A energia natural e o fracasso

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O artigo “A energia natural e o fracasso” é uma tradução do capítulo 3 do livro “Face to Face“, de Jessie Penn-Lewis.

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Jessie Penn-Lewis (1851-1927)

“Veio-lhe a ideia de visitar seus irmãos… Vendo um homem tratado injustamente, tomou-lhe a defesa” (At 7:23,24).

Leia o post anterior aqui.

Moisés fez sua escolha. Será que isso o torna pronto para ser um vaso de honra adequado para o uso do Mestre? Ainda não!  A entrega a Deus e a escolha do caminho da cruz não é tudo. O conflito pelo qual passamos para fazer a escolha, e a maravilhosa paz que preenche nossos corações quando isso acontece, pode dar a ideia de que a obra necessária já foi realizada, mas na realidade, isso é apenas o começo de nosso treinamento, porque, apenas a partir do trono central da vontade de uma alma realmente conquistada para Si, Deus pode realizar Seus mais profundos propósitos.

Moisés ainda não se conhecia! Instrução em toda a sabedoria desse mundo e poder em palavras e obras, não constituem preparação suficiente para um instrumento efetivo nas mãos de Deus.

Pena que, na dispensação do Espírito Santo, não sabemos muito mais do que Moisés! Nossa confiança ainda está no conhecimento do Egito, na oratória e na energia da carne. Agimos ainda como se as armas da nossa milícia fossem carnais, e assim seguimos em frente. Mas, como Moisés, logo descobriremos nosso triste erro.

A grande crise interior de sua vida, quando impelido a fazer uma escolha definida para o seu futuro, foi seguida por eventos que, na soberania de Deus, o libertaram da vida que ele tinha decidido renunciar.

É sempre assim quando estamos em linha com o propósito de Deus. Seus tratos interiores cooperam com Suas obras exteriores para operar Sua vontade. Se Deus trata profundamente para nos trazer interiormente à escolha do caminho da cruz, não vai demorar até que nos deparemos, talvez inesperadamente, com circunstâncias onde as escolhas de nossos corações sejam traduzidas em fatos. Talvez por algum ato nosso, alguma aparente falha ou erro, mas subitamente – tudo é mudado.

Veio-lhe a ideia de visitar seus irmãos”. Estevão simplesmente fala de um passo que teve graves consequências. Foi primeiro uma ideia, depois ação, e então, resultados inesperados.

Moisés “saiu a seus irmãos e viu os seus labores penosos; e viu…” (Ex 2:11). Será que ele nunca havia visto isso antes? Ele deveria saber que era parte desse povo. Em todos esses longos anos, quando ele era considerado o filho da filha de Faraó, e participou de todos os prazeres do Egito, será que ele esqueceu o povo de Deus e seus fardos? Ou ele se lembrou e afastou esses pensamentos? A decisão que ele tomou, de que iria ter sua sorte com eles, não deve ter sido um pensamento momentâneo, mas provavelmente o resultado de um profundo sondar do coração diante do Deus, que ele sabia ter poupado sua vida quando tantos bebês inocentes foram mortos.

Moisés viu, e seu coração foi tocado! Nós assumimos, pelas palavras de Estêvão, que Moisés já sabia que ele seria o libertador de Israel, e quando foi visitar seus irmãos, ele viu um deles sofrendo injustamente e o defendeu, matando o egípcio. Ah, Moisés, Moisés, essa é a maneira do Egito, não a de Deus!

Isso nos lembra de Pedro pegando sua espada para defender o Filho de Deus, que apenas precisava dizer uma palavra para ter legiões de anjos para protege-Lo. Isso descreve muitos que estão lutando por Deus hoje, puxando suas espadas e matando todos aqueles que eles acreditam estar errados, esquecendo o que o Mestre disse – “todos os que lançam mão da espada à espada perecerão” [Mt 26:52], e novamente, “Se Meu reino fosse deste mundo, lutariam os meus servos”[Jo 18:36 ARC]. O fato de que Seus servos lutam, demonstra que eles se esquecem do caminho da cruz e do Espírito do seu Senhor.

Israel nunca teria sido liberto se a libertação dependesse de Moisés matar os egípcios um a um. Deus tinha uma maneira bem melhor do que essa. Como nossa visão é pequena e estreita! Se pudéssemos apenas nos entregar ao Senhor e buscar primeiramente conhece-Lo e Sua vontade, Ele iria então realizar grandes coisas por nós.

Deus desejava salvar Israel pela mão de Moisés, mas não da maneira de Moisés. Moisés era a grande dificuldade! Iria levar tempo e um treinamento paciente para tornar esse homem impetuoso em uma flecha polida.

Deus precisava primeiro ensinar Moisés pela derrota. Ele imaginava que seus irmãos iriam compreender que Deus estavam dando libertação a eles! Provavelmente eles teriam compreendido isso, se os meios fossem de Deus. Mas, se esse não era o caminho de Deus, como ele poderia ser testemunha disso!

Ficamos impressionados quando as almas que desejamos ajudar não nos aceitam. Sabemos que Deus nos chamou e nos disse que Ele trará salvação às almas por meio de nossas mãos. Com os corações cheios dos nossos tratos secretos com Ele, e de tudo o que Ele nos disse, seguimos, supondo que todos os outros compreenderão que Deus está agindo por meio de nós, quando Ele ainda não está agindo de maneira nenhuma! Deus permite nossos esforços serem feitos, mas apenas para que possamos conhecer a nós mesmos.

O registro de Êxodo nos diz que depois que Moisés “olhou de um e de outro lado… matou o egípcio, e o escondeu na areia”(Ex 2:12). Isso não era “digno de Deus”. Ele não faz Sua obra assim, não pede a Seus filhos para fazer algo impróprio ao seu elevado chamado. Quando Ele tirou Israel do Egito, foi por meio de um braço estendido e um poder glorioso, de forma que os egípcios se dobraram e disseram, “saiam daqui”.

Não vamos ousar colocar o nome de Deus em algo que precisa de “olhar para um lado e para o outro” antes de ser feito. Vamos cuidar de qualquer ganho financeiro no Seu nome, ou até algum ganho de alma que não passe pelo escrutínio de Sua luz.

Certamente Moisés precisava estar consciente de que aquilo não estava certo! Quando ele foi se retirar à noite, não ocorreu a ele que Israel nunca seria liberto assim? Assim, não nos incomoda que, ao anoitecer, apesar de todo o nosso “defender e vingar”, as almas ainda estão nas cadeias do pecado e do mundo, e que nossos pequenos esforços para os liberar são como uma vazia tentativa de esvaziar um oceano com uma colher? Alguns percebem isso e estão quase oprimidos. Eles dizem: “será que não vamos fazer nada quando vemos as cargas dos oprimidos?” No nome de Deus, Sim; mas vamos primeiro estar alinhados com Deus, trabalhando com Ele, e não à parte Dele.

Deus e Moisés poderiam trazer Israel para fora do Egito, mas Moisés sozinho – nunca!

“Saiu no dia seguinte, e eis que dois hebreus estavam brigando; e disse ao culpado: Por que espancas o teu próximo? O qual respondeu: Quem te pôs por príncipe e juiz sobre nós? Pensas matar-me, como mataste o egípcio? Temeu, pois, Moisés e disse: Com certeza o descobriram” (Ex 2:13,14). Essa foi uma daquelas flechas que atinge o alvo, atirada pela mão de Deus! É difícil ouvir a verdade tão diretamente, e por meio daqueles que você quer ajudar. Por mais desagradável que isso seja, se estamos abertos a esses ataques pessoais da parte de outros, que nos veem como não nos vemos, seremos capazes de submeter nossas vidas a Ele, que pode nos ajudar, a fim de que não haja ocasião para reprovação. Nenhuma alma que se fecha em si mesma, e cuidadosamente evita cada observação que não seja a sua própria, terá algum dia um horizonte amplo “do topo” junto com Deus.

Então era assim que tudo parecia, do ponto de vista dos homens a quem Moisés desejava ajudar! Se Moisés pudesse justificar suas ações para si mesmo, seria um violento despertar. O homem que ele repreendeu por espancar o seu irmão não podia distinguir entre sua ação e a ação de Moisés! Em um caso, verdade, foi uma desavença comum; e no outro caso havia um nobre ideal de libertar o oprimido. O ignorante Hebreu certamente não poderia distinguir as coisas tão diferentes!

Não, não, filhos de Deus, aquela ação sua pode ser incitada por um nobre ideal, mas, para outros, tem o sabor do mundo, ou o espírito da carne. Não podemos deixar que o nosso bem seja chamado de mal, e somos ordenados a evitar a aparência do mal e nos esforçar por fazer o bem perante todos os homens.

Quem te pôs por príncipe e juiz sobre nós?”, chega aos ouvidos de Moisés quando ele buscou apaziguar seus irmãos. Que falha completa! Vamos agradecer a Deus por nossas derrotas e rudes despertares. Muito melhor ter esses difíceis despertares, do que viver em uma ilusão, acordando muito tarde e descobrindo, no tribunal de Cristo, que vamos “sofrer perda” porque não podíamos tolerar a verdade.

A flecha atingiu o alvo. Moisés temeu e fugiu para a terra de Midiã, um peregrino e estrangeiro. Ele fez sua escolha e, pela sua própria vontade, determinou–se a seguir o caminho da cruz – sofrer aflição, perda, descrédito. Agora, em dois breves dias, e aparentemente por sua própria tolice, sua vida na corte se desvaneceu no passado, e ele se deparou como um andarilho e solitário, um estrangeiro em uma terra estranha.

Esse período na história de Moisés tem sua contraparte em nossa própria experiência, mas infelizmente, muitos de nós passam muitos anos aprendendo a nossa incapacidade na obra de Deus, apesar de sabermos que não somos aceitos pelas almas que desejamos ajudar, e ouvimos com frequência: “quem colocou você aqui sobre nós?” Não vamos culpar as pessoas, como somos muito inclinados a fazer, mas vamos buscar a luz de Deus para conhecer a causa da nossa derrota em nós mesmos, para que Ele possa nos fazer utensílios para honra, preparados para o uso do Possuidor.

Continue lendo a série aqui.

Jessie Penn-Lewis (1851-1927) nasceu no País de Gales, em uma família metodista calvinista. Sempre teve uma constituição física frágil, estando constantemente muito doente. Penn-Lewis foi muito impactada pelo ministério de Evan H. Hopkins, quando lhe foi apresentado o caminho da vitória por meio da Cruz de Cristo. Ela tinha um forte encargo com a mensagem da identificação do crente com o Senhor na Cruz, para manifestar o poder de Sua morte e ressurreição. Sua contribuição foi grande no sentido de reavivar entre os crentes a verdade da vida interior e da mensagem da Cruz. Assim como Madame Guyon, Fénelon e outros místicos cristãos, ela enfatiza fortemente em seus escritos a necessidade de uma vida interior de oração e contemplação do Senhor Jesus, e uma experiência subjetiva da Cruz. 

Jessie Penn-Lewis era casada, mas não teve filhos. Apesar de enfrentar diversos períodos de severas enfermidades, ela ministrou sua mensagem em vários países como Índia, Canadá, Rússia e Egito, pregou na Convenção de Keswick, iniciou a publicação da revista The Overcomer (O Vencedor), e publicou livros e artigos sobre diversos assuntos. 

Penn-Lewis foi contemporânea de G. Campbell Morgan, F. B. Meyer, A.B. Simpson e T. Austin-Sparks. Em 1934, Watchman Nee afirmou que “durante os últimos anos, quase todas as mensagens comentadas entre os crentes espirituais têm sido ensinamentos de Jessie Penn-Lewis”.  

Para conhecer mais a respeito do encargo e mensagem de Jessie Penn-Lewis, é possível ler ainda hoje edições da Revista O Vencedor. Os livros “Guerra contra os Santos” e “A Cruz, o caminho para o reino” foram publicados no Brasil pela Editora dos Clássicos.

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