Santifica-os na verdade é uma coletânea de extratos selecionados do capítulo 1 do livro “Santificados mediante a verdade – Volume 3”, de D. M. Llloyd-Jones, publicado pela Publicações Evangélicas Selecionadas.
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David Martyn Lloyd-Jones (1899-1981)
“Não peço que os tires do mundo, e sim que os guardes do mal. Eles não são do mundo, como também eu não sou. Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade… E a favor deles eu me santifico a mim mesmo, para que eles também sejam santificados na verdade” (João 17:15-19).
Percebemos que o Senhor foi muito cuidadoso em colocar, de forma negativa no versículo 15: “não peço que os tires do mundo”. Por diversas razões nunca devemos orar para ser tirados do mundo. Isso para o nosso bem, para a glória de Deus e pela extensão do Seu reino precisamos estar nesse mundo, e devemos deixá-Lo usar plenamente nossas vidas enquanto estivermos aqui.
No verso 17 chegamos a segunda parte da verdade: “Santifica-os na verdade: a Tua palavra é a verdade”. Em certo sentido essa é uma continuação da primeira parte da petição. O grande desejo de Cristo é que os Seus sejam guardados por Deus, mas não os tirando dos problemas e dificuldades. Mas com eles serão guardados então? Por meio da santificação. Seu método é pedir ao Pai para santificá-los.
Os dois sentidos da palavra santificar
O que seria “santificar”? Precisamos ser muito cuidadosos com esse termo, uma vez que a mesma palavra é empregada no verso 19: “e a favor deles eu me santifico a mim mesmo”. No verso 19 o Senhor toma essa palavra e usa em relação a Si mesmo, por isso entender corretamente a definição dessa palavra é tão importante.
Temos dois sentidos principais dessa palavra na Bíblia. O primeiro é o mais salientado: separar para Deus, para o Seu serviço. Esse termo é empregado a respeito de homens, objetos, vasos, utensílios, até mesmo o Monte Sinai também foi considerado assim. Nesse sentido, representa a separação de tudo que contamina e perverte.
O segundo aspecto, positivo, é o da dedicação completa à Deus daquilo para Seu uso.
No sentido do verso 19, percebemos que o sentido tomado pelo Senhor é o segundo. Jesus já era puro (Veja também João 10:36).
Em 1 Coríntios 6:11, vemos o uso do sentido primário dessa palavra pelo apóstolo Paulo:
“Tais fostes alguns de vós; mas vós vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes justificados em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus”.
Perceba a ordem do que o apóstolo Paulo diz: “justificados primeiro, santificados depois”. Sempre tendemos a pensar exatamente ao contrário. Todavia, Paulo coloca a santificação em primeiro lugar, o que significa que os Coríntios foram separados por Deus, tirados do mundo. Isso ocorreu antes da justificação.
Em 1 Pedro 1:2, temos: “eleitos, segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e a aspersão do sangue de Jesus Cristo, graça e paz vos sejam multiplicadas”.
Veja que Pedro segue o mesmo sentido, colocando a santificação antes da obediência e da aspersão do sangue [da justificação].
Nossa posição
Essa palavra descreve nossa posição. Como cristãos, estamos separados do mundo. Veja o verso 16 de João 17, nas próprias palavras do Senhor Jesus: “(eles) não são do mundo). Eles foram postos à parte, separados do mundo.
Deus disse em Deuteronômio 7:6: “Porque tu és povo santo ao SENHOR, teu Deus; o SENHOR, teu Deus, te escolheu, para que lhe fosses o seu povo próprio, de todos os povos que há sobre a terra”.
E Pedro replica, em 1 Pedro 2:9: “Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz”.
Quando Deus chamou Israel de santo, não queria dizer que eles eram isentos de pecado, mas que eram um povo peculiar, especial, separado. O mesmo ocorre com a Igreja. Esse é o sentido primário [OBJETIVO].
No segundo sentido [SUBJETIVO, EXPERIMENTAL], não somos só considerados santos, mas tornados santos. Deus nos põe à parte como povo peculiar, e por essa razão devemos ser um povo santo: “Santos sereis, porque eu, o SENHOR, vosso Deus, sou santo” (Lv 19:2).
O apelo
Devemos ser santos, por sermos santos. Esse é o apelo. Deus realiza uma obra dentro de nós, que é de purificação, limpeza, purgação, e essa obra visa habilitar-nos para o título que nos foi outorgado.
Fomos adotados, tirados do mundo e separados, agora estamos sendo conformados crescentemente à imagem do Senhor Jesus Cristo – essa é uma obra progressiva.
A primeira se trata de algo que já foi realizado, e a segunda deriva da primeira.
Nosso foco
A nossa principal preocupação não deve ser tanto em limitar o poder do mal ao nosso redor, mas sim aumentar o poder da piedade cristã dentro de nós. O evangelho não está primeiramente focado em remover a dor causada pela infecção, ou colocar-nos fora do seu iminente perigo. Enquanto o nosso Senhor não voltar, a infecção estará aí; enquanto satanás não for lançado no lago de fogo, essa moléstia continuará presente.
Não poderemos dar-lhe um fim, pois estará ao nosso redor, a despeito de todos os nossos esforços no sentido contrário. O cristão não deve primariamente se preocupar com isso. O dever do cristão, da Igreja e do evangelho é cuidar que recebamos do leite puro e do alimento sólido da Palavra, para que nossa resistência à infeção ao nosso redor aumente a tal ponto que possamos, por assim dizer, permanecer em uma casa onde existe a presença de uma doença infecciosa, permanecendo absolutamente imunes a ela. Os germes estão lá, verdade, mas nós estaremos repletos dos anticorpos que os destroem, no exato momento em que esses germes nos atacarem.
Semelhantes ao Senhor Jesus
Santificação significa que nos tornamos semelhantes ao Senhor Jesus Cristo. O Senhor era tão imune ao mundo, que podia sentar-se com publicanos e pecadores, sem ser contaminado.
Muitas pessoas não puderam compreender isso, inclusive os fariseus. “Amigo de publicanos e pecadores”, eles diziam. Mas, graças à Sua resistência, o nosso Senhor podia sentar-se ali entre eles sem correr perigo. O que o nosso Senhor Jesus pede em Sua oração (em João 17) é que sejamos tornados em Sua semelhança.
Ele disse: “Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo”. “Santifica-os”. Faze-os semelhantes a Mim, torna-os imunes aos ataques da tentação para que, sempre que isso lhes sobrevenha, estejam guardados.
“Não peço que os tires do mundo, e sim que os guardes do mal”. Esse é o meio supremo pelo qual somos guardados. Espera-se que nós sejamos santificados, santos, e que nos tornemos semelhantes a Ele, tomados pelo Seu poder, cheios de Sua santidade e Sua justiça, conhecendo Deus e andando com Ele na luz. Enquanto o fizermos, o mundo não representará nenhum perigo para nós. Apesar de estarmos nele, não lhe pertenceremos; estaremos andando através dele na luz com Deus”.
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David Martyn Lloyd-Jones (1899-1981)
Nasceu no país de Gales, e foi ministro da Capela de Westminster por quase 30 anos. Ele estudou medicina e trabalhou como assistente do médico real, mas depois de dois anos lutando com aquilo que sentiu ser um chamado para o ministério, deixou a carreira promissora para se tornar ministro de uma Igreja Presbiteriana em Aberavon, no sul de Gales. Depois de uma década, ministrando em Aberavon, em 1939 Lloyd-Jones voltou para Londres, onde fora nomeado como pastor adjunto da Capela de Westminster, Londres, trabalhando ao lado de G. Campbell Morgan. Em 1943, Morgan se aposentou, deixando Jones como Pastor da Capela de Westminster. Talvez o aspecto o maior legado de Lloyd-Jones tem a ver com sua pregação. Lloyd-Jones foi um dos pregadores mais influentes do século XX, deixando um prolífero legado nos volumes publicados de seus sermões.