“Minha Hora, o lema do Filho do Homem” é uma releitura do artigo “The Watchword of the Son of Man”, de T. Austin-Sparks, disponível para leitura no site www.austin-sparks.net, publicado primeiramente na revista “A Witness and A Testimony” e como livreto em 1929. É importante salientar que não se trata de uma tradução do texto original, podendo conter divergências em relação ao seu entendimento.
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“Mas Jesus lhe disse: Mulher, que tenho eu contigo? Ainda não é chegada a minha hora” (João 2:4).
“Disse-lhes, pois, Jesus: O meu tempo ainda não chegou, mas o vosso sempre está presente”(João 7:6).
“Tendo Jesus falado estas coisas, levantou os olhos ao céu e disse: Pai, é chegada a hora; glorifica a teu Filho, para que o Filho te glorifique a ti” (João 17:1).
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Quando lemos a história do Senhor Jesus registrada nos Evangelhos, não podemos deixar de perceber Sua aguda percepção e senso de propósito.
Sempre que Aquele que é maior que Salomão entrava em cena, notamos alguns aspectos que eram muito claros e que norteavam Suas ações, a saber:
— Sua identidade (Lc 2:49; Jo 2:16; Jo 4:26; 6:35, 41, 48, 51; 7:28; 8:12, 23, 24, 28; 10:7, 9, 11, 14; 11:25; 13:13; 14:6; 15:15; 18:37),
— Quem O havia enviado (Jo 7:28; 8:16,26,29, 12:45; 13:20, 15:21),
— Qual o propósito de Sua existência terrena (Mc 1:38; Jo 18:37),
— Qual seria o meio de glorificar a Deus com Sua vida (Jo 13:31, 32; 17:1, 4, 5, 10).
O Senhor Jesus nunca perdia o foco, mas seguia persistentemente em direção ao alvo, independente das circunstâncias (Jo 6:33; Hb 12:2).
Tendo esse pano de fundo, vamos meditar a respeito de uma expressão usada algumas vezes pelo Senhor em certas ocasiões de Sua peregrinação terrena. Ele fazia referência à certa hora, que, de forma velada, apontava para o clímax do Seu ministério. Tomando essas expressões na ordem cronológica, podemos perceber como elas foram usadas soberanamente pelo Espírito para nos indicar estágios, que se relacionavam ao avanço do Senhor Jesus na direção do Supremo Propósito do Pai.
O irmão T. Austin-Sparks elencou sete dessas ocorrências registradas nos Evangelhos de João e de Mateus, e nos indicou algumas dessas chaves, que são de grande ajuda na compreensão da revelação da visão que o Senhor Jesus tinha do caminho proposto diante de Si. Esse foi o Seu caminho para glorificar o Pai.
Vamos listar as sete citações na ordem cronológica, e então meditar um pouco sobre o que cada uma delas agrega nesses estágios progressivos do louvor da glória do Pai:
Finalmente, o Senhor nos diz “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio” (Jo 20:21). Aos seguidores do Cordeiro (Ap 14:4) não será negado o privilégio de compartilhar de uma medida dos sofrimentos do nosso Senhor (Fp 3:10). Essa é a maneira de desfrutar de Sua vida abundante, pois Sua vida sempre seguirá nessa direção.
Por isso é tão importante termos os olhos do coração iluminados para ver esse caminho, o que nos capacitará a compreender um pouco mais dos tratos do Senhor conosco, sabendo que Ele tem um alvo muito maior e mais abrangente em cada pequeno acontecimento que nos acomete. Nada é pequeno quando envolve o Senhor Jesus, pois nEle reside toda a plenitude, a Pessoa de Deus. Que a palavra do Senhor nos traga encorajamento para guardar até ao fim a confiança que desde o princípio tivemos.
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“Deus sempre mantém Sua visão focada em Um Objeto, e esse Objeto é o Seu Filho. Deus nunca desperdiça nada. Ele não se interessa em “coisas” pequenas. As pequenas coisas se tornam grandiosas quando se relacionam com Seu Filho. Você se considera uma pessoa pequena, sem importância? Se você estiver ligado de forma vital ao Filho, Deus considera você muito importante. Mas isso não quer dizer que “você seja importante”. A nossa importância deriva da importância do Filho de Deus. Ele olha para nós à luz do Seu Filho e Se pergunta: “Quanto desse homem ou mulher responde ao Meu propósito em relação ao Meu Filho? Quanto do Meu Filho existe nesse homem ou mulher?” (The On-High Calling, cap. 1).
1. O SINAL DO SUPREMO PROPÓSITO
“Mas Jesus lhe disse: Mulher, que tenho eu contigo? Ainda não é chegada a minha hora” (João 2:4).
Nessa primeira menção, quando o Senhor fez seu primeiro sinal em Caná da Galiléia, transformando água em vinho, Ele proferiu essas palavras pela primeira vez.
Os detalhes do incidente provavelmente são familiares à todos nós. O vinho havia acabado, e Maria lhe diz: “Eles não têm mais vinho” (vs 3). Não fica claro se ela antecipava o milagre ou não, mas a resposta do Senhor é muito instrutiva: “Mulher, que tenho eu contigo?”.
Nessa expressão tão direta, percebemos um princípio espiritual. Maria e o Senhor Jesus estavam gravitando em esferas diferentes. Ali percebemos uma divergência de pensamento, uma ausência de comunhão naquele sentido. Também é claro, pela expressão “a minha hora”, que o Senhor tinha algo em mente.
Por isso, o que aconteceu a seguir indica algo que estava em Sua mente, e que tinha um sentido que transcendia a compreensão humana. O apóstolo João registra que ali ficou marcado o início do ministério do Senhor Jesus: “Com este, deu Jesus princípio a seus sinais em Caná da Galiléia; manifestou a sua glória, e os seus discípulos creram nele” (vs 11).
Tendo isso em mente, devemos observar alguns detalhes impressionantes desse ‘sinal’ tão abrangente. O uso das expressões “Minha Hora”, e “Sua glória” nesse relato de João deixam ainda mais premente a relevância daquele incidente dentro do Propósito Eterno de Deus.
A base daquele milagre foi o vinho. Como sabemos o vinho é muitas vezes tomado na Palavra de Deus como símbolo do sangue e da vida. Quando nos ajuntamos ao redor da Mesa do Senhor, tomamos o vinho como representação da vida do Senhor. Essa foi a base daquele sinal, que estava atrelado à Sua Hora e Sua glória.
Outro ponto importante é que, a partir daquele momento, o Senhor dá o primeiro passo em relação ao Seu ministério público, deixando aquela esfera mais restrita de sua vida pessoal e familiar. A partir dali, Ele Se tornou um homem marcado.
As pessoas O buscavam para dEle receber alguns benefícios, que eram tão atraentes às multidões, e por outro lado, Ele também era fortemente perseguido e buscavam Sua destruição. Ali se iniciou um combate que se encerrou na Sua última declaração: “Eis que é chegada a hora, e o Filho do Homem está sendo entregue nas mãos de pecadores” (Mt 26:45).
Mas qual seria o ponto central na mente do Senhor contido naquele SINAL? Tudo que o Senhor Jesus fazia era cheio de propósito, nada era casual, incidental. Aquele “incidente social” era parte de um grande prospecto: o grandioso propósito de Deus. Devemos nos lembrar de que tudo que está ligado ao Senhor Jesus de forma vital se torna grandioso!
Nesse sinal, vemos uma projeção clara daquilo para o qual Ele veio: UM RELACIONAMENTO BASEADO EM VIDA, tão íntimo e organicamente entretecido quanto aquele que é estabelecido no relacionamento conjugal, dentro dos conselhos eternos de Deus (Gn 2:24; Mt 19:5, 6, Ef 5:31,32).
Aquela VIDA seria encontrada no Seu sangue. Ali vemos um relance do propósito eterno.
A hora que o Senhor será glorificado será quando, finalmente, Ele obtiver sua noiva, por quem Ele se entregou, deu Sua vida (Ef 5:25). Esse é o Seu objetivo. A Sua HORA e Sua GLÓRIA estão diretamente atreladas à isso.
Para a manifestação de Sua glória, o Filho do Homem demanda por uma igreja que possui um relacionamento permanente com Ele, baseado na Vida que Ele entregou.
Esse sinal prefigura Sua morte e ressurreição pelas quais Ele obtém Sua igreja — uma Vida derramada como base de uma união, nos proporcionando novidade de vida.
No deserto, o povo de Deus tinha a nuvem e a coluna. Em Canaã, eles tinham o Capitão do Exército do Senhor. Em João 14, o Senhor nos diz que Ele mesmo iria preparar o lugar para os discípulos, e que Ele é o caminho, a verdade e a VIDA.
Temos a realidade dos tipos do Antigo Testamento em Sua pessoa.
Somente por meio de uma união orgânica com o Senhor, tipificada pelo casamento, provaremos do suprimento renovado de alegria nEle.
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“‘Minha hora’. Oh! Quando vemos Quem o Senhor Jesus de fato é! A plenitude de Deus para nosso vazio, a alegria de Deus para nossa tristeza, a vida de Deus para nossa morte, a esperança de Deus para nosso desespero; Cristo é tudo isso… No final das contas, o Pai está enchendo todas as coisas de Seu Filho, e a Igreja é destinada a ser “a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas” [Ef 1:23]. Vasos cheios – uma humanidade cheia até a borda com a vida, alegria, glória do Senhor, daquilo que Ele é.” (Vimos Sua Glória, Cap. 2).
2. A SEGURANÇA DO SUPREMO PROPÓSITO
“Então, procuravam prendê-lo; mas ninguém lhe pôs a mão, porque ainda não era chegada a sua hora” (João 7:30).
Mais adiante, o Senhor comenta mais uma vez sobre a perseguição que sofria, e COMO via todo esse processo à luz do propósito eterno de Deus.
“Por isso, o Pai me ama, porque eu dou a minha vida para a reassumir. Ninguém a tira de mim; pelo contrário, eu espontaneamente a dou. Tenho autoridade para a entregar e também para reavê-la. Este mandato recebi de meu Pai” (João 10:17-18).
A Sua vida seria entregue NA HORA certa. O Senhor Jesus sabia que não seria assassinado, apesar de afirmar saber quem estava por trás de todos aqueles acontecimentos, o homicida, pois “ele foi homicida desde o princípio” (Jo 8:44). O Senhor não era ingênuo ao ponto menosprezar aqueles que o perseguiam, mas também tinha a forte convicção do propósito de Sua existência.
Vemos no incidente da Sua tentação no deserto por 40 dias, conforme relatado pelos evangelhos, que o inimigo tentou de maneiras variadas tirar o Senhor do caminho de Deus: “Então, o levou a Jerusalém, e o colocou sobre o pináculo do templo, e disse: Se és o Filho de Deus, atira-te daqui abaixo” (Lc 4:9). Mas o Mestre percebia os ardis do maligno e sabia que Sua morte seria algo deliberado dentro da VONTADE DE DEUS. Seria uma vitória, não uma derrota!
Nesse incidente, percebemos a SEGURANÇA do Supremo Propósito de Deus. A VIDA não pode ser tocada pelo homem. A entrega da vida do Senhor foi um ato deliberado de autoridade. Ele tinha autoridade para ENTREGÁ-LA e para REAVÊ-LA. Mesmo à sombra da Cruz, vemos o brilho reluzente da ressurreição, o triunfo daquela Vida, porque aquilo estava dentro do propósito de Deus, e ninguém – nem homens, nem anjos – poderia interferir nisso.
Esse conhecimento é fundamental na vida de cada filho de Deus, à medida que ele segue o Senhor Jesus. Se possuímos SUA VIDA, e se perseverarmos nos SEUS CAMINHOS, o FIM não será governado pelas circunstâncias, pelo inimigo ou por fatos ocasionais.
Tudo que nos acometer será deliberado, permitido pelo Senhor, independente de compreendermos ou não. O homicida já foi derrotado na Cruz, e o propósito do Senhor está assegurado naquela VIDA.
O triunfo da VIDA do Senhor Jesus é sustentado no caminho da vontade Divina. Se nos desviarmos desse caminho, não teremos garantias de proteção do homicida.
A segurança do propósito está na VIDA que persevera na VONTADE de Deus. E essa é a vida do Senhor Jesus que está em nós.
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“Algo em que precisamos acreditar – e se necessário, talvez até lutar para acreditar – é que o fim justificará o caminho, e que Deus será plenamente justificado pelo caminho por meio do qual Ele nos conduziu…. Não é fácil acreditar que as experiências da vida e os caminhos cheios de sofrimento, aflição, decepção, tristeza, perplexidade e espanto pelos quais o Senhor conduz as vidas daqueles que se entregam a Ele – coisas que, por vezes, abalam seus próprios fundamentos – poderiam levá-las a afirmar, no futuro: “Deus não cometeu nenhum erro. Ele sabia o que estava fazendo. Ele fez a coisa certa!”
Diante de tudo o que podemos estar passando, do estado em que nossas vidas se encontram agora, talvez seja difícil acreditar que tudo esteja certo, precisamente certo. Mas o fim justificará o caminho, vindicando a maneira de Deus lidar conosco. Finalmente, diremos: “Deus não cometeu erros!” Nos pequenos incidentes de nossas vidas, ao passarmos por provações difíceis, experiências profundas e escuras, e então sairmos do outro lado entendendo o sentido de tudo, pudemos ser capazes de dizer: “Não teria ficado sem isso por nada! Estou feliz por ter tido essa experiência”. Entretanto, enquanto estávamos passando pelas situações, a última coisa que teríamos dito seria isso. O final altera, de forma estranha, nossa perspectiva do todo. Quando ali chegarmos, finalmente diremos: “Afinal de contas, o Senhor não estava tão errado quanto imaginava. Ele estava certo” (“Ascendência Espiritual”, cap. 1).
3. A LEI DO SUPREMO PROPÓSITO
“Estes, pois, se dirigiram a Filipe, que era de Betsaida da Galiléia, e lhe rogaram: Senhor, queremos ver Jesus. Filipe foi dizê-lo a André, e André e Filipe o comunicaram a Jesus. Respondeu-lhes Jesus: É chegada a hora de ser glorificado o Filho do Homem. Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, produz muito fruto… Agora, está angustiada a minha alma, e que direi eu? Pai, salva-me desta hora? Mas precisamente com este propósito vim para esta hora.” (João 12:21-24; 27).
A próxima referência está no capítulo 12 de João. Naquele momento alguns gregos se dirigiram a Filipe, dizendo: “Senhor, queremos ver Jesus.” Então, o Senhor replica com essa afirmação desconcertante. Essa passagem certamente nos é muito familiar, trazendo à luz elementos tão impressionantes como o grão de trigo, indicando o Corpo de Ressurreição, a glorificação do Filho do Homem, e o triunfo de Cristo sobre a morte física.
Vemos a capacidade única do Senhor de triunfar sobre a morte. Entretanto, devemos nos lembrar que esse triunfo abrange mais que Sua vida individual, mas também Seu Corpo Ressurreto, que é corporativo. Assim, os membros de Seu corpo também compartilham dessa Vida de Ressurreição.
Já abordamos o SINAL do Supremo Propósito, a SEGURANÇA do Supremo Propósito, e nesse incidente temos descortinado diante de nós a LEI do Supremo Propósito.
Sim, “se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só”. A VIDA ATRAVÉS DA MORTE.
Essa verdade é tão amplamente difundida que pode parecer até desnecessário discorrer muito sobre o assunto, mas é importante afirmar que tudo que se relaciona ao Supremo Propósito de Deus deve se originar no Poder de Sua Ressurreição.
Isso ocorre com os nossos relacionamentos. Como somos testados nesse quesito!
A cruz e nossa posição com o Senhor podem nos custar caro. Nossos relacionamentos são testados nessa base, aquilo que é de Deus permanece, sobrevive ao toque da morte. Por outro lado, o que não é dEle, certamente não nos fará falta. Devemos nos erguer na vitória de Sua vida.
Se algo foi semeado por Deus no túmulo do Senhor Jesus, se erguerá no poder de Sua vida que vence a morte, ressurgirá em outro nível, nesse poder da ressurreição.
Isso é muito real em nossa experiência.
O batismo na morte nos dá a impressão de que tudo do inferno parece ter sido liberado, passamos por trevas, agonia profunda, antagonismo espiritual quase que intoleráveis. Mas onde estamos hoje? Subindo, subindo, cada vez mais alto.
Essa é a ordem contínua, o ciclo da lei do supremo propósito. Somos batizados na Sua morte, e então desfrutamos de uma maior plenitude da Vida do Senhor.
Certamente, antes do retorno do Senhor, a Igreja será batizada ainda mais profundamente em Sua morte, porque também será tomada até as mais elevadas alturas.
Esta é a lei do Supremo Propósito, que será levada a termo nas nossas vidas, em cada relacionamento, em todas as coisas. Tudo visando o aumento, o alagamento: de um grão de trigo para muitos, todos compartilhando da mesma vida. Essa é a LEI. Não poderemos fugir dela.
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“Quando olhamos para o mundo cristão no nosso tempo, percebemos como o alargamento de nossa vidas pela fé provada e exercitada é extremamente necessário. Existe uma premente necessidade do espiritual, do Divino, do alargado! Atualmente tudo é tão pequeno espiritualmente, as coisas são tão fracas, oscilantes e inconsistentes. Como é grande a necessidade de mais vida, da vida celestial, uma maior plenitude de vida entre o povo do Senhor! Mas, enquanto reconhecemos que essas coisas são necessidades gritantes, devemos provavelmente estar preparados para admitir que o único caminho para obtê-las é mediante testes e provações do povo do Senhor. Nós não gostamos da ideia, mas percebemos que tudo precisa ser posto à prova, deve ser testado, para então ser firmemente estabelecido…
Este parece ter sido o caminho de Deus com o Seu povo ao longo de todas as eras: por meio de uma fé experimentada, testada, provada e estabelecida, Ele conduziu Seu povo ao alargamento, estabelecimento e vida mais abundante. Estas são leis dos caminhos de Deus, são princípios dos Seus tratos com Seu povo” (“Fé em Alargamento pela Adversidade”, cap.2).
4. A BASE DO SUPREMO PROPÓSITO
“E ele lhes respondeu: Ide à cidade ter com certo homem e dizei-lhe: O Mestre manda dizer: O meu tempo está próximo; em tua casa celebrarei a Páscoa com os meus discípulos” (Mateus 26:18).
Aqui vemos o Senhor preparando a Páscoa para comer com os discípulos. Vemos novamente o Sangue sendo trazido à luz. Outro ponto central é a ocasião do evento: a Páscoa. Será que existe algo mas impressionante relacionado à Páscoa do que o derramamento de sangue? Aquela foi UMA ALIANÇA.
Lemos no verso 28 algo muito importante, quando o Senhor Jesus fala a respeito do “sangue da nova aliança”, da “aliança eterna” (Hb 13:20). Essa Páscoa foi usada para trazer OUTRA ALIANÇA à luz:
“Porque isto é o meu sangue, o sangue da [nova] aliança, derramado em favor de muitos, para remissão de pecados” (vs 28).
Tendo a Páscoa diante de nós, vemos como foi o sangue do Cordeiro que tornou possível essa aliança entre o Senhor e Seu povo, contra o Senhor da morte. Ali no Egito a autoridade dele foi retirada, e pelo sangue daquele Cordeiro, Israel foi protegido da tirania daquele que tinha “o poder da morte, a saber, o diabo” (Hb 2:14).
Na Páscoa eles foram trazidos da morte para a vida, das trevas para a luz, da escravidão para a liberdade, da vergonha para a glória, da desolação para o fruto.
Aquela aliança foi a base de sua emancipação – a aliança de sangue.
Então, vemos o Senhor Jesus estabelecendo uma nova aliança com Seus eleitos. Eles serão vitoriosos sobre a morte por meio de uma união com Ele, como membros do Seu Corpo.
Nessa aliança a morte perderá seu terreno, no futuro.
Aqui temos a BASE do Supremo Propósito. Nos é claramente indicado pelo Senhor Jesus o fundamento daquela aliança de VIDA na qual somos sustentados em vitória.
Algo foi realizado pelo sangue e pela vida do Filho Eterno de Deus, a quem Deus “tornou a trazer dentre os mortos a Jesus, nosso Senhor, o grande Pastor das ovelhas, pelo sangue da eterna aliança”, ESSE é o terreno absoluto da vitória.
Essa é uma ALIANÇA ETERNA. Nosso Deus guarda e cumpre Suas Alianças, por isso essa é uma base sólida para o desfrute de uma vida triunfante. O Senhor não quebrará Sua Aliança conosco.
Essa Aliança nos traz à uma união triunfante com Ele!
O Senhor assegura que Sua Aliança será a base – aquele relacionamento em vida por meio do qual Ele irá operar nos Seus tudo aquilo que foi forjado na Sua Cruz e Ressurreição.
Como o Senhor irá demonstrar no kosmos, nesse mundo, Seu triunfo sobre a morte? Ele o fará por meio DAQUELES que estão em aliança de Vida com Ele.
O Senhor declara que a unidade com Sua morte, sepultamento e ressurreição é o caminho da vitória.
O que Ele diz, com efeito, é o seguinte: o que é verdade a meu respeito, será verdade em vocês, vamos demonstrar essa vitória juntos em todo o universo. Uma vida de aliança. Essa é a HORA. “O meu tempo está próximo” [vs 18].
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“Ao sermos levados a considerar A CRUZ E A VIDA VITORIOSA desejo, logo de inicio, afirmar que nenhum de nós jamais será um vencedor. Por muitos anos, muitos de nós temos acreditado que somos vencedores. Bem, sei que isso demanda por muita explicação, mas o afirmo simplesmente porque é necessário estabelecer, de uma vez por todas, que nós, em nós mesmos, nunca seremos vencedores. Só há um Vencedor no universo, e esse é o Senhor Jesus Cristo. Se houver algum outro vencedor, ele não será de modo algum desassociado dEle, mas será simplesmente uma extensão e expansão da vitória do Senhor Jesus. Toda vitória será resultante de uma unidade corporativa em vida com Ele. Não são duas vidas e experiências distintas, mas uma experiência compartilhada. Essa é a natureza de vencer. Será simplesmente, da Nossa parte, o participar do próprio triunfo do Senhor, o compartilhar de Sua própria vitória. Não serão várias vitórias, mas UMA VITÓRIA, em UM CORPO”. (A Cruz e a Vida Vitoriosa).
“Qual é a base da vitória? Qual o fundamento do triunfo definitivo? Qual será o meio que Deus usará para chegar ao Seu objetivo final? Aqui nos é dito que será “pelo sangue do Cordeiro”… Qual é o significado da aplicação do Sangue? Significa que a absoluta santidade do Senhor Jesus é o fundamento no qual nos apoiamos. Isso nos concede autoridade, poder. É a perfeição essencial de Cristo que nos dá segurança, fé, confiança e nos sustenta em nosso testemunho. Se nos apoiarmos em nós mesmos, estaremos derrotados. Não existem perfeições em nós! Não existe nada em nós que possa reduzir a nada Satanás, nos livrando de suas acusações e nos tirando dessa posição onde ele prevalece. Mas quando nos firmamos em Cristo, em toda a perfeição da Sua natureza, do Seu ser, em Sua absoluta santidade representada pelo Sangue incorruptível, temos livramento. “Pois foi expulso o acusador de nossos irmãos, o mesmo que os acusa de dia e de noite, diante do nosso Deus” [Ap 12:10]… Nesse momento, não mais permanecemos firmes baseados nas nossas próprias imperfeições, pecados, fraquezas, faltas, mas fundamentados na base da absoluta perfeição do Senhor Jesus… Essa é uma questão de absoluta santidade, que não está baseada em nós mesmos, mas nEle! Tudo se relaciona a nos apropriarmos e apreendermos, pela fé, de tudo o que o Senhor Jesus é em Sua natureza essencial, como o Cordeiro sem mácula de Deus. Ele é para Deus por nós, de Deus para nós. Nunca poderemos exagerar ao reiterar isso. Essa é a base da vitória” (Pelo Sangue do Cordeiro).
5. A MENTE E O MÉTODO DO SUPREMO PROPÓSITO
Vamos retornar para o Evangelho de João, no capítulo 13. Aqui temos o registro de um incidente muito significativo.
“Ora, antes da Festa da Páscoa, sabendo Jesus que era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim” (João 13:1).
Quanta riqueza! “Sabendo este que o Pai tudo confiara às suas mãos, e que ele viera de Deus, e voltava para Deus” [vs 3], sobre essa base Ele se levantou da ceia, despiu-Se de Suas vestes, tomou uma toalha e Se cingiu, derramando água sobre uma bacia e lavando os pés dos discípulos.
O Senhor ainda faz um comentário impressionante à Simão: “O que eu faço não o sabes agora; compreendê-lo-ás depois” [vs 7]. Então, certamente esse ato deveria ser simbólico, um sinal. Esse É O SINAL DE JESUS. Ele atinge toda as eras, perscruta os recônditos da eternidade. Tomando as palavras de Austin-Sparks ao parafrasear esse incidente:
“O Senhor Jesus se levantou de Seu Trono, deixou de lado Suas vestes de Luz. Cingiu Sua Pessoa gloriosa com a pobre toalha da natureza humana, derramando Seu próprio Sangue em uma bacia, na Cruz, para limpar o universo das manchas do pecado… Mas agora Ele estava prestes a deixar de lado as vestes da humilhação para entrar novamente na presença de Deus e se cingir para interceder permanentemente – na virtude de Seu Sangue derramado – pela preservação da vida, caminhada, obra, e comunhão de santidade dos Seus servos” (T.A-S).
Esse é o significado desse ato. Se tomarmos o texto de Filipenses 2, vemos que Ele estava no Trono com Deus, deixou Suas vestes de Glória, “tomando a forma de servo, em semelhança de homens”. Ao assumir a figura humana, o Senhor naturalmente se esvaziou, se tornando servo. Aquela foi toalha de Sua natureza humana. Em essência, Ele sempre foi igual ao Pai, mas em Seu ministério, Ele aceitou o caminho da dependência. Ele desceu, derramou Seu Sangue, assumiu aquele caminho de dependência que era nosso.
Ele sabia que era de suma importância o fato que ‘o Pai confiou tudo às suas mãos… e que Ele voltava para Deus” [vs 3]. Aquele foi o pano de fundo de tudo que aconteceu naquele capítulo.
Ali, o Senhor mostrou o caminho do mais elevado serviço, que não é ser importante, elevado diante dos homens. Aquele foi um golpe na atitude dos discípulos, pois ninguém estava disposto a assumir aquela posição de servo que Ele assumiu ao lavar os pés deles.
Devemos reconhecer que esse é o ponto central. O orgulho é a fonte de todo pecado da humanidade. Tudo começou com Satanás (Is 14:13,14). Ele não tinha o direito que tentou usurpar. Entretanto, Aquele que tinha todos os direitos do universo, não se apegou à eles, abriu mão. O orgulho é a fonte de todo o pecado humano, e é a causa da derrocada do mundo. Dessa forma, Cristo precisava prover um antídoto para a fonte do pecado.
Qual seria esse antídoto? A Sua própria humilhação. Ele inverte essa ordem, destruindo as obras do diabo ao se esvaziar.
Se desejarmos remover o terreno do inimigo em nossa vida, o orgulho precisará ser arrancado de nossos corações, precisaremos nos derramar a favor do Nome do Senhor, e a favor dos outros. Posição, prestígio, reputação e todas essas coisas não devem ser prioridades para nós. Esse é o espírito do serviço vitorioso.
Aqui temos A MENTE e O MÉTODO do supremo propósito.
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“Não é errado ter ambição, aspirações, mas é errado que isso seja motivado por interesses e motivações pessoais. Tudo isso deve passar pelo cadinho da Cruz e ser queimado. Aqui está o paradoxo, o problema, a dificuldade de uma vida Cristã verdadeira: ela deve ser quebrada, esvaziada, humilhada e reduzida a nada, ainda assim preservando uma ardente aspiração. Como reconciliar essas coisas? Encontro isso no apóstolo Paulo. Com exceção do Senhor Jesus, nenhum outro homem foi tão dominado pelo espírito de ascendência e domínio do que ele (ou devemos chamar isso de ambição, aspiração?), e mesmo assim nenhum homem foi tão altruísta. Como ele sofreu nas mãos daqueles que lhe deviam tudo! Mas ainda assim não notamos traços de elemento pessoal. Ele foi o homem que pôde escrever: “o amor não busca os seus próprios interesses, não se ufana, não se ensoberbece”. Tudo isso é ascendência; não indica apenas uma localização geográfica, mas ascendência espiritual. Vamos pedir ao Senhor para plantar em nós uma ambição apaixonada por Sua glória, e que nós possamos ser preservados puros por meio da Cruz, para que a nossa glória não force um caminho de entrada. Isso vai depender muito da graça de Deus” (Ascendência Espiritual, cap 3).
“É muito fácil para nós pregar e discorrer sobre a exaltação do Senhor Jesus, Sua entronização e glorificação – é maravilhoso falar a esse respeito, e é claro, também é muito agradável falar sobre Sua Igreja, que é o Seu corpo – a grande obra-prima de Deus… Mas o teste se de fato compreendemos interiormente essas coisas é o quanto deixamos a Cruz operar em nós; porque essas coisas tão grandiosas – Sua exaltação e Sua igreja – só poderão ser tornadas efetivas no crente por meio da obra da Cruz… Lembre-se que Ele jamais seria exaltado, se não tivesse ido à Cruz. Aquele poderoso “pelo que também” se originou no “tornando-se obediente até à morte e morte de cruz” (Fp 2:8,9)… Assim, fica muito claro que se a Cruz não operar em nós, o Senhor Jesus não poderá ser glorificado em nossas vidas… Os caminhos de Deus são sempre positivos, cheios de propósito e significado, não são negativos, como costumamos pensar. Seu alvo é sempre construir, não destruir, e o seu alvo na Cruz é ampliar… Se pudéssemos crer, mesmo nos momentos mais devastadores, quando tudo parece perdido e tirado de nós… se ao menos pudéssemos crer que Deus está agindo – não para destruir , mas para alargar!… Ele está arando, cavando, e busca uma colheita. Ele sabe porque está fazendo as coisas daquela maneira, apesar de não compreendermos. Podemos ter certeza de uma coisa: Deus está operando por meio da Cruz para tornar as coisas mais seguras para Ele” (“To Whom is The Arm of the Lord Revealed?” – cap 4).
6. O INSTRUMENTO DO SUPREMO PROPÓSITO
“Tendo Jesus falado estas coisas, levantou os olhos ao céu e disse: Pai, é chegada a hora; glorifica a teu Filho, para que o Filho te glorifique a ti” (João 17:1).
Percebemos que João 17 tem uma abrangência impressionante, remetendo-nos à ETERNIDADE PASSADA: “agora, glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto de ti, antes que houvesse mundo” (vs 5), PARA O PRESENTE: “Eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim” (vs 23), e a ETERNIDADE FUTURA: “Pai, a minha vontade é que onde eu estou, estejam também comigo os que me deste, para que vejam a minha glória que me conferiste, porque me amaste antes da fundação do mundo” (vs 24). Os céus, a terra, os crentes e descrentes e até o maligno são abordados nessa oração.
Tendo todos esses aspectos em vista, o Grande Sumo Sacerdote realiza Sua oração universal e atemporal. Ainda assim, tudo está focado em um ponto no tempo que Ele intitula: “a hora”. A que essa hora se refere? Ao momento da glorificação do Filho, que está orando. Mas qual seria um dos fatores proeminentes nessa glorificação? Que o mundo conheça que Ele foi enviado pelo Pai, e então nEle creia.
Qual seria o meio para fornecer essa prova de que Ele veio e cumpriu Sua obra com sucesso? Isso se daria por meio da manifestação triunfante de Sua própria Vida indestrutível e incorruptível, e da qual a Igreja, que é Seu Corpo, será constituída como um organismo vivo.
A essência desse capítulo tão multifacetado e abrangente parece residir na constituição de um testemunho efetivo relacionado ao Senhor Jesus nas nações e por meio da Igreja, fundamentado na virtude da Sua Cruz.
Esse testemunho parece ter como verdade básica a união orgânica entre todos os membros de Cristo. Esse padrão é revelado no verso 21, na unidade entre Cristo e Deus. Isso não se refere à apresentação de uma fachada de unidade ao mundo, mas do impacto de uma Presença poderosa.
Cristo habitou no Pai e Sua vida se originava dEle nos dias de Sua carne. Ele disse: “eu vivo pelo Pai” (Jo 6:57). Foi o efeito dessa vida que demonstrou a unidade entre Eles.
Unidade é um poder espiritual, não uma força organizada. Não devemos nos iludir acreditando que o mundo governado pelo “espírito que agora atua nos filhos da desobediência” [Ef 2:1] irá se dobrar à um testemunho baseado em verdades objetivas, ensinos, independente de uma apresentação visível. A convicção de que Cristo veio ao mundo reside no poder permanente de Sua vida imputada a nós, que é a possessão comum de todo aquele se torna parte de Seu Corpo por meio do novo nascimento.
Conhecer a Deus e conhecer Aquele a quem Ele enviou é uma questão de vida: “E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (Jo 17:3). Não me refiro a uma VIDA que resulta do conhecimento, mas de um conhecimento que deriva da VIDA. Quando o Senhor Jesus ora para que o mundo O conheça e creia, Ele atrela isso à uma manifestação viva da união do crente com o Pai e com Ele, e isso de forma permanente. Esse relacionamento seria um testemunho da realidade viva de Cristo.
Então, esse é um capítulo de consagração, baseado no próprio modelo que podemos vislumbrar em Sua vida: “E a favor deles eu me santifico a mim mesmo, para que eles também sejam santificados na verdade” (Jo 17:19).
Veremos um aspecto tríplice da UNIDADE nesse capítulo:
Vs 21 – A unidade básica em Cristo – “A fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós; para que o mundo creia que tu me enviaste”.
Vs 11 – A unidade manifestada – “Já não estou no mundo, mas eles continuam no mundo, ao passo que eu vou para junto de ti. Pai santo, guarda-os em teu nome, que me deste, para que eles sejam um, assim como nós”.
Vs 23 – O processo e consumação da unidade = a união plena – “Eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim”.
A GLORIFICAÇÃO também é demonstrada de forma tríplice:
Vs 1: A glorificação do Pai no Filho
vs 10: A glorificação do Filho na Igreja
vs 24: A glorificação da Igreja no Filho
Tudo isso está atrelado àquela “HORA” que seria a hora da Cruz. A Cruz é necessária para que isso aconteça. A participação da vida do Senhor demanda pelo fim da vida do ego. De fato, é a vida natural que obscurece a glória de Cristo. A inclinação da carne sempre tenta tirar de Cristo a glória que Lhe é devida. Por meio da carne, vemos o princípio usado pelo Adversário para roubar a glória de Deus na humanidade.
A oração de João 17 também aborda o Maligno, que atua na humanidade caída por meio de sua natureza peculiar, usando rivalidades, facções, partidos, ciúmes, suspeitas, ódio, conflito. Cristo veio para tratar com esse pano de fundo, estabelecendo um novo fundamento de unidade, que é muito mais profundo que o nosso intelecto ou as nossas emoções.
Se pudermos observar outro elemento importante em João 17, seria o espírito de humildade do Senhor Jesus. Podemos perceber esse espírito gravado nesse capítulo. O rebento do orgulho é o espírito desse mundo, e precisaremos desesperadamente de libertação dele. O orgulho é a causa e raiz de todas as divisões. Nunca ocorreu uma rivalidade entre o povo de Deus que não tivesse sua raiz no orgulho, que cega e engana. Por vezes, o engano leva o orgulhoso até mesmo a acreditar que é a mais humilde das criaturas. O filho primogênito do orgulho é o ciúme. O ciúme é um dos fatores que impede a unidade e divide os irmãos.
O espírito de sujeição de Cristo, visto em Sua sujeição ao Pai, é a força mais poderosa da comunhão. “Reter o Cabeça” é a lei vital do Corpo de Cristo.
O Senhor intercede por AQUELA HORA, quando, por meio da Cruz, em plena consagração ao Pai, no poder de uma vida eterna e pelo Espírito eterno [Hb 9:14], Ele enfrentaria o arqui-inimigo de Deus, assegurando que Seu propósito seria cumprido nos Seus.
“Quando “movimentos” e empreendimentos dos homens tomam o lugar do movimento espontâneo do Espírito de Deus; quando o “ensino” como algo puramente mental prevalece à verdadeira fome espiritual; quando “homens”, não o Senhor Jesus, se tornam no centro de uma comunhão; e quando até mesmo o “testemunho” se torna mais importante que a Pessoa do Senhor; as divisões estão prestes a acontecer”. (TA-S)
Assim, chegamos ao ápice de João 17, “Pai, glorifica a Teu Filho”. Apenas Ele é o objeto de toda a glória, é a Cabeça Soberana. Tudo deve ser focado nEle, e só assim a unidade será obtida e manifestada. Para vivenciar isso, o crente precisará conhecer a Cruz em sua própria experiência. Resumidamente:
“Não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou” (2Co 5:15).
A oração do Senhor antecede e antevê a dispersão de todos os discípulos, e foi uma oração por uma nova união estabelecida sobre uma base mais segura do que a que havia naquele momento. Aquela dispersão foi resultante de uma “ofensa” (Mt 26:31; Jo 16:1), causada pelo desapontamento. Aquilo não ocorreria se não existissem falsas motivações, expectativas e um espírito errado, como podermos ver naquela ocasião. Os discípulos ainda demonstravam uma constante preocupação com seus interesses pessoais.
Tudo deveria ser sustentado para Cristo e por meio dEle.
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“Jesus é declarado e definido como o Horizonte de Deus. O horizonte representa a extensão mais ampla da visão de Deus, e a esfera total de Seus interesses e atividades.
Isso indica que o Filho de Deus, o Senhor Jesus, é estabelecido por Deus o Pai como a norma; a representação daquilo que será eventualmente o padrão de todo o universo. Tudo dentro desse horizonte universal tomará o caráter dEle. Ele, portanto, deve ser muito grandioso; se pensarmos que será um Cristo universal, além de Quem não haverá nada, porque Ele é o Horizonte. Sabemos muito bem que, embora possamos nos posicionar em um determinado ponto e dali contemplarmos o horizonte, à medida que avançarmos em sua direção, não importa a distância e o tempo percorridos, o horizonte ainda estará muito adiante de nós; e não poderemos alcança-lo nesta terra, neste mundo, nesta criação.
Assim, quando Deus finalmente tiver todas as coisas conforme idealizou, tudo será uma expressão e manifestação de Seu Filho. Ele deve ser preeminente em todas as coisas, preenchendo todas as coisas, e tudo deve ser agregado a Ele. Ele é a soma dos propósitos de Deus. Quão grande é Este a Quem chamamos nosso Senhor Jesus! Que possamos receber uma nova impressão da grandeza de nosso Cristo; e que possamos aprender como Ele é, e qual é a semelhança a que Deus nos destinou a ser conformados” (“Horizoned by Christ”, cap 1).
7. O PREÇO DO SUPREMO PROPÓSITO
Finalmente, chegamos à última menção dessa expressão tão importante, que está em Mateus 26:45:
“Então, voltou para os discípulos e lhes disse: Ainda dormis e repousais! Eis que é chegada a hora, e o Filho do Homem está sendo entregue nas mãos de pecadores”.
Interessante pensar que depois de uma oração por unidade e comunhão forte, profunda e indestrutível em Sua Pessoa, o Senhor seja encontrado sozinho, sem nenhum companheiro acordado na hora de Sua maior necessidade.
Sim, Ele obterá o desejo do Seu coração, mas deverá pagar o preço primeiro, e algo deverá ser realizado para obter essa firme base na rocha inabalável do Divino, removendo a instável areia de nossa humanidade.
Ele precisaria pisar o lagar sozinho [Is 63:3], e nesse sentido vamos citar Suas palavras a Pedro: “Não me podes seguir agora; mais tarde, porém, me seguirás” (João 13:36). Os discípulos, de fato, não percebiam o que estava ocorrendo. Só o Senhor sabia o que estava envolvido naquela hora, e apesar de Sua natureza humana clamar por companheirismo e cooperação, só Ele poderia “adiantar-se um pouco” para aquele “ali”, que era tão distante quanto um tiro de pedra (Mt 26:39, 36; Lc 22:41).
Ele estava experimentando a desolação essencial para o exercício pleno de Sua função e obra. Ninguém mais deveria experimentar essa dor, na mesma medida, apesar de sermos convidados à comunhão com Seus sofrimentos. Existe uma característica expiatória de Sua Cruz que é única e exclusiva do Filho de Deus.
Da mesma forma que aconteceu ao Senhor, os seus servos experimentação o mais elevado preço dessa comunhão, que é a solidão. Nesse momento ninguém mais poderá compreender o que lhes acomete, o que Deus está fazendo, qual o verdadeiro sentido desses tão estranhos acontecimentos que lhes sobrevém.
Antes que a comunhão verdadeira com o Senhor nas grandes realidades espirituais ocorra, aquela comunhão de qualidade inferior precisa ser demolida, sucedendo um isolamento difícil, antes que os olhos possam ser abertos e o entendimento seja concedido. Então, será possível experimentar uma comunhão sobre a qual a morte não terá poder.
O preço da liderança nesse aspecto é a terrível solidão, mas o fim proposto vale a pena. Aquele que foi privado de seus últimos companheiros humanos naquele Jardim é visto cercado de uma “grande multidão que ninguém podia enumerar, de todas as nações, tribos, povos e línguas”(Ap 7:9).
Qualquer solidão que nos acometer na comunhão com Ele não resultará, com toda certeza, no ajuntamento de um grupo ao nosso redor, mas em ALGO AINDA MAIOR E MAIS ELEVADO. Tudo isso vai cooperar no processo de assegurar ao Cordeiro que foi morto a recompensa dos Seus sofrimentos. Será uma grandiosa recompensa para nós estar de pé diante dEle, clamando com toda a intensidade:
“Coroem-No! Coroem-No!
Anjos coroem-No!
Coroem o Salvador, “Rei dos reis”!
Tragam o diadema real, e Coroem o Soberano Senhor”.
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“Toda vida individual com Deus é assim. Dez mil, ou até um milhão de pessoas podem ter vivenciado as mesmas experiências, mas ao passarmos por ela, sempre sentiremos que ninguém no universo jamais vivenciou algo semelhante. Sentimos que somos os únicos a trilhar esse caminho. As pessoas podem nos dizer: ‘Sei tudo a esse respeito’. Mas respondemos: ‘Sim, mas você não entende. Nunca esteve realmente na minha posição’. Essa é a nossa reação imediata. Esse é o fruto da solidão absoluta na caminhada pessoal com Deus. Noé não teve precedentes, ninguém para seguir. A fé é testada exatamente assim. Noé “se moveu no temor de Deus” – e você sabe o que essa palavra significa nas Escrituras: temor do Senhor equivale a apenas crer em Deus e obedecê-Lo porque Ele é Deus; não por meio de provas ou evidências, mas porque Ele é” (“Power with God”, cap 1).
“Quanto você tem para dispensar?… O Senhor não o guiou através daquela provação, através daquelas trevas, e aquela estranha experiência apenas por sua causa. O Senhor não lidou com você como Ele fez, para que se calasse, para que pudesse apreciar somente o resultado. Ele fez isso para constituir você num mordomo. Se nós apenas permitirmos que esse fato nos governe nos dias de dificuldade e provação, isso nos ajudará. Devemos nos apegar ao fato de que provação significa enriquecimento para o povo do Senhor, e um aumento de equipamento e qualificação para mordomia…. A Palavra do Senhor é: “o que se requer dos despenseiros é que cada um deles seja encontrado fiel” [1Co 4:2], não eloquente, intelectual, com uma personalidade forte, nenhuma dessas coisas. Qual é a sua concepção mental de um mordomo? Alguém que tem uma grande aptidão para falar, que não encontra nenhuma dificuldade nisso? Não! “O que se requer dos despenseiros é que cada um deles seja encontrado fiel” (A Mordomia).
T. Austin Sparks (1888-1971) nasceu em Londres e estudou na Inglaterra e na Escócia. Aos 25 anos, iniciou seu ministério pastoral, que perdurou por alguns anos, até que, depois de uma crise espiritual, o Senhor o direcionou a abandonar aquela forma de ministério, passando a segui-Lo integralmente naquilo que parecia ser “o melhor que Deus tinha para ele”. Sparks foi um homem peculiar, que priorizava os interesses do Senhor em vez do sucesso do seu próprio ministério. Sua preocupação não era atrair grandes multidões, mas ansiava desesperadamente por Cristo como a realidade de sua pregação. Por isso, suas mensagens eram frutos de sua visão e intensas experiências pessoais. Ele falava daquilo que vivenciava, e sofria dores de parto para que aquela visão se concretizasse primeiramente em sua própria vida. Pelo menos quatro linhas gerais podem ser percebidas em suas mensagens: (a) o grandioso Cristo celestial; (b) O propósito de Deus focado em ganhar uma expressão corporativa para Seu Filho; (c) a Igreja celestial – a base da operação de Deus na terra e (d) a Cruz – o único meio usado pelo Espírito para tornar as riquezas de Cristo parte da nossa experiência. Sparks também acreditava que os princípios espirituais precisavam ser estabelecidos por meio da experiência e do conflito, quando finalmente seriam interiorizados no crente, tornando-se parte de sua vida. Sparks desejava que aquilo que recebeu gratuitamente fosse também assim repartido, e não vendido com fins lucrativos, contanto que suas mensagens fossem reproduzidas palavra por palavra. Seu anseio era que aquilo que o Senhor havia lhe concedido pudesse servir de alimento e edificação para os seus irmãos. Suas mensagens são publicadas ainda hoje no site www.austin-sparks.net e seus livros são distribuídos gratuitamente pela Emmanuel Church.
“Nenhum homem é infalível e ninguém ainda ”obteve a perfeição”. Muitos homens piedosos precisaram se ajustar, seguindo um senso de necessidade, após Deus lhes haver concedido mais luz.” (De uma Carta do Editor publicada pela primeira vez na revista “A Witness and A Testimony“, julho-agosto de 1946).