ter isso bem estabelecido interiormente. Repito mais uma vez que não há nenhuma etapa, fase ou aspecto da vida do filho de Deus, desde primeiro até o último, desde o início até o fim que não seja uma questão de fé. Bem, isso é um fato, e vamos ser sinceros sobre isso, e muito francos com nós mesmos. Essa é a situação. Vai ser uma grande ajuda para nós se encararmos isso diretamente e logo, não tentado fugir, mas aceitado a situação.

A Chave para a fé

Mas queremos chegar dentro dessa questão de fé, e aqui está a carta aos Hebreus, que é, como se sabe, do início ao fim, uma carta sobre a questão da fé. Temos uma pista muito útil e chave para a fé. É no quarto capítulo. Você pode não pensar que isso é realmente uma questão de fé porque não parece encontrar-se logo de cara, mas quando você examina o texto, descobre que é isso que está sendo referido – em uma linguagem estranha, um pouco técnica – “Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até à divisão da alma e do espírito”.

Você vai notar que essa afirmação começa com um ‘porque’, e esse ‘porque’ nos conecta a Israel no deserto deixando de entrar no descanso. É dito que o Evangelho foi pregado a eles, mas a palavra falada não se aproveitou, por não ser misturada ou unida a FÉ. A palavra não se aproveitou, por não estar unida a FÉ. Então, em seguida, “jurei na minha ira: Não entrarão no meu descanso”.  Eles não puderam entrar nesse descanso por causa da incredulidade. Então, vemos mais sobre o descanso e a incapacidade deles de entrar nele, e depois: “Porque a palavra de Deus divide entre a alma e o espírito”. Esta é a chave para a fé, ou uma chave para a fé. O que é isso? É a conquista da alma, e isto é dito como que para explicar toda a falha deles no deserto, e a subsequente questão de eles não entrarem no descanso.

Você sabe o que a alma é. Não vou gastar muito tempo com a alma e o espírito. O que sabemos nesta matéria é que a alma é a vida consciente de si mesma. Por nossas almas estamos conscientes de nós mesmos, das outras pessoas e de todo o mundo de coisas daqui. O espírito é simplesmente a vida consciente de Deus. No nosso espírito somos conscientes de Deus, que é Espírito, e tudo relacionado a este reino. A vida consciente de si mesma e vida consciente de Deus. Por estas duas vidas não estarem definidas, separadas e suas diferenças não serem reconhecidas pelo povo de Israel, por sua sobreposição ter sido permitida, isso provocou um estado de confusão, e eles não entraram no descanso. Eles falharam por causa da incredulidade.

Bem, a que isso equivale? A vida consciente predominou, e a vida consciente de Deus não predominou, mas ficou sujeita e subserviente. Em outras palavras, para eles, tudo era uma questão de como o “eu” era afetado pela situação e pela própria perspectiva. Você os encontra cheios de entusiasmo, cheios de zelo, cheios do que parecia ser um interesse real nas coisas do Senhor. Ah, sim, eles foram em frente, e estavam cheios de uma aparentemente verdadeira devoção ao Senhor. Mas isso aconteceu quando a situação era agradável a eles, e quando a perspectiva apresentada trazia um grande senso de possibilidades, perspectivas, e satisfação pessoal. “Oh, isso é bom, isso é ótimo; conte-nos mais sobre esta maravilhosa terra para a qual estamos indo, continue a nos falar sobre todas as suas maravilhas gloriosas e recursos; vá em frente, estamos muito interessados ​​nisso, estamos comprometidos com isso!” Mas era tudo no nível da alma, da consciência de si mesmo, do interesse próprio, da esfera da gratificação pessoal. Quando surgia alguma situação, presente ou futura, que era relacionado ao negar a si mesmo, a necessidade de sacrifício, abandono os próprios interesses, ou o prospecto de ter que enfrentar uma situação muito difícil, muito custosa para eles, aí emos que eles não estavam tão interessados​​. Naquele momento seu zelo se foi, e a incredulidade se levantou. Na verdade ela já estava lá, e se levantou. Eles não estavam tão preocupados com o agora, o agora não era do interesse deles. Para quem era o agora? Era para o Senhor SOMENTE e em primeiro lugar, e os interesses deles foram totalmente eclipsados. Eles só entrariam em sua herança, quando o Senhor tivesse a Sua. O Senhor em primeiro lugar: “Buscai primeiro o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mateus 6:33), e esse colocar o Senhor em primeiro lugar, muitas vezes significava um desapego de tudo que é pessoal.

Não chegamos direto ao coração do problema? O que é decepção para nós? Podemos dizer que uma decepção com o Senhor e Suas coisas ocorre porque nós desejávamos tanto que o Senhor tivesse o que Ele queria, independentemente dos nossos interesses; e estávamos tão preparados para deixar tudo para trás, mas NÓS não estávamos diretamente envolvidos na situação? Não! É necessário um instrumento muito afiado para penetrar entre essas duas vidas [alma e espírito] e as definir, porque elas estão tão misturadas… Não é verdade que a fé vacila, enfraquece e frequentemente sucumbe quando vemos no caminho dos interesses do Senhor que NÓS somos totalmente excluídos?

Qual é a chave para a fé, então? A chave para a fé é esta divisão da alma e do espírito, ou, em outras palavras, é a abnegação completa de interesses próprios. Não falo isso no sentido budista de auto-aniquilação, mas no sentido em que os interesses de Deus se tornam positivos e predominantes em nossa visão. É aí que a batalha da fé se enfurece; seu furor sempre é sobre esse terreno. Se estivéssemos tão completamente [e nenhum de nós realmente é] consumidos pelos interesses do Senhor, e nenhum outro interesse em nossas vidas tivesse qualquer precedência ou poder para nos governar, estaríamos em vitória o tempo todo. E esta preocupação completamente desinteressada por aquilo que o Senhor quer é a chave da fé. Se Israel tivesse tomado essa atitude no deserto se essa tivesse sido a sua atitude, você acha que eles teriam peregrinado 40 anos no deserto em círculos, você acha que na fronteira da terra eles teriam dado a volta para morrer no deserto? “Bem, esta é uma experiência muito difícil, mas o Senhor busca algo, o Senhor quer alguma coisa, e Ele, evidentemente, sabe que essa é a melhor maneira de obtê-lo… tudo bem, estou com Ele, posso perder tudo, posso sofrer a perda de todas as coisas, mas é o que o Senhor quer que importa”. “O Senhor nos quer naquela terra; bem, se isso significa tudo, estar lá para o prazer do Senhor, é o que importa”. Você pode ver na continuação da história que a próxima geração foi em frente, e foi com base na fé somente. Toda a história é baseada na fé.

Também temos a fé de Raabe, a meretriz; a sua fé era a chave para a terra, Jericó. Em seguida, a fé para dar a volta seis dias em silêncio e no sétimo dar o grito de fé, sem tirar uma espada da bainha ou usar a mão para fazer qualquer coisa, mas rodear a cidade – ridículo! É tudo fé absoluta! Eles subiram e possuíram Jericó nessa base. Essa geração entrou em Canaã por causa da fé, ao passo que a geração anterior não entrou por causa da incredulidade. Mas esta geração entrou porque Josué e Calebe haviam dito: “Se o Senhor se agradar de nós, Ele nos trará” (Nm.14:8). Essa é a questão – é a alegria do Senhor, interesse perfeitamente desinteressado naquilo que o Senhor quer, e essa é uma das coisas mais difíceis da vida, colocar o EU fora do caminho.

Continua no próximo post.

Publicado pela primeira vez na revista “A Testemunha e um testemunho ” em maio-junho de 1945, Vol. 23-3 “The Most Difficult Thing in the World”- T. Austin-Sparks. Revisão nossa.

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