Pela Fé

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Pela Fé é a tradução do artigo “By Faith…”, de T. Austin-Sparks, publicado no site www.austin-sparks.net.

T. Austin-Sparks (1888-1971)

***

“Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem. Pois, pela fé, os antigos obtiveram bom testemunho” (Hebreus 11:1,2).

Leitura: Hebreus 10:37-39; 11; 12:1,2

Para que possamos apreciar e compreender o valor do trecho da carta aos Hebreus que está compreendido entre o final do capítulo 10 até o capítulo 12, precisamos nos lembrar da posição para a qual aqueles crentes hebreus haviam sido chamados originalmente, e que estavam sendo admoestados a retornar. Eles haviam sido chamados a ocupar uma posição celestial que era diametralmente oposta àquela para a qual estavam prestes a se dirigir.

Todo o propósito da carta aos Hebreus era de fazer uma separação entre aqueles crentes e aquilo que estava tentando os conduzir de volta ao um nível e base terrenos da religião, como havia acontecido quando estiveram debaixo do governo das formas temporais e exteriores da vida religiosa estabelecida por Moisés.

O curso dessa carta segue o desvendar do fato de que todas aquelas coisas do Antigo Testamento eram apenas sombras de Cristo, que é, de fato, sua substância. Tudo apontava para Ele. Assim, com Sua vinda, todas aquelas coisas haviam sido cumpridas e se tornaram celestiais, em sentido e valor, para a vida presente.

Debaixo de grande pressão e combate, esses santos estavam sendo tentados a abandonar sua posição celestial e voltar para a base terrena, porque é muito mais fácil para a carne estar em uma posição de apenas realizar ritos religiosos exteriormente, resumindo tudo neles, do início ao fim.

O ponto principal nessa grande síntese é a posição celestial para a qual o povo de Deus é chamado. Tal posição, sendo por nós assumida, se torna o terreno das nossas grandes provas, pois seremos testados em relação à posição tomada.

Isto é muito claro em qualquer estágio, grau e nível no qual for observado. Se a medida for pequena, então será nessa medida que seremos testados. Mas, se tomarmos por base a medida plena, máxima e mais elevada, então o teste se tornará supremo. Nós seremos testados de acordo com a posição que tomamos.

Todas as Dispensações Governadas pela Fé

Outra coisa que essa carta também nos mostra é que a fé não foi algo novo trazido à luz nessa dispensação do Novo Testamento, mas tem sido o princípio por meio do qual o Senhor governou Seus santos em todas as eras. O Senhor nunca pretendeu que a dispensação da lei, por meio de Moisés, fosse outra coisa além de uma dispensação de fé. Em Hebreus 11, não vislumbramos apenas um contraste entre as obras da lei e as da fé, mas vemos que todo o povo que viveu naquela dispensação é apresentado sob a ótica da fé, tornando-a a base para o seu julgamento por parte de Deus.

Pela fé Moisés… pela fé Israel…, e vemos isso continuamente em toda aquela dispensação. Todos foram julgados pela fé. Fé sempre foi e sempre será um fator primário para Deus, algo supremo. Na mente do Senhor, é isso que governa todas as eras. Fé é a chave para cada era.

A Base da Fé

Qual seria a base da fé? Ao buscar essa resposta no capítulo onze de Hebreus, descobrimos que a fé é e foi algo espiritual, forjado no interior dos indivíduos. É bem verdade que muitos dos registros desse capítulo aconteceram exteriormente, como ocorreu com Sara, Isaque e também na ocasião do livramento da fornalha. Mas, aqueles incidentes exteriores dependeram inteiramente de algo que havia ocorrido previamente no interior, apesar de não sabermos como isso aconteceu. Por exemplo, pela fé Abraão partiu quando foi chamado por Deus. Não sabemos como ele recebeu esse chamado. Pode ter sido por meio de um anjo, pode ter sido por uma intimação direta do Senhor, de forma corpórea, aparecendo a Abraão.

Podemos dizer: ‘Oh, se ao menos isso tivesse acontecido conosco, teríamos um fundamento substancial para a fé! Se ao menos aqueles três homens aparecessem para nós, como apareceram para Abraão!’ E ao que tudo indica, aqueles eram a representação do Pai, do Filho e do Espírito Santo em forma corpórea (penso que certamente foi isso, considerando o que está ali insinuado, ao observarmos o incidente de perto). Pensamos: quão fácil seria para a fé! Que fundamento diferente minha fé teria! Abraão foi chamado por Deus.

Mas não creio que o fundamento para a fé fosse baseado em acontecimentos exteriores. Mesmo tendo sido algo que ocorreu por meio de instrumentos e fatos exteriores, independente de como este fundamento surgiu, aquilo foi algo trabalhado e registrado no interior. É questionável que um fenômeno, por mais maravilhoso que possa ser, como a aparição de um anjo, possa ser um duradouro e sólido fundamento para a fé.

Às vezes, dadas as circunstâncias, podemos até mesmo duvidar de nossas grandes experiências exteriores. Há algo em nós chamado de alma que é psíquico, capaz de produzir os mais memoráveis e estonteantes fenômenos, a ponto de nos levar a acreditar neles. Dizemos: “Bem, estava evidentemente alvoroçado, tudo começou a acontecer, vi e ouvi coisas!”. Assim, podemos ser levados até mesmo a questionar toda essa experiência depois, nas bases psicológicas. Essa é a tentação. Será que naquela hora estava em estado de serenidade e equilíbrio, ou será que estava em um estado de tensão nervosa? Será que imaginei aquelas coisas, e tudo foi apenas uma manifestação psíquica? Isso poderia acontecer a todos esses homens mencionados em Hebreus 11, tanto do Novo como do Velho Testamentos. Se essa fosse a base de sua fé, então seria totalmente instável e insatisfatória.

Seja qual for a forma que o Senhor escolher para Se manifestar, independente do meio que Ele usar, a base verdadeira da fé é aquilo que foi realizado, forjado dentro de nós. Apesar de possivelmente ter sido o próprio Senhor da glória que apareceu ao pai Abraão, o efeito disso foi que o patriarca, a partir dali, soube que algo lhe havia acontecido. Alguma coisa foi gravada em seu interior. Então, ele sabia: “Existe algo em mim que é muito mais profundo do que os meios e métodos usados pelo Senhor, e isso se tornou uma parte do meu ser!”.

Se, por um momento, você pensar que se um anjo aparecesse a você tornaria mais fácil crer no futuro, lembre-se de que você poderá sempre duvidar dos seus anjos. Não existe garantia de que você vai crer porque viu um anjo, ou porque teve os céus abertos diante dos seus olhos. Deve existir algo no nosso interior, que apesar de invisível e intangível, é muito real. É algo que o Senhor fez, algo dEle, que Ele tornou real para você a Seu respeito, em relação a de Seus caminhos, Sua mente, Sua vontade, algo forjado pelo próprio Espírito Santo.

Essa é a base da féo Senhor e o Seu efeito na nossa vida. Não digo que a nossa experiência será a base da nossa fé, mas o próprio Senhor será uma realidade dentro de nós, realizando algo e nos afetando de uma forma profunda, a partir de nosso interior. Esta é a essência da fé exposta nesse capítulo 11 de Hebreus. Aquelas pessoas conheciam o Senhor no interior, e aquele foi o início e o fim para eles nessa questão da fé.

A Natureza da Fé

Veremos, então, que obtemos um resultado a partir desse conhecimento interior. Aqueles heróis da fé chegaram a um ponto onde realmente creram que algo aconteceria, apesar de, em muitos casos – talvez sua maioria – aquilo não ter chegado à consumação durante a existência deles.

Entretanto, a grande declaração nesse capítulo é que isto não fez nenhuma diferença. Eles chegaram a uma posição com o Senhor, no conhecimento dEle, ao ponto de poder até mesmo morrer sem receber as promessas. Todos morreram em fé.

Veja, eles nem mesmo tiveram o estímulo de ver as coisas se materializando, mas ainda assim, foram capazes de morrer crendo. Pode ser até fácil viver em fé, se você acreditar que aquilo que espera se realizará ao longo de sua vida. Mas a essência da fé é: “Isto precisa ser real! É parte de Deus, é o próprio Deus. Não faz nenhuma diferença para a fé se viverei ou não para ver o seu cumprimento. Assim será! Vivo agora, não para ver isto durante minha vida, mas vivo hoje em relação àquilo que espero, sabendo que se realizará em algum momento dentro do propósito e intenção de Deus”.

Então, mais à frente no relato aos Hebreus, vemos outra maravilhosa declaração. Eles não receberam as promessas, morreram em fé, olharam adiante e nos viram. A fé os levou além de suas próprias vidas, e o texto bíblico nos diz que se não fosse assim, eles não “seriam aperfeiçoados”. A palavra tomada para “aperfeiçoado” aqui é muito interessante. Ela simplesmente significa que eles não poderiam chegar à consumação, à medida completa de sua fé. A fé não poderia alcançar seu objetivo final até que nós entrássemos em cena. Aquilo demandava por nós.

Eles, sem nós, não chegariam à consumação de sua fé. A fé vislumbra que ainda existem coisas que devem ser trazidas à realidade por Deus para a concretização daquilo que está em nosso coração, coisas pelas quais vivemos, trabalhamos, sofremos e pacientemente aguardamos.

A fé vai direto até a consumação de tudo e afirma: ‘ainda pode não ser o tempo; podem haver mais coisas que devem ser trazidas à luz para que a consumação seja possível, mas finalmente, minha fé em Deus será justificada, e aquilo se realizará!’

A fé é algo grandioso, abrangente, e a verdadeira pureza de fé significa que nós não viveremos apenas para ver as coisas acontecerem no nosso tempo. Se assim fosse, em havendo qualquer dúvida quanto à possibilidade da realização dessa aspiração em nosso tempo, a fé facilmente se desvaneceria. Essa não é absolutamente a essência da fé! Precisamos ter uma fé que transcende a vida, uma fé com ampla visão, que não se torna menos ativa porque a possibilidade de sua plena realização em nosso tempo se obscurece. Não, a fé daquelas pessoas foi fruto da convicção de que Deus planejava algo e iria realizar aquilo cedo ou tarde. Entretanto, Ele deveria trazer muito mais à luz do que eles poderiam imaginar naquele momento. No entanto, eles estavam junto com Deus nesse propósito, de todo o coração. Ainda que eles não pudessem ver, aquilo iria acontecer. Essa é a base e natureza da fé descrita aqui.

O Resultado da Fé

Então qual é o resultado disso? Por duas vezes nos é dito que, por meio desse tipo de fé, aquelas pessoas receberam um bom testemunho. Os patriarcas receberam um bom testemunho (vs. 2) e, então, quase no final, nos é dito que todos receberam um bom testemunho (vs. 39). É isso que eles receberam: um bom testemunho.

O que seria esse bom testemunho? No próximo capítulo, o Capítulo 12, somos apresentados, como crianças em uma escola, como parte de uma família. O Pai lida conosco como filhos, e isto tudo é parte deste raciocínio: ‘Filho meu, não menosprezes a correção que vem do Senhor’. Isto tudo se relaciona a esse bom testemunho.

Não acredito que seja verdade – no caso daquelas pessoas referidas no Capítulo 11 – que o bom testemunho relatado seja relacionado às suas conquistas, esperteza, capacidades e realizações. Isso não foi o bom testemunho delas. O próprio Deus escreveu o testemunho de suas vidas.

Para que serviu esse testemunho? Certamente esse testemunho não se referiu às suas maravilhosas realizações, mas se resumiu no seguinte: eles confiaram no Senhor e fizeram o seu máximo por meio da fé. Eles não afirmaram: ‘oh, bem, isso nunca se realizará em nossa vida e nunca veremos isso acontecer; não tem utilidade! Isso demanda por pessoas melhores do que nós!’

Não, eles olharam para o todo, e viram que, no geral, aquilo era humanamente impossível. Apenas o próprio Deus poderia realizá-lo. Mas isso não os fez desistir, dizendo: ‘oh, nunca poderei fazer parte disso, nunca terei nenhuma utilidade nesse propósito!’ Não! Eles creram em Deus, confiaram no Senhor, se posicionando de todo o coração nessa visão, vivendo baseados em uma confiança positiva em Deus. Eles fizeram tudo o que a fé os guiou e os conduziu a fazer. A fé é sempre algo ativo. O bom testemunho foi que eles creram no Senhor, se empenhando e se entregando, independente de quão difíceis fossem as circunstâncias.

A fé determinará qual das duas reações irá nos caracterizar. Esse é o ponto.

Poderemos viver debaixo de uma terrível paralisia, permanecendo petrificados e confusos, perplexos e incapazes de entender as circunstâncias ao nosso redor. Nessa condição seremos incapazes de discriminar as coisas, nem teremos uma visão clara e ampla para compreender os acontecimentos que nos rodeiam. Esse é o efeito da falta de uma fé positiva.

O único caminho de vida e da libertação dessa paralisia é o da deliberada fé em Deus, que nos leva a tomar uma atitude de seguirmos adiante com Ele, compreendendo ou não, com ou sem uma explicação, com ou sem luz. Seguiremos em frente com Deus na base daquilo que o próprio Deus é para nós, e pelo que fez e tornou real em nós. Nós seguimos adiante!

Nós chegaremos a essa encruzilhada diversas vezes ao longo de nossas vidas. Iremos, de fato, enfrentar novamente outras situações de trevas, desespero e paralisia, e seremos tirados de qualquer efetividade, permanecendo infrutíferos, sem qualquer valor, enquanto não nos posicionarmos positivamente, afirmando para nós mesmos: ‘Tudo isso se resume numa inexplicável e desconcertante confusão a partir do meu ponto de vista, se analisado pela perspectiva humana; mas Deus é. Ele é fiel. Isto é o que Ele diz a respeito de Si mesmo’.

Assim, sem questionar Deus, continuaremos crendo nEle, até mesmo ao ponto de Lhe entregar a responsabilidade das nossas derrotas e erros, na medida em que colocamos nossas vidas à Sua disposição de forma real e honesta, sem envolver nossos interesses pessoais e mundanos nisso, nos rendendo a Ele de forma absoluta. Devemos estar focados apenas nEle. Devemos entregar ao Senhor nossos erros e derrotas, confiando nEle e seguindo adiante.

Qual seria nossa alternativa? Este é sempre o ponto central. Temos outra alternativa? Vamos desistir e ir embora, abandonando completamente tudo o que já foi conquistado? E então, quando no final das contas formos questionar nosso retrocesso, colocando tudo na balança, veremos que ele foi causado pela falta de confiança no Senhor. Veja bem, Deus não demanda de nós que sejamos perfeitos como Ele é – e muitas vezes esse é o padrão que desejamos alcançar, de nunca cometer erros, nunca questionar, que nosso caminho seja tão absolutamente perfeito ao ponto de termos confiança em todos os passos que tomamos.

Não! Nunca chegaremos a esse ponto. Abraão e Moisés cometeram erros. Todas aquelas pessoas cometeram erros. Elias foi um homem com paixões como nós, a ponto de se colocar debaixo de um zimbro, pedindo que o Senhor o deixasse morrer. Todos esses homens passaram por esse caminho, mas vemos aqui um registro: todos eles obtiveram um bom testemunho!

Oh! Elias obteve um bom testemunho. Moisés se irou e perdeu a terra prometida, mas obteve um bom testemunho. Abraão desceu ao Egito, gerou Ismael, mas também obteve um bom testemunho. Não vamos tentar ser perfeitos como o Senhor. O que o Senhor deseja é um coração perfeito diante dEle; não que tenhamos realizado obras perfeitas, mas que confiamos nEle. Devemos sempre nos lembrar de que existe uma grande diferença entre fé e presunção, entre fé e vontade própria, a força de vontade.

Fé é baseada em abnegação, os homens de fé sempre foram muito humildes, marcados pela capacidade de se ajustar rapidamente quando cometiam erros. Não vamos buscar ser infalíveis, mas fiéis.


T. Austin Sparks (1888-1971) nasceu em Londres e estudou na Inglaterra e na Escócia. Aos 25 anos, iniciou seu ministério pastoral, que perdurou por alguns anos, até que, depois de uma crise espiritual, o Senhor o direcionou a abandonar aquela forma de ministério, passando a segui-Lo integralmente naquilo que parecia ser “o melhor que Deus tinha para ele”. Sparks foi um homem peculiar, que priorizava os interesses do Senhor em vez do sucesso do seu próprio ministério. Sua preocupação não era atrair grandes multidões, mas ansiava desesperadamente por Cristo como a realidade de sua pregação. Por isso, suas mensagens eram frutos de sua visão e intensas experiências pessoais. Ele falava daquilo que vivenciava, e sofria dores de parto para que aquela visão se concretizasse primeiramente em sua própria vida. Pelo menos quatro linhas gerais podem ser percebidas em suas mensagens: (a) o grandioso Cristo celestial; (b) O propósito de Deus focado em ganhar uma expressão corporativa para Seu Filho; (c) a Igreja celestial – a base da operação de Deus na terra e (d) a Cruz – o único meio usado pelo Espírito para tornar as riquezas de Cristo parte da nossa experiência. Sparks também acreditava que os princípios espirituais precisavam ser estabelecidos por meio da experiência e do conflito, quando finalmente seriam interiorizados no crente, tornando-se parte de sua vida. Sparks desejava que aquilo que recebeu gratuitamente fosse também assim repartido, e não vendido com fins lucrativos, contanto que suas mensagens fossem reproduzidas palavra por palavra. Seu anseio era que aquilo que o Senhor havia lhe concedido pudesse servir de alimento e edificação para os seus irmãos. Suas mensagens são publicadas ainda hoje no site www.austin-sparks.net e seus livros são distribuídos gratuitamente pela Emmanuel Church.

“Nenhum homem é infalível e ninguém ainda ”obteve a perfeição”. Muitos homens piedosos precisaram se ajustar, seguindo um senso de necessidade, após Deus lhes haver concedido mais luz.” (De uma Carta do Editor publicada pela primeira vez na revista “A Witness and A Testimony“, julho-agosto de 1946).


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