O oleiro e o vaso” são meditações sobre o texto de Jeremias 18:1-6, considerando o caráter e poder do oleiro de fazer sua obra, seu persistente propósito para obter o resultado desejado e o que pode impedi-lo de fazer de novo um vaso muito bom aos seus olhos. Tomamos como referência o texto “The Potter’s House” de T. Austin-Sparks, mas esse texto não é uma tradução completa do texto original.
***
“Palavra do SENHOR que veio a Jeremias, dizendo: Dispõe-te, e desce à casa do oleiro, e lá ouvirás as minhas palavras. Desci à casa do oleiro, e eis que ele estava entregue à sua obra sobre as rodas. Como o vaso que o oleiro fazia de barro se lhe estragou na mão, tornou a fazer dele outro vaso, segundo bem lhe pareceu. Então, veio a mim a palavra do SENHOR: Não poderei eu fazer de vós como fez este oleiro, ó casa de Israel? — diz o SENHOR; eis que, como o barro na mão do oleiro, assim sois vós na minha mão, ó casa de Israel” (Jr 18:1-6).
“Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (Ef 2:10).
A palavra de Deus a Jeremias traz à luz um princípio espiritual de grande importância. Naquela ocasião, o povo de Israel não ia muito bem. Jeremias tinha um ministério extremamente difícil, trazendo uma palavra de conserto a um povo que era tardio para ouvir, refratário para a mensagem que ele foi comissionado a entregar.
Essa mensagem pode nos ajudar muito nos dias em que vivemos. Ver que o Senhor conduz uma obra, e em Sua perícia Ele busca um resultado que o agrade. Como isso nos traz alento! Nosso Deus tem um propósito. Como aquele oleiro, Ele não senta diante do barro sem um projeto, e é hábil para conduzir Sua obra até o fim.
Entretanto é importante salientar que esse texto pode provocar 3 diferentes efeitos em nós, dependendo da forma que o lemos e o que enfatizarmos. Vamos observar isso cuidadosamente:
“Como o vaso que o oleiro fazia de barro se lhe estragou na mão, tornou a fazer dele outro vaso, segundo bem lhe pareceu“.
1 – O vaso estragou na mão do oleiro
Enquanto fazia sua obra algo aconteceu. O barro não resistiu aos tratos do oleiro e se estragou. É difícil ler essa porção e não ser impressionado com essa afirmação.
Certamente se enfatizarmos esse aspecto do texto ficaremos desesperados. Podemos pensar: ‘nossa, estraguei tudo, não tem mais esperança para mim… estou arruinado’.
Priorizar esse aspecto pode causar um efeito terrível em nós, olharemos para trás sem nenhuma gratificação ou prazer, talvez até com arrependimento ou remorso.
Pensar que não correspondemos aos propósitos do oleiro, e que todas as possibilidades que Ele tinha para nós podem ter sido perdidas nos conduz à uma profunda sensação de derrota. Podemos pensar: ‘Bem, tentarei seguir em frente e terminar a jornada da forma mais decente possível’, mas essa é uma visão desesperadora da vida.
2 – Ele tornou a fazer outro vaso
Se nosso foco for essa porção do texto e essa for a nossa mensagem, isso também pode trazer à luz algumas considerações obscuras. É como se Deus não tivesse sido capaz de cumprir Seus propósito original no que me diz respeito, então preciso me contentar com a segunda opção, algo diferente do plano original, algo que não deveria acontecer. É como se Deus estivesse trabalhando em linhas alternativas. O melhor de Deus estaria definitivamente perdido.
3 – Segundo bem lhe pareceu
Sim, o oleiro fez o segundo vaso segundo bem lhe pareceu. Isso traz um novo prospecto diante de nós, um mundo de possibilidades! É possível ao oleiro dizer: ‘Sim, minha obra me agradou!’ Ele pode encontrar prazer e satisfação nesse novo vaso!
Vale lembrar que a satisfação de Deus é infinitamente melhor do que a alegria que eu mesmo poderia experimentar se estivesse satisfeito. Seu padrão é muito mais elevado que o meu. Se Ele diz: “Está bom”- bem, esse é o TRIUNFO DA GRAÇA, apesar de tudo! Sua sabedoria triunfa sobre todos os nossos problemas – Seu amor supera todas as dificuldades que Ele tem conosco.
Dessas três possibilidades, devemos escolher a terceira! Isso porque nosso Deus é perseverante em Seus propósitos, e no final Ele almeja algo MUITO BOM.
O perseverante propósito de Deus
“No princípio, criou Deus os céus e a terra. A terra, porém, estava sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas.” (Gn 1:2,3).
Ao ler o início do registro de Gênesis percebemos que tudo começa de forma impressionante. Vemos a CASA DO OLEIRO. Só que essa casa descrita aqui é muito maior que a retratada no texto de Jeremias. Vemos uma terra deformada, caótica, vazia… Que terrível imagem, o que fazer com essa terra destruída? É UM ABSOLUTO CAOS. Mas logo nos primeiros versículos temos a visão do OLEIRO trabalhando, tomando aquele barro deformado e fazendo algo novo. Sim, Ele fez de tudo e olhou para sua obra e disse: “muito bom” (vs 12, 21, 25, 31).
Que aplicação ampla, não é mesmo?
Se tomarmos as Escrituras e observarmos esse princípio panoramicamente, ficaremos impressionados com a obra do nosso GRANDIOSO OLEIRO.
Tudo estava preparado e então temos nova interrupção no processo. Mais uma vez o vaso é arruinado! Temos o relato do pecado de Adão, da criação caindo em julgamento, da maldição… tudo foi estragado, e que sofrimento isso ocasionou.
Mas será que o oleiro abandonou o barro? Deixou sua obra de lado?
Não… Ele nunca desistiu. Ainda que Ele tivesse um material tão pobre como o barro diante de si, Ele começa a trabalhar novamente com aquele material, e faz tudo de novo. Desse material tão insignificante emerge um homem chamado Abel. Esse jovem foi honrado pelo testemunho do Senhor Jesus, vemos que ele foi aprovado por Deus. O Senhor o chama de “Justo”, “o justo Abel” (Mt 23:35). Que testemunho!
E o que dizer de Abraão?
É tão bom ver o relato da Palavra de Deus, e agradecemos a Ele por nunca ocultar as fraquezas desses homens notáveis nos quais Ele trabalhou. O Senhor nos permite ver suas falhas, as imperfeições contidas no barro. Em alguns momentos esses homens são quase que aniquilados, não fosse pela poderosa mão do Senhor. Sem a intervenção do alto, eles certamente teriam afundando nas provações, como todo mundo.
Eles estavam NAS MÃOS DO OLEIRO, e isso fez toda a diferença. Desse barro emergiram Abraão, Jacó, Elias…. são tantos nomes que é impossível citar todos eles aqui.
Conhecemos bem Jacó. Ele é o perfeito sinônimo da fragilidade humana. Mas Jacó estava nas mãos do oleiro, e mais adiante o oleiro afirmou orgulhosamente: “Sou o Deus de Jacó”, sim, o Deus de Jacó (Êx 3:6).
Veremos esse princípio se repetindo tantas vezes no Antigo Testamento, temos muitas referências desse princípio. Elias, que segundo Tiago era um homem como nós, passou por severas provações (Tg 5:17). Esse servo de Deus mostrou sua fraqueza quando passou por um momento de incrível tensão, mas ainda assim Deus toma Elias como Sua testemunha fiel – “O oleiro fez outro vaso”.
O que dizer de Davi? Leia o Salmo 51. Vemos que Davi estava absolutamente quebrantado pela profundidade de sua miséria e consciência de sua fraqueza. Vemos um doloroso soluço, uma profunda dor nas linhas desse Salmo: “Cria em mim, ó Deus, um coração puro e renova dentro de mim um espírito inabalável” (vs 10). Mas Deus não desistiu de Davi. Davi, o mavioso salmista de Israel, o Amado Davi do livro de Salmos… o mais grandioso rei de Israel… veja o que Deus fala de seu servo: : “Achei Davi, filho de Jessé, homem segundo o meu coração, que fará toda a minha vontade” (At 13:22).
Ele falhou, foi quebrado, sua vida se tornou na encarnação de uma tragédia, mas Deus nunca desistiu dele e fez um vaso novo!
O que dizer de Pedro… que negou o Senhor? Mas o Pedro que vemos mais adiante no relato de Atos é muito diferente. Deus fez tudo de novo! E João Marcos? O jovem abandonou Barnabé e Paulo em sua viagem missionária! Deus não desistiu de João Marcos. Ele foi restaurado, comissionado novamente… Paulo finalmente diz: “Toma contigo Marcos e traze-o, pois me é útil para o ministério” (2Tm 4:11).
O NOSSO DEUS É UM DEUS DE PROPÓSITOS.
Ele nunca começa nada se Ele não tiver certeza que pode acabar. Quando Ele inicia, Ele aperfeiçoará, Ele tem os recursos, a sabedoria, a paciência, a graça, o amor e o poder. Ele pode fazer! Ele é o Deus da Esperança.
A nossa parte no processo
“Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?! Porventura, pode o objeto perguntar a quem o fez: Por que me fizeste assim? Ou não tem o oleiro direito sobre a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e outro, para desonra?” (Rm 9:20,21).
“Ora, numa grande casa não há somente utensílios de ouro e de prata; há também de madeira e de barro. Alguns, para honra; outros, porém, para desonra. Assim, pois, se alguém a si mesmo se purificar destes erros, será utensílio para honra, santificado e útil ao seu possuidor, estando preparado para toda boa obra” (2Tm 2:20,21).
Existe sim a possibilidade do oleiro não conseguir refazer o vaso, não é? Da mesma forma que temos ilustrações maravilhosas das possibilidades de restauração, quando o barro está nas mãos do oleiro, também temos exemplos de barro que não se tornou em vaso de honra ao seu possuidor.
Tomando quatro exemplos muito patentes, vamos tentar extrair exemplos do que não devemos fazer para não correr esse risco. Vamos observar alguns aspectos das vidas de quatro homens: Caim, Esaú, Saul, Judas. Essas pessoas adentraram em trevas profundas e não temos registro de sua restauração.
O que diferenciou Abel de Caim? Esaú de Jacó? Saul de Davi? E Pedro de Judas?
Aprender essas lições é de grande importante para nós. Precisamos entender A RAZÃO.
“O prudente vê o mal e esconde-se; mas os simples passam adiante e sofrem a pena” (Pv 22:3; 27:12).
O ‘justo’ Caim
“…amemos uns aos outros; não segundo Caim, que era do Maligno e assassinou a seu irmão; e por que o assassinou? Porque as suas obras eram más, e as de seu irmão, justas” (1Jo 3:11,12).
Vemos claramente que Caim não tinha convicção e percepção da profundidade de seu pecado. Ele confiava em suas obras, sua justiça, sua oferta. Ele não percebeu que era pecador e precisava de UM SALVADOR.
Essa foi a grande diferença de Caim e Abel – que pode ser vista nas suas ofertas ao Senhor. Caim se aproximou com o SEU MELHOR, e Abel se aproximou com UM SUBSTITUTO.
Saber que somos pecadores nos coloca no caminho do propósito, da glória, no caminho da satisfação Divina e da realização do Seu propósito. Sim, a consciência do pecado traz consigo essa possibilidade. Se você tem essa convicção, também tem essa promessa e esperança. A pior coisa que pode acontecer com alguém é não perceber, no fundo do coração, que precisa do tesouro que o Senhor providenciou em Seu Filho: um Salvador.
O profano Esaú
“Nem haja algum impuro ou profano, como foi Esaú, o qual, por um repasto, vendeu o seu direito de primogenitura. Pois sabeis também que, posteriormente, querendo herdar a bênção, foi rejeitado, pois não achou lugar de arrependimento, embora, com lágrimas, o tivesse buscado” (Hb 12:16,17).
Esaú não valorizava as coisas de caráter espiritual, a começar por sua primogenitura. A primogenitura o posicionaria como um testemunho vivo para Deus, Esaú seria o Seu representante. Como primogênito, ele seria o sacerdote da família, sua vida estaria atrelada às coisas santas, e ele conduziria toda a família à presença de Deus.
Mas a Bíblia diz que ele “desprezou” seu direito de primogenitura. Esaú não tinha consciência da importância das coisas espirituais. Jacó, por outro lado, vislumbrava um supremo valor nessas coisas ao ponto de tentar furtá-las! Apesar de ter usado meios errados para isso, Deus trabalhou em Jacó.
Como podemos ver esse descaso das coisas espirituais na linhagem de Esaú! Vemos Doegue, o Edomita, que matou os sacerdotes do Senhor (1Sm 22). Onde você encontrar os descendentes de Esaú verá essa característica – e Deus não pode fazer nada com esse coração.
Saul e a confiança no Senhor
“Porém Samuel disse: Tem, porventura, o SENHOR tanto prazer em holocaustos e sacrifícios quanto em que se obedeça à sua palavra? Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar, e o atender, melhor do que a gordura de carneiros. Porque a rebelião é como o pecado de feitiçaria, e a obstinação é como a idolatria e culto a ídolos do lar. Visto que rejeitaste a palavra do SENHOR, ele também te rejeitou a ti, para que não sejas rei” (1Sm 15:22,23).
Saul carecia de mansidão, ele não se deixava conduzir, não obedecia o Senhor. A queda definitiva de Saul – seu ato de desobediência – derivou disso. Ele foi testado e mostrou que não confiava no Senhor. Isso impediu que o oleiro começasse de novo, pois esse é um requisito essencial, o Senhor demanda fé e confiança da nossa parte, ainda que essa seja inicialmente pequena, para que Ele possa fazer de novo.
Judas e o dia que se chama hoje
“…não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não reconheceste a oportunidade da tua visitação” (Lc 19:44).
“Tende cuidado, irmãos, jamais aconteça haver em qualquer de vós perverso coração de incredulidade que vos afaste do Deus vivo; pelo contrário, exortai-vos mutuamente cada dia, durante o tempo que se chama Hoje, a fim de que nenhum de vós seja endurecido pelo engano do pecado” (Hb 3:12,13).
Como resumir o testemunho da vida de Judas? Vemos nele uma enorme falta de sensibilidade para perceber a grandeza da oportunidade que ele presenciou? Ele esteve com Jesus, andou com Ele, foi Seu companheiro e ajudante… Jesus Cristo, o Filho de Deus o chamou para o Seu círculo mais íntimo de comunhão e Judas O vendeu por trinta peças de prata.
Hoje todos fomos convidados à comunhão com o Filho de Deus, somos o grupo mais honrado do universo – podemos viver em comunhão viva com o Filho de Deus, em serviço, em comunhão, em sofrimento… que honra, que privilégio, que bênção!
Precisamos de sensibilidade para perceber e valorizar o que temos diante de nós. Sem essa percepção, o oleiro pouco pode fazer.
Precisamos ser DIFERENTES desses homens: Caim, Esaú, Saul e Judas.
Devemos ser conquistados pelo senso da transcendente importância das coisas eternas, que superam todas as outras considerações nesta vida.
Tomando a própria frase do Senhor Jesus: “Buscai primeiro o Reino de Deus”. As coisas do Reino de Deus devem ter tal importância para nós ao ponto que nada se compare a elas.
De nada vale ter tudo, e perder esse grandioso tesouro. “Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?” (Mc 8:36). O que poderia ser isso? Perder a alma? Perder o propósito pelo qual Cristo nos redimiu.
Se tivermos essa percepção, ainda que não passemos de barro, e ainda que eventualmente sejamos quebrarmos nos tratos do oleiro, podemos ter a confiança que Ele fará novamente outro vaso que O agrade.
Pensar que Ele poderá olhar para Sua obra em nós e afirmar: “Isso é muito bom” é uma perspectiva maravilhosa! Que o Senhor encontre em nós esses elementos que possibilitarão a Ele tornar isso não apenas numa POSSIBILIDADE, mas numa REALIDADE.