F. B. Meyer (1847-1929)
“Ora, disse o SENHOR a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei; de ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção! Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gênesis 12:1-3).
Essa foi a primeira daquelas maravilhosas aparições que anteciparam a Encarnação, marcando os estágios sucessivos da manifestação de Deus aos homens.
Não sabemos quando essa aparição Divina surgiu. Pode ter acontecido durante uma calma noite, na hora da meditação da tarde, ou até mesmo em meio as suas tarefas diárias. Mas, de repente, brilhou do céu uma grande luz, uma forma visível apareceu no coração da glória, e uma voz falou a mensagem do céu aos seus ouvidos.
Não é assim que Deus aparece agora para nós. No entanto, é certo que Ele ainda fala no silêncio do espírito que O aguarda, impressionando-nos com Sua vontade ao dizer: “Sai”. Escute essa voz no santuário interior do seu coração.
Essa mesma voz fala frequentemente desde então. Chamou Elias, de Tisbe, Amós, de Tecoa; Pedro em meio às redes de pesca, e Mateus, o cobrador de impostos. Cromwell foi chamado em sua fazenda em Huntington, e Lutero, em seu claustro em Erfurt. Essa parece ser sempre a convocação perpétua de Deus: “Retirai-vos dela, povo meu, para não serdes cúmplices em seus pecados e para não participardes dos seus flagelos” (Ap 18:4), “Por isso, retirai-vos do meio deles, separai-vos, diz o Senhor; não toqueis em coisas impuras” (2o 6:17). Você ainda não a ouviu? Estranho, se isso ainda não aconteceu. No entanto, se já a ouviu, não deixe nada atrapalhar sua obediência; desarme suas tendas e siga para onde o Deus da glória indicar; e entenda que nessa palavra VENHA está implícito que Ele está seguindo em frente e que, se você quiser ter a companhia dEle, deve seguir também.
Esse Chamado do Senhor nos Ensina o Sentido da Eleição
Onde quer que formos, encontraremos pessoas e coisas que nos parecem ter sido mais nobremente dotadas do que outras semelhantes. Isso é muito evidente na esfera espiritual, onde encaramos a incrível aparente desigualdade dos arranjos de Deus – até compreendermos que o dom superior concedido a poucos é intencionado para capacitá-los a ajudar melhor e abençoar aos outros. “Te abençoarei… Sê tu uma bênção!” [Gn 12:2].
Um grande pensador imagina que seu fim está se aproximando. Ele fez grandes descobertas, mas ainda não teve oportunidade de repassá-las para o mundo. Então, ele escolhe um de seus mais promissores pupilos e cuidadosamente o doutrina com seu sistema. Ele é muito cuidadoso para repassar tudo, linha a linha, além de ser muito severo com cada imprecisão e erro. Por que ele toma todo esse cuidado? Por causa do jovem? Não! Não exclusivamente por causa dele, mas para que o pupilo possa ser capaz de repassar ao mundo aqueles pensamentos que seu mestre, prestes à morrer, confiou aos seus cuidados. O jovem discípulo é abençoado em poder para repassar as bênçãos aos outros.
Não seria esse um vislumbre da intenção de Deus ao escolher Abraão, e nele, toda a família de Israel? A escolha não levava tanto em consideração a própria salvação pessoal deles – apesar disso estar incluído – mas tinha uma ênfase maior. Eles deveriam passar adiante aquele ensino santo e os oráculos que a eles haviam sido entesourados. Teria sido inútil ter dado tais jóias diretamente à humanidade. Seria como colocar um admirável banquete diante de um bebê faminto. Para dizer o mínimo, não havia ainda uma linguagem adequada por meio da qual se poderia entesourar os sagrados pensamentos de Deus. A genialidade da Verdade demandaria que as mentes dos homens estivessem preparadas para apreender Suas sagradas lições. Era necessário que um povo aprendesse primeiro definições e métodos de manifestação, para que, uma vez aprendidas essas lições iniciais, aquelas pessoas pudessem se tornar os mestres da humanidade.
A profunda questão é se a eleição não tem mais a ver com ministério do que com a nossa salvação pessoal. A eleição, nesse sentido, não concede descanso, paz e alegria, ao contrário, é acompanhada de angústia, amargura e tristeza de coração. Não existe necessidade de invejar os eleitos de Deus. Eles são exilados, carregadores de cruzes e mártires dentre os homens. Não se preocupando consigo mesmos, são afastados dos lugares favoritos dos homens comuns. Aprendendo as mais profundas lições de Deus, eles voltam aos homens com descobertas que ultrapassam todo o entendimento humano, de valor inestimável para a vida humana.
Esse Chamado nos Indica a Chave da Vida de Abraão
Percebemos o som de uma nota estridente logo no início da vida de Abraão, que continuou a ressoar até mesmo depois de passada sua história. A chave da vida de Abraão é a palavra “Separação”. Do início ao fim de sua vida, ele foi um HOMEM SEPARADO. Separado de sua terra natal e de sua parentela, do povo da terra; separado de seus próprios métodos de assegurar o cumprimento das promessas de Deus; separado do resto da humanidade por meio de sofrimentos especiais, que o trouxeram à uma comunhão mais próxima com Deus do que qualquer outra alcançada pelos homens; separado para os elevados propósitos e planos que Deus não podia ocultar dele.
Mas Aquela foi uma Separação de Fé
Existe uma forma de separação entre os homens, em que a própria alma solitária, por si mesma, decide partir para assegurar uma ininterrupta oportunidade de devoção para com Deus. Assim, ela gasta horas em vigília, jejuando e orando, esperando com isso ganhar a salvação, como se fosse uma recompensa por essa austeridade. Essa não é a separação para a qual Deus chamou Abraão, ou tem nos chamado nos dias de hoje.
A separação de Abraão não é como aquela ambicionada pelas pessoas que desejam ser salvas, mas é a separação dos que SÃO salvos. Não é progresso na direção da Cruz, mas a partir dela. Não é uma ação para merecer nada, mas a ação que parte de um coração que teve a Visão de Deus e não pode mais se contentar com as coisas que antes o fascinavam e atraíam. Então, deixando tudo para trás, estende suas mãos em uma ávida busca por realidades eternas, sendo assim conduzido gradual e imperceptivelmente para fora e para longe de tudo que é visível, em direção ao invisível. Partindo do temporal, em busca do eterno.
Que essa seja a nossa separação! Possamos nós capturar o chamado Divino, irradiado pela Sua promessa! E, à medida que ouvirmos sobre a bela terra, a gloriosa cidade e os Divinos deleites que nos aguardam, que possamos deixar e renunciar aquelas coisas menores e prejudiciais que nos tem retido por tanto tempo, tirando nossa paz e consumindo nosso poder. Vamos desarmar nossas tendas, obedecer ao comando de Deus, mesmo sabendo que isso nos conduzirá na direção do desconhecido!
Extratos do livro “Abraham, or The Obedience of Faith” de F.B. Meyer (The Divine Summons).