O paradoxo do Cristão

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O paradoxo do Cristão é a tradução do texto homônimo de A. W. Pink, publicado pela Chapel Library.

A. W. Pink (1886-1952)

“Eu creio! Ajuda-me na minha falta de fé!” (Marcos 9:24)

A introdução

Esta foi a confissão honesta de alguém cuja fé foi submetida à mais severa provação. Isso aconteceu com um homem que tinha um filho possuído por um demônio que o atormentava gravemente, como ele mesmo descreveu: “onde quer que o apanha, lança-o por terra, e ele espuma, rilha os dentes e vai definhando” (Mc 9:18).

Que provação dolorosa para um pai terno! Quão grato você deveria estar, caro leitor, se na soberania de Deus você é abençoado com filhos normais e saudáveis; e quão solidários devemos ser para com os aflitos! Não há dúvida de que este homem consultou diversos médicos e talvez tenha conversado com seu pastor; sem encontrar nenhum alívio. Que teste para sua submissão à vontade de Deus! Então ele procurou ajuda dos discípulos de Cristo, mas eles não conseguiram realizar qualquer cura, e “a esperança que se adia faz adoecer o coração” (Pv 13:12). Tal é, em resumo, o pano de fundo do nosso texto.

E agora o grande Médico ordenou que o atormentado fosse trazido a Ele, mas lemos: “Quando ele viu a Jesus, o espírito imediatamente o agitou com violência, e, caindo ele por terra, revolvia-se espumando” (vs 20). Sim, as coisas geralmente parecem piorar conosco quando o Senhor começa a nos dirigir – para demonstrar que nosso limite é a oportunidade de Deus manifestar Sua suficiência. Foi assim que aconteceu com os aflitos hebreus no Egito. A hora mais escura precede o amanhecer. Que tremendo teste para a fé deste homem ver seu pobre filho espumando em agonia aos pés do Salvador!

“Perguntou Jesus ao pai do menino: Há quanto tempo isto lhe sucede? Desde a infância, respondeu; e muitas vezes o tem lançado no fogo e na água, para o matar; mas, se tu podes alguma coisa, tem compaixão de nós e ajuda-nos.” (vs 21, 22).

O Senhor Jesus o repreendeu indignadamente por questionar Seu poder e se afastou com desgosto? Não, pois “grande é a sua misericórdia” (Sl 103:11). Em vez disso, Ele respondeu: “Se podes! Tudo é possível ao que crê” (vs 23), e somos informados: “E imediatamente o pai do menino exclamou [com lágrimas]: Eu creio! Ajuda-me na minha falta de fé!” (vs 24).

A apresentação do paradoxo

“Eu creio! Ajuda-me na minha falta de fé!” Quão paradoxal é esta linguagem, pois isso é quase, se não totalmente, uma contradição. Se este homem era um crente genuíno, então por que deveria lamentar a sua incredulidade? Ou, se ele lamentou sua incredulidade, com que propriedade poderia afirmar crer? É como se um homem dissesse: Estou com calor, ajude-me com minha frieza trêmula? Sou forte, ajude-me com minha fraqueza cambaleante? Isso porque a fé e a incredulidade são opostas. Ah, existem muitos paradoxos na vida cristã que são incompreensíveis para os sábios deste mundo. Um deles é que o homem precisa se tornar um tolo para ser sábio (1Co 3:18), que deve ser pobre para se tornar rico (Mt 5:3), que precisa ser enfraquecido para se tornar forte (2Co 12:10). Todos esses são enigmas que os filósofos orgulhosos não conseguem elucidar. Mas graças a Deus, o que permanece um mistério para os sábios e prudentes entre os homens, é revelado para aqueles que são como crianças em Sua família.

A incredulidade é parte da consequência da Queda. Por natureza, todos nós somos “filhos em quem não há lealdade” (Dt 32:20). Coisa horrível é isso! Ter um coração que desconfia de Deus; ter um coração que está sempre propenso a se apoiar em qualquer pessoa e em qualquer coisa, em vez de confiar no próprio Senhor; abandonar a Fonte e se dirigir a “cisternas rotas, que não retêm as águas” [Jr 2:13]. Assim é o homem caído. Muita fé em si mesmo, fé nos seus semelhantes, até ficar desiludido e decepcionado; mas nenhuma fé em Deus. Isso explica porque Cristo é “desprezado e o mais rejeitado entre os homens” (Is 53:3), de modo que nos dias de Sua carne Ele clamou: “Ó geração infiel e perversa! Até quando estarei convosco?” (Mt 17:17). Isto também explica a atitude universal dos homens em relação à Lei e ao Evangelho: eles não acreditam no Autor e Doador deles, e assim continuarão todos os seus dias, a menos que o Espírito Santo intervenha soberanamente e realize um milagre de graça em seus corações.

A incredulidade permanece nos corações até mesmo dos regenerados. Embora Deus lhes conceda o dom da fé, ele não remove (nesta vida) a raiz da incredulidade. Os heróis da fé, cujos retratos estão pendurados nas paredes do hall da fama em Hebreus 11, vivenciaram esse fato solene. Veja Abraão, o pai de todos os que creem: quando surgiu a fome em Canaã, ele desceu ao Egito em busca de socorro, e teve tanto medo de confiar sua esposa nas mãos de Deus que disse uma meia verdade ao dizer que ela era sua irmã. Olhe para Moisés; temeroso de voltar ao Egito e confrontar Faraó depois que Jeová lhe apareceu na sarça ardente e prometeu a libertação de Seu povo (Êx 3); e mais tarde, reclamando com Ele porque ele havia tratado Israel tão mal (Êx 5:22, 23). Olhe para Davi, o matador de Golias, mas dizendo em seu coração: “Pode ser que algum dia venha eu a perecer nas mãos de Saul” (1Sm 27:1). Veja o outrora intrépido Elias, fugindo aterrorizado de Jezabel. Ah, meu leitor, o Espírito Santo delineou o caráter dos santos nas cores da verdade e da realidade; não como deveriam ter sido, mas como realmente foram.

A incredulidade é o grande fardo do santo. Isso entristece sua alma: o homem em nosso texto chorou por isso – e você? O cristão pode tentar fingir que é liberto deste fardo, mas o Senhor não considera adequado removê-lo nesta vida. Frequentemente age como uma nuvem que cobre o sol, pois não há nada tão eficaz quanto a incredulidade para esconder de nós a luz do semblante de Deus. Ela restringe nossos movimentos espirituais e impede nosso progresso. Há momentos em que o crente teme que sua incredulidade o afunde completamente. Por mais dolorosa que seja esta experiência, é, no entanto, um sinal promissor e encorajador. Somente quando Deus comunica fé é que qualquer alma estará consciente de sua incredulidade! Uma fé viva é necessária para reconhecer a nossa incredulidade morta. Deve haver luz divina para ver a sua existência e luz divina para sentir o seu poder. Aqui, então, está um sólido conforto para aqueles que estão gemendo por causa deste fardo: em seus dias não regenerados você nunca percebeu e se incomodou com sua incredulidade!

Lamentar genuinamente por nossa incredulidade perversa é uma evidência segura de que a vida divina está presente na alma. Aqueles que são estranhos a Deus certamente não tomam consciência de tais assuntos – como podem fazê-lo, quando estão totalmente inconscientes da praga de seus corações! Mas o cristão não está apenas consciente da incredulidade, ele vai a Deus e faz uma confissão humilde e contrita dela. Sim, é a sensação deste pesado fardo que o leva ao grande Médico, clamando: “Eu creio! Ajuda-me na minha falta de fé!”. Um verdadeiro cristão não encobre nem desculpa a sua incredulidade, mas reconhece-a honestamente diante de Deus. Ele também não fica quieto e sente pena de si mesmo como alguém totalmente impotente e sem qualquer responsabilidade no assunto. Não, ele busca genuinamente “ajuda”, o que denota claramente que ele está resistindo a esse inimigo, mas precisa da assistência divina. É verdade que sem Cristo ele nada pode fazer (Jo 15:5), mas pode fazer todas as coisas através de Cristo que o fortalece (Fp 4:13).

A resolução do paradoxo

Aqui está, então, a solução para a dificuldade e a explicação do paradoxo apresentado pela linguagem do nosso texto. Existem dois princípios ou “naturezas” distintos e totalmente diferentes que habitam no santo: fé e incredulidade, e há uma oposição contínua entre os dois. Eles procedem do “espírito” e da “carne”, a respeito dos quais lemos: “Porque a carne milita contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer.” (Gl 5:17). É esta guerra incessante entre os dois princípios antagónicos que dá origem a uma dupla experiência: num momento confiando em Deus, no outro duvidando dEle; num momento descansando e obtendo conforto em Suas promessas, no outro desconfiando delas. E esta experiência dupla e angustiante o leva a clamar: “Eu creio! Ajuda-me na minha falta de fé!”. Ah, meu leitor, se você não está atormentado e oprimido pela incredulidade, se você não confessa humildemente o mesmo a Deus e não busca Sua ajuda a esse respeito, então você é o mais miserável de todos os homens.

Ao contrário, como já dissemos, aqui está aquilo que proporciona verdadeiro conforto para a alma angustiada e assediada por Satanás. Quantas vezes o diabo dirá a um cristão: “Sua profissão de fé é vazia: você não pertence à família da fé – como você pode declarar isso, quando está cheio de incredulidade!?” Escute, querido amigo: o homem em nosso texto era um crente genuíno, mesmo assim ele se deparou com sua incredulidade; e isso está registrado para nossa instrução e conforto. Esta é uma das provas mais claras possíveis de que somos crentes. Nenhum incrédulo jamais derramou lágrimas por sua incredulidade; nenhum professor vazio alguma vez gemeu por causa de seu questionamento a Deus; nenhum hipócrita se deixa sobrecarregar por suas dúvidas e medos. Não; esses estão cheios de confiança e segurança carnal: eles não tiveram nenhuma dúvida sobre sua salvação nos últimos anos. Eles podem exercer fé a qualquer momento, com a mesma facilidade com que você abre uma torneira e faz a água fluir; mas essa não é a fé dos eleitos de Deus.

O texto examinado mais detalhadamente

“Eu creio! Ajuda-me na minha falta de fé!” Há quatro coisas aqui que chamam nossa atenção. Primeiro, o paradoxo apresentado: e este, juntamente com a sua solução, consideramos logo acima. Segundo, a afirmação: “Eu creio”. Terceiro, um pedido: “Ajuda-me”. Quarto, uma confissão: “minha falta de fé”. Como muitas vezes é útil afastar-se do arranjo verbal de um texto, faremos isso aqui, e retomaremos suas diversas cláusulas em sua ordem inversa, examinando a confissão deste homem, depois seu pedido de ajuda e, em seguida, o apelo que ele usou para apoiar seu pedido: “Eu creio”.

A confissão

A Confissão feita: “minha falta de fé”. Observaremos, muito brevemente, quatro coisas relacionadas a isso. Primeiro, foi uma confissão honesta. Esta é a primeira coisa que Deus exige de qualquer alma que ora: sinceridade, veracidade, realidade. O Senhor não será compelido por hipocrisia, nem mesmo a mera elocução de palavras vazias, por mais bíblicas que sejam, atrairá Seus ouvidos. Então seja franco e sincero em todas as suas interações com Deus, e nunca finja ser o que você não é: até o fim de sua peregrinação terrena, você será (em si mesmo) um vil pecador, indigno da menor de Suas misericórdias. Este homem não afirmou possuir uma fé que nunca vacilou, nem se vangloriou de estar livre de dúvidas e medos. Não, ele reconheceu honestamente que a sua fé era frequentemente eclipsada pelas nuvens escuras da incredulidade. Ó, ser libertado de toda culpa ao aproximar-se do Trono da Graça.

Em segundo lugar, a sua confissão foi humilde. Essa é a próxima coisa que Deus exige da alma que ora: que ela se despoje dos trapos da sua justiça própria e venha diante dEle como alguém que é pecador e necessitado. Isto é muito evidente na Epístola aos Laodicenses: eles se recusaram a se humilhar e ocupar o seu devido lugar diante do Senhor. Sua acusação foi: “dizes: Estou rico e abastado e não preciso de coisa alguma, e nem sabes que tu és infeliz, sim, miserável, pobre, cego e nu” (Ap 3:17). Infelizmente, a quantos cristãos professos essas palavras solenes se aplicam hoje! A todos esses Cristo diz: “Aconselho-te que de mim compres ouro refinado pelo fogo para te enriqueceres, vestiduras brancas para te vestires, a fim de que não seja manifesta a vergonha da tua nudez, e colírio para ungires os olhos, a fim de que vejas” (vs 18). É precisamente neste ponto que o cristão se distingue do hipócrita: o primeiro humilha-se e toma o seu lugar diante de Deus no pó, reconhecendo a sua perversa incredulidade.

Terceiro, sua confissão foi de coração, e esta é a próxima coisa que Deus exige de cada alma que ora, pois Ele deseja “a verdade (realidade) no íntimo” (Sl 51:6). A essência da oração não está em expressões precisas e piedosas, mas em um verdadeiro sentimento de necessidade na alma. Eu poderia muito bem me ajoelhar e adorar deuses de pedra, da mesma forma que posso oferecer ao Deus vivo uma oração apenas de palavras. Percebemos que a confissão do nosso texto foi de coração pelo fato de ter sido acompanhada de lágrimas. Se for permitido ao escritor falar em nome de seus leitores, não é neste ponto que tantas vezes falhamos, especialmente na confissão de nossos pecados. Infelizmente, como nossos corações são pouco afetados por eles: quão mecânicos e impenitentes é a admissão das nossas faltas. Senhor, derreta nossos corações duros.

Quarto, foi uma confissão representativa, o que significa que era adequada ao caso de todos os filhos de Deus. Nunca chegará um momento neste mundo em que tal linguagem seja inadequada, mesmo para aqueles que são membros da família da fé. Não importa o quanto Deus esteja graciosamente satisfeito em aumentar a nossa fé, a incredulidade interior ainda estará presente para lutarmos contra ela. É exatamente este elemento que torna as orações das Escrituras tão pertinentes para os santos de todas as épocas: elas se adaptam exatamente ao seu caso e expressam os seus sentimentos. “Como na água o rosto corresponde ao rosto, assim, o coração do homem, ao homem” (Pv 27:19).

A Petição

Consideremos a seguir sua petição, pois temos muitos detalhes neste incidente que nos fornecem instruções valiosas sobre o assunto da oração: “ajuda-me, Senhor”. Primeiro, olhe novamente para a ocasião que envolve esse acontecimento. Havia uma ansiedade avassaladora por seu filho aflito, encontrando alívio ao desabafar seu coração ao Senhor. E é isso que é, de fato, toda verdadeira súplica. Temos muito mais petições genuínas a Deus em épocas de adversidade do que em tempos de prosperidade; e esta é a razão pela qual muitas expressões repentinas e violentas de desespero, e gemidos inarticulados chegam diretamente aos ouvidos de Deus, enquanto muitas “orações” bem formuladas e carnalmente admiradas nunca chegam mais alto do que o teto da sala.

Leia o Salmo 107 e observe o repetido “Então”! [Sl 107:6; 13; 19; 28]. Quando há um verdadeiro sentimento de necessidade, uma alma sobrecarregada não necessita de “ajuda” externa sobre o que dizer e como dizê-lo; um grito emana espontaneamente da alma ferida e voa com direção ao céu.

Mas havia algo mais além do estado lamentável de seu filho motivando esta petição: o pai estava consciente de que sua própria incredulidade estava impedindo a bênção desejada (senão porque ele clamaria por “ajuda” contra ela), e isso era insuportável. Se você tivesse que carregar uma cesta contendo alguns artigos que pesassem apenas alguns gramas, você nunca pensaria em pedir ajuda a alguém; mas se você estivesse cambaleando com uma carga que pesasse dez ou trinta quilos, você imploraria por ajuda — a menos que fosse orgulhoso e independente demais para buscá-la. E assim é nas questões do coração: quanto mais tomamos consciência dos pensamentos e intenções dele, mais nos exercitamos sobre aquilo que é desordenado e que desonra a Deus. Quanto mais crescermos na graça, mais sentiremos essas inconsistências.

Segundo, considere a espiritualidade do seu apelo. Quanto mais espiritual a alma se torna, mais espirituais são as suas petições. É uma marca segura de imaturidade espiritual quando o alívio das doenças corporais é mais valorizado por nós do que a libertação das doenças morais, ou quando as misericórdias materiais são valorizadas acima do crescimento de nossas graças. Este homem não clamou: “Senhor, cura meu filho” – isso teria sido natural; mas ele disse: “Senhor, ajuda-me na minha fala de fé” – isso foi verdadeiramente espiritual. O fato é que muitas das orações mais espirituais provêm daqueles que se consideram os menos espirituais; sim, que duvidam seriamente que possuam qualquer espiritualidade. Almas não espirituais nunca oram por ajuda contra a incredulidade. Devemos ser gratos quando nos tornamos dolorosamente conscientes de nossa incredulidade, pois milhares de membros da igreja nunca chegam a esse ponto, e é um motivo ainda maior de louvor quando somos honestamente sobrecarregados por isso e levados a orar por libertação.

Terceiro, seu significado. Este homem reconheceu que o Senhor era o único meio para ajudá-lo efetivamente. Ah, é ótimo quando somos levados ao ponto em que percebemos que ninguém, exceto o próprio Deus, pode subjugar o funcionamento desse mal em nós. Toda autoajuda é em vão; todos os semelhantes são impotentes para prestar qualquer alívio – eles não podem aliviar a si mesmos, muito menos aos outros. Então “Confia os teus cuidados ao SENHOR, e ele te susterá” (Sl 55:22). Este homem definitivamente se apresentou a Cristo. Na verdade, é uma coisa abençoada quando somos tão oprimidos por nossa incredulidade que nos dirigimos ao grande Médico: tantos gemem sob isso, mas não fazem nada além disso; outros abraçam isso para si mesmos e não vão mais longe. “Eu creio! Ajuda-me na minha falta de fé!”: exerce Teu poder gracioso e subjuga este espírito que desonra a Deus; permita-me lutar contra isso. Não permita que eu desculpe isso dentro de mim, nem tenha pena de mim mesmo por isso ou que fatalistamente ceda a essa inclinação. Faça-me considerar isso como um mal a ser odiado, um inimigo a ser resistido, um pecado a ser confessado.

Quarto, marque sua abrangência. Sua petição foi extremamente breve, mas cobriu muito terreno. Assim como a fé é a raiz da qual procedem todas as boas obras, a incredulidade é a fonte de todo o mal. Este é o nosso pecado principal, “o pecado que tenazmente nos assedia” (Hb 12:1). A incredulidade é a causa de todos os nossos problemas e fracassos. Este é o ponto estratégico onde Satanás concentra as suas forças contra nós e, portanto, é aqui, acima de tudo, que precisamos da ajuda divina. “Eu creio! Ajuda-me na minha falta de fé!”: Senhor, espero que Tu empreendas por mim, por que não sou capaz de excluir toda a dúvida; estou persuadido de Teu poder e misericórdia, mas permite-me confiar em Ti de forma mais plena e constante.

O apelo

Voltamo-nos agora para o apelo que acompanhou esta oração por ajuda, pois assim podemos legitimamente considerar estas palavras: “Eu creio”. O seu clamor por assistência divina, acompanhado de uma humilde confissão, foi feito neste terreno: porque eu creio, Senhor, tem piedade de mim e domina a minha incredulidade. Para obter o deferimento da nossa petição, ela deve ser apoiada por algum argumento válido e adequado. A oração é algo mais do que apresentar um pedido a Deus; é suplicar a Ele, apresentando alguma razão pela qual Ele deveria conceder aquilo que pedimos. Existem vários apelos que podemos fazer; tais como, porque estou em extrema necessidade, porque Tu prometeste, porque será para Tua glória; pelo amor de Cristo. Isto é o que o Senhor quer dizer quando diz: “Apresentai a vossa demanda, diz o SENHOR; alegai as vossas razões, diz o Rei de Jacó” (Is 41:21).

Primeiro, então, este apelo era necessário, pois Deus não ouvirá um incrédulo. “De fato, sem fé é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam” (Hb 11:6). “Eu creio”, não como eu poderia, nem como deveria, contudo, não nego a Tua existência, não questiono a veracidade da Tua Palavra, estou convencido de que não podes mentir, não duvido do Teu poder, da Tua bondade, da Tua misericórdia. Eu creio, embora seja de forma débil, hesitante e espasmódica. Apelo a Ti, ó Tu que sonda os corações: Tu vês a pequena faísca de fogo na torcida fumegante, o lampejo da fé por trás das nuvens da incredulidade. Ah, não é neste ponto que falhamos tantas vezes: ao apresentarmos as nossas petições, devemos acompanhá-las com apelos adequados. Então Deus vê que estamos falando sério. Estude cuidadosamente a oração de Cristo em João 17 e observe como cada pedido é apoiado por uma razão ou apelo – seja antes ou depois, nas palavras “que”, “para”, etc.

Em segundo lugar, é um apelo instrutivo. Que ensino valioso existe aqui para aqueles que desejam orar corretamente! Em nossa ignorância e tolice, provavelmente concluímos que uma oração como a deste homem era inadequada e imprópria – uma contradição. Está registrado para nosso aprendizado. Uma grande lição que esse incidente inculca é que nunca devemos olhar para as nossas graças sem ver também as nossas enfermidades; nem devemos confessar os nossos pecados sem também reconhecer o fruto do Espírito em nós. Por exemplo, se eu me tornar consciente da minha profunda necessidade de mais humildade, ao pedir por isso a Deus, devo reconhecer o meu orgulho. Contrariamente, ao confessar meu orgulho, devo agradecer a Deus por humilhar meu coração para fazê-lo. Se estou implorando por mais paciência e submissão, devo confessar minha obstinação e rebeldia; mas também agradecer a Deus por me fazer sentir necessidade dos opostos.

Terceiro, foi um apelo aceitável. Deus fica satisfeito quando o Seu povo reconhece o seu relacionamento com Ele, alegando que são Seus filhos e reconhecendo a obra do Espírito dentro de si. A humildade que se recusa a fazer isso é falsa e repreensível. Observe o exemplo de Davi: “Deus meu, em ti confio; não seja eu envergonhado, nem exultem sobre mim os meus inimigos” (Sl 25:2); “Em ti, SENHOR, me refugio; não seja eu jamais envergonhado; livra-me por tua justiça” (Sl 31:1); “Preserva a minha alma, pois eu sou piedoso; tu, ó Deus meu, salva o teu servo que em ti confia” (Sl 86:2). Observe como Asafe pleiteou a Deus o relacionamento que Israel mantinha com Ele: “Lembra-te da tua congregação, que adquiriste desde a antiguidade” (Sl 74:2). Esta é a posição tomada pelo nosso grande Sumo Sacerdote ao interceder pelo Seu povo: “É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus” (Jo 17:9). Nós, então, oraremos de forma aceitável se apelarmos: “Senhor, sou Teu, faça por mim? Sou um crente, subjugue minha incredulidade.”

Quarto, foi um apelo prevalecente. Claro que sim: não tivesse Cristo dito: “Se podes! Tudo é possível ao que crê.” (Mc 9:23). A petição deste querido homem ganhou força: o Senhor agiu por ele, e seu pobre filho foi curado. Quando realmente acreditamos, a batalha está metade, melhor, nove décimos, vencida. Tudo gira em torno disso: é a oração da fé que ganha os ouvidos e move a mão de Deus. Portanto, quando lemos sobre Abraão que “não duvidou, por incredulidade, da promessa de Deus; mas, pela fé, se fortaleceu, dando glória a Deus” (Rm 4:20), deveríamos clamar “Eu creio. Ajuda-me com a minha falta de fé” Como lemos: “Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e nada lhes impropera; e ser-lhe-á concedida.” (Tg 1:5), deveríamos clamar “Eu creio. Ajuda-me na minha falta de fé”, pois está escrito: “Peça-a, porém, com fé, em nada duvidando” (Tg 1:6).

Aplicações

Podemos aplicar nosso texto àqueles que buscam a salvação. Pode haver um leitor deste artigo que esteja hesitante entre duas opiniões. Ele está convencido de que só Cristo pode satisfazer as suas necessidades e satisfazer a sua alma, mas acha muito difícil desistir do mundo e abandonar os seus ídolos. Ele sabe muito bem que somente em Cristo a vida eterna pode ser encontrada, mas Satanás ainda tem tal domínio sobre ele que ele não pode se render ao Senhor Jesus e abandonar os prazeres do pecado.

Então venha até Ele e diga: “Eu creio. Ajuda-me com a minha falta de fé”. Ou, pode ser que ele se sinta um desgraçado tão ímpio que teme que seu caso seja desesperador: tendo pecado tão gravemente contra a luz e os privilégios, ele não ousa aventurar-se nas promessas do Evangelho. Venha a Cristo e clame de coração: “Eu creio. Ajuda-me com a minha falta de fé”.

Nosso texto pode ser aplicado às providências de Deus. O cristão pode dizer “o SENHOR é meu pastor; nada me faltará” (Sl 23:1), mas quando as circunstâncias parecem estar todas contra ele, ele é incapaz de se apropriar da bendita verdade de que Deus suprirá todas as suas necessidades (Fp 4:19). Temeroso de cair numa miséria abjeta, ele é incapaz de confiar plenamente no Senhor. Então venha a Cristo e diga: “Eu creio. Ajuda-me com a minha falta de fé”. Muitos podem dizer que tenho certeza de que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8:28) significa o que diz, mas há algumas coisas em suas circunstâncias, que ele acha extremamente difíceis de acreditar que resultarão em um bem real para ele. Em vez de se submeter à vontade de Deus, ele muitas vezes fica cheio de rebelião; em vez de beijar a vara, ele se vê recalcitrando contra ela. Então venha a Cristo e diga: “Eu creio. Ajuda-me com a minha falta de fé”.

Nosso texto pode ser aplicado à nossa segurança pessoal. Quantos crentes assediados por Satanás estão exclamando: Temo muito não poder estar entre os salvos, pois se estivesse, certamente não pecaria como peco. Em vista da fúria de minhas concupiscências, cuja frequência supera todos os meus esforços para resistir a elas, seria presunçoso afirmar que o poder reinante do pecado foi destronado dentro de mim. Meu amigo Davi clamou “prevalecem as iniquidades contra mim” (Sl 65:3 ARC). Mas você diz: Meu coração é um poço de iniquidade, não ouso afirmar que sou regenerado; muitas vezes não detesto o pecado, nem mesmo desejo fazê-lo. Ah, mas nem sempre é assim: tais períodos não são seguidos de contrição e confissão!? Sim, você diz, mas logo depois de cair novamente na lama, às vezes mais fundo do que antes; ah, mas você permanece ali? Você abandona completamente o Trono da Graça? Não sobe de você um clamor de angústia para Deus? Então continue clamando “Eu creio. Ajuda-me com a minha falta de fé”.

Que Deus acrescente Sua bênção a este sermão por causa do Seu nome.

 

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