Asas

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T. Austin-Sparks (1888-1971)

”Como a águia desperta a sua ninhada e voeja sobre os seus filhotes, estende as asas e, tomando-os, os leva sobre elas, assim, só o Senhor o guiou” (Dt 32:11,12).

A intenção do Senhor é que seu povo tenha asas, para que assim possa superar e dominar as intempéries da vida. O Senhor é totalmente avesso à ideia de Seu povo permanecer por tempo demasiado em ninhos macios, sendo alimentado e ficando passivamente a mercê daquilo que lhe acontece.

1. Considerando a verdade de que “em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum” [Rm 7:18], e que “sem Mim [o Senhor Jesus] nada podeis fazer” [Jo 15:5], vemos a total incapacidade do homem, por natureza, de produzir ou alcançar qualquer coisa que traga satisfação a Deus. Mas é igualmente verdade que, ao nascer de novo, herdamos um novo conjunto de faculdades, capacidades e potencialidades espirituais.

Essas potencialidades são recebidas do Espírito Santo na obra do novo nascimento, permanecendo latentes em nós durante nossa fase de infância espiritual, mas deverão ser manifestadas à medida que caminhamos para a maturidade. Para que tais faculdades sejam desenvolvidas, logo se inicia um processo de disciplina, envolvendo a alma que anseia por viver uma vida de valor para Deus em toda sorte de lutas, conflitos e perplexidades. Veja Hebreus 5:12-14.

2. O desenvolvimento dessas capacidades e poderes ocorrerá numa esfera que implica em ruína e morte. Aquela extensão de vazio, que é o abismo no qual as pequenas águias são arremessadas, seria, sem dúvida, a esfera de sua ruína e fim, se não fosse a presença da sua mãe. Podemos afirmar que não é raro que o caminho das demandas Divinas seria nossa ruína, se fôssemos deixados por nossa própria conta (cabe lembrar que não estamos considerando aqui as nossas atitudes de imprudência, por vezes confundidas como fé). Paulo sempre mencionava “o morrer”, e também uma “sentença de morte”. O que acontece conosco é semelhante ao que se passa com as pequenas águias, que por meio de uma intervenção de última hora do amoroso cuidado da mãe, aprendem o que aquele estranho jeito de amar pretende ensinar: Suas asas passam a usar o ar, o vento e a tempestade, dominando-os para que sirvam a seus propósitos. Desta forma, aquilo que poderia representar a sua destruição, transforma-se gradualmente em seu servo.

“As coisas que me aconteceram… têm, antes, contribuído para o progresso do evangelho…” [Fp1:12]. 

Assim o Senhor nos ensina, nos conduzindo a um estado espiritual onde as próprias obras do mal e de Satanás são tomadas e usadas para servir a fins espirituais. Paulo disse: “tudo é vosso”, e nessa descrição [em 1Co 3:21,22] ele incluiu “a morte”. “Seja a morte… tudo é vosso”. De acordo com o sentido de todas as outras coisas mencionadas no contexto, isso só poderia significar que a morte deveria ser nossa serva, não nossa tirana. Ninguém poderia ser um pior inimigo do que a morte, mas ela pode ser usada para servir a interesses muito grandiosos. Depende de como vemos e lidamos com ela.

3. Em nosso treinamento para dominar as intempéries, aprendemos diversas lições. Uma delas é que a providência e o amor Divinos intervêm a nosso favor, quando as coisas ultrapassam certos limites. O fato é que muitas vezes acreditamos ter chegado ao nosso fim, e naquele momento pensamos que finalmente iríamos cair e ser subjugados. Não conseguíamos ver nada adiante e “desesperamos da própria vida” [2Co 1:8]. Mas o fato é que não caímos e continuamos aqui.

O poder de ressurreição mais uma vez se manifestou. Não sabemos exatamente como, mas aqui estamos, mesmo depois de muitos anos, apesar de não terem sido poucas as experiências de iminente desastre. Bem, Ele abriu Suas asas debaixo de nós e nos sustentou novamente, e Ele que “nos livrou… e livrará… ainda continuará a livrar-nos” [2Co 1:10].

4. Mas por que tudo isso? Tudo visa desenvolver capacidade e ascendência em nós, nos tornando espiritualmente responsáveis, idôneos e firmes. Nesse processo, o Senhor também busca estabelecer em nós fé na Sua sabedoria.

As experiências aterrorizantes realmente devem resultar na nossa confissão de que o Senhor sabia o que estava fazendo, e que Ele fez a única coisa por meio da qual Seu fim poderia ser alcançado, apesar de nossas dúvidas e questionamentos. Assim, descobriremos que Sua sabedoria está envolvida em mistério.

5. O último ponto é que essa educação é progressiva. A mãe águia sabe quando a sabedoria demanda por uma pausa. O Senhor não é menos sábio que a águia. Assim, Ele distribui nosso treinamento em um curso prolongado e gradual. Os iniciantes não suportariam o que os mais experientes devem enfrentar, e seria um enorme sacrifício para o Senhor nos deixar retornar às condições mais fáceis dos estágios anteriores.

Artigo de T. Austin-Sparks, primeiramente publicado na revista “Uma Testemunha e Um Testemunho, de Jan-Fev 1948, vol. 26-1.

Tradução do artigo “Wings”, de T. Austin-Sparks, publicado no site www.austin-sparks.net.


T. Austin Sparks (1888-1971) nasceu em Londres e estudou na Inglaterra e na Escócia. Aos 25 anos, iniciou seu ministério pastoral, que perdurou por alguns anos, até que, depois de uma crise espiritual, o Senhor o direcionou a abandonar aquela forma de ministério, passando a segui-Lo integralmente naquilo que parecia ser “o melhor que Deus tinha para ele”. Sparks foi um homem peculiar, que priorizava os interesses do Senhor em vez do sucesso do seu próprio ministério. Sua preocupação não era atrair grandes multidões, mas ansiava desesperadamente por Cristo como a realidade de sua pregação. Por isso, suas mensagens eram frutos de sua visão e intensas experiências pessoais. Ele falava daquilo que vivenciava, e sofria dores de parto para que aquela visão se concretizasse primeiramente em sua própria vida. Pelo menos quatro linhas gerais podem ser percebidas em suas mensagens: (a) o grandioso Cristo celestial; (b) O propósito de Deus focado em ganhar uma expressão corporativa para Seu Filho; (c) a Igreja celestial – a base da operação de Deus na terra e (d) a Cruz – o único meio usado pelo Espírito para tornar as riquezas de Cristo parte da nossa experiência. Sparks também acreditava que os princípios espirituais precisavam ser estabelecidos por meio da experiência e do conflito, quando finalmente seriam interiorizados no crente, tornando-se parte de sua vida. Sparks desejava que aquilo que recebeu gratuitamente fosse também assim repartido, e não vendido com fins lucrativos, contanto que suas mensagens fossem reproduzidas palavra por palavra. Seu anseio era que aquilo que o Senhor havia lhe concedido pudesse servir de alimento e edificação para os seus irmãos. Suas mensagens são publicadas ainda hoje no site www.austin-sparks.net e seus livros são distribuídos gratuitamente pela Emmanuel Church.

“Nenhum homem é infalível e ninguém ainda ”obteve a perfeição”. Muitos homens piedosos precisaram se ajustar, seguindo um senso de necessidade, após Deus lhes haver concedido mais luz.” (De uma Carta do Editor publicada pela primeira vez na revista “A Witness and A Testimony“, julho-agosto de 1946).

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