O Caminho da Cruz – Parte 2

Print Friendly, PDF & Email

O Caminho da Cruz – parte 2 é uma tradução do Capítulo 4 do livro “The Centrality of the Cross” (A Centralidade da Cruz) de Jessie Penn-Lewis.

 

Jessie Penn-Lewis (1861-1927)

“Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer…” (João 12:24).

A Obra Silenciosa de Deus

Continuação do texto anterior.

“Produz muito fruto!” (Jo 12:24). Silenciosamente, discretamente, o grão de trigo age no mundo dos homens – exatamente da mesma maneira que Deus age. Ele não faz nenhum barulho em relação ao que faz, e não toca trombeta avisando sobre o que já fez, ou fará. Em oração, você Lhe pede para fazer algo, mas Ele não manda uma mensagem anunciando que fará! Apenas “acontece”, e o mundo nada sabe. Oh, a beleza do silencioso operar de Deus! Os homens são tão barulhentos, tocando trombetas diante de si. Mas pense nos frágeis filhos de Deus no mundo como grãos de trigo, produzindo outros filhos semelhantes a Deus, e afetando o mundo inteiro sem nenhum som, apenas sendo o que são, e andando com Deus, com a tintura de Deus tocando tudo. Não existe uma figura mais digna de Deus. Isso não é o oposto do caminho do homem, que sempre busca algo espetacular, vistoso?

Existe sempre um risco quando algo “maravilhoso” acontece com os cristãos, porque é possível que isso seja atrelado àquela pessoa. É tão melhor que vejamos o “ordinário” e aquilo que parece insignificante na falta de um poder “visível”, enquanto Deus faz Sua obra silenciosa através de nós, como o fruto do grão de trigo. Nenhuma glória nunca será atrelada a nós, e nossa personalidade nunca será chamada “maravilhosa”!

Vejamos então como as afeições naturais entram em cena nessa questão da vida entregue à morte. É mais fácil abrir mão de qualquer coisa do que da própria vida. “Quem ama a sua vida perde-a”! Isso equivale a dizer: você não terá dessa vida natural na eternidade. Você pode ter a libertação do pecado e até ser feliz. Isso está certo, mas aquele que “ama sua vida”- mesmo que abandone o pecado – não tem o poder reprodutor, o poder de alcançar outros, de atraí-los para a vida celestial. Ele está se apegando à vida que não pode se multiplicar e dar frutos para a eternidade. Esse é o segredo da falta de poder para multiplicação nas igrejas por todos os lugares. Eles se apegam à “vida” – a vida da alma, que se resume em seus desejos, a esperança de ganhos pessoais  – e isso não pode frutificar.

O Que Fazer?

O que podemos fazer quando nos deparamos com isso? Somos seres responsáveis. Temos condição de escolher. Deus trabalha em nossas escolhas. Diga “eu escolho confiar Nele para fazer”. É muito simples. “Eu escolho entregar minha vida para ter outra!” Então você “manterá a vida eterna”. Faça esse acordo com Deus e não retroceda à medida que Ele te conduzir pelo caminho onde só Ele poderá realizar tudo. Mas, há algo mais do que apenas uma escolha da vontade. Devemos voltar para o Calvário.

Vamos voltar mais uma vez para Romanos 5, no versículo 5, e você verá a mesma verdade colocada de outra maneira, de forma mais clara, evidenciando como essa mudança de vida ocorre no Calvário. Em João 12:24, o Senhor estava falando primariamente Dele mesmo, mas a mesma lei que foi para Cristo é para os Seus membros. Vamos ler Romanos 6:5: “Porque, se fomos unidos com ele na semelhança da sua morte” – na nota de rodapé de Conybeare está escrito “Literalmente, nos tornamos participantes de uma união vital [assim como um enxerto participa na árvore onde é enxertado]”.

O Segredo da Vida do Grão de Trigo

Aqui encontramos de novo o segredo da vida do grão de trigo, em conexão clara com a união do crente com Cristo em Sua morte. “Fomos enxertados”. Quem enxerta? Não podemos fazer isso por nós mesmos. Isto é obra do Espírito Santo. Somos enxertados na morte de Cristo.

O que o jardineiro faz em sua obra de enxerto? Ele corta a casca da árvore no caule e coloca o enxerto no lugar onde cortou, deixando-o amarrado lá por um tempo. Quando ele remove as amarras, o que acontece? A árvore e o enxerto se tornaram unidos numa vida. Isso é exatamente o que o Espírito Santo faz por nós. Devemos ser enxertados em Cristo na Sua morte, para que possamos viver pela Sua vida – Sua própria Vida Ressurreta – que Ele obteve da morte. Devemos nos tornar participantes dessa união vital, de forma que Sua vida se torne nossa, à medida que entregamos a vida natural à morte.

Temos uma figura similar em Romanos 11:17: “Se, porém, alguns dos ramos foram quebrados, e tu, sendo oliveira brava, foste enxertado em meio deles e te tornaste participante da raiz e da seiva da oliveira…”. Paulo escreveu isso para os crentes Gentios: “Pois, se foste cortado da que, por natureza, era oliveira brava e, contra a natureza, enxertado em boa oliveira” (verso 24).

Isso é uma grande verdade espiritual para o crente. Somos enxertados em Cristo contra a natureza – a nossa própria natureza – para que possamos compartilhar da Sua Vida Ressurreta e viver uma vida na terra que é “contra a natureza”. Somos chamados para viver uma vida na terra que a velha “natureza” é incapaz de viver, e fazemos isso por sermos enxertados em Cristo de forma tão vital, que podemos participar da raiz e da riqueza que são nossas Nele.

Muito Mais do Que Uma Teoria

Deixe-me enfatizar o fato de que ser enxertado na morte de Cristo não é uma teoria. Isso quer dizer que o crente não pode viver pela vida natural, chamando isso de “vida de ressurreição”. Existem aqueles que são compelidos à uma completa fraqueza para provar a realidade da imputação da vida de Deus. Quando sua própria vida física depende de conhecer a realidade de tudo que está em Deus, então você descobre que Deus é um Deus vivo. Se a Palavra de Deus não fosse verdade e o poder de ressurreição não fosse real, você não estaria vivo. Isso é o que significa para alguns viver “contra a natureza”, extraindo as riquezas da “oliveira”- o Cristo Vivo.

Brevemente, vamos ver como essa lei da vida que vem da morte penetrou a experiência de Paulo e seus escritos. Se você examinar as suas epístolas nessa luz, perceberá a vida interior de Paulo, e compreenderá o significado de tudo o que ele disse e fez, e também saberá algo da vida que foi forjada nele. A vida de Paulo é maravilhosa, sendo ela possível para cada crente que aprende seu segredo. O apóstolo foi “enxertado” na morte de Cristo, no mais pleno sentido. Ele entregou sua vida pelos seus irmãos. Isso está ao alcance de cada um de nós. Não faz diferença se somos jovens, instruídos ou não. Não importa se tivemos um ensino universitário ou não, essa vida que vem da morte pode ser forjada dentro de nós e pode ser vivida em nós, e podemos ser frutíferos para Deus onde quer que estivermos. Ninguém discutirá com essa pessoa, porque a vida é o testemunho. Homens não combatem com a vida de Cristo vivida dentro e através de nós, por meio de uma vida sacrificial. Mas é necessário ter olhos abertos para ver como essa vida pode vir a nós através da morte do Calvário, ver essa vida que vem da morte como uma lei do universo; um princípio básico do universo – a lei do sacrifício redentor.

Vamos ler uma das marcantes figuras usadas pelo apóstolo Paulo do grão e trigo, na epístola de 2 Coríntios 4:7-11: “Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós. Em tudo somos atribulados, porém não angustiados; perplexos, porém não desanimados; perseguidos, porém não desamparados; abatidos, porém não destruídos; levando sempre no corpo o morrer de Jesus, para que também a sua vida se manifeste em nosso corpo. Porque nós, que vivemos, somos sempre entregues à morte por causa de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste em nossa carne mortal“.

Isso não está claro? Enxertado na morte de Jesus, o cristão é diariamente “entregue à morte” para que a vida de Jesus seja manifestada. Um dos efeitos dessa “morte” é que perdemos certa “dureza” exterior que a maioria de nós tem por natureza, como o barro do vaso terreno funcionando como um véu, ocultando a vida que está dentro. É muito comum os outros se depararem com o “barro” exterior, e não com a vida de Jesus no interior. Mas, à medida que a casca do “grão de trigo” é quebrada, surge uma simplicidade e falta de reservas, que permite que a vida interior possa brilhar e atrair outros para se aproximar sem temor.

Oh, como o pobre mundo e as almas solitárias na igreja sentem falta dessa “tintura” de Deus em Seus filhos. As pessoas costumam dizer que “existe uma barreira entre o empregador e o empregado”, mas também existe uma barreira entre Cristãos e os não salvos, que não deveria existir. Eles não conseguem se aproximar das pessoas que eles desejam ganhar, por causa das “reservas” externas e da casca. Eles desejam dar um aperto de mãos cordial, mas não sabem como fazê-lo. Oh, que possamos ser bem enxertados na morte de Jesus, a fim de que a Sua própria vida, no Seu amor pelas almas, possa ser manifestada em nós e através de nós – um coração por todas as almas que você encontrar, até mesmo as pessoas que você faz negócios diariamente. Um coração que não permitirá que você os afaste ou ignore seus problemas por estar tão preocupado com os seus.

Cristo Viveu essa Vida Primeiro

Não é maravilhoso que o Cristo do Calvário veio e viveu primeiro a vida que Ele deseja que vivamos? “Cristo, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação ser igual a Deus” (Fp 2:6), Ele se esvaziou de Sua glória, e “tomou a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens” (vs 7). Ele veio e viveu essa vida primeiro, e então, por meio de Sua morte – e a nossa morte com Ele – Ele deseja viver tudo isso de novo em nós, dizendo ao pobre mundo que está em trevas: “Por meio de meus filhos, você Me compreenderá, porque eles têm em si o mesmo espírito que estava em Mim”.

Podemos ver então por que Paulo era capaz de dizer: “Agora, me regozijo nos meus sofrimentos por vós; e preencho o que resta das aflições de Cristo… a favor do seu corpo, que é a igreja” (Cl 1:24), e de novo, em Filipenses 2:17,18: “Entretanto, mesmo que seja eu oferecido por libação sobre o sacrifício e serviço da vossa fé, alegro-me e, com todos vós, me congratulo. Assim, vós também, pela mesma razão, alegrai-vos e congratulai-vos comigo“. Você se “alegra” quando outros são derramados por você por amor de Cristo? “Oh, não”, você diz, “eu desejo me gastar, mas eu não desejo que ninguém seja gasto por mim!”. Oh, demanda muita graça para um caráter independente permitir que alguém possa ser “gasto” por ele! Entretanto, Paulo disse: “Sendo oferecido por libação… me congratulo… e pela mesma razão… congratulai-vos comigo”. Nem Paulo, nem os outros devem ser roubados de seus frutos, quando desejam entregar suas vidas por outros.

Como é doloroso que alguns em necessidade não estejam desejosos de que algo seja feito por eles. Fiquem atentos ao “ego” até mesmo nisso. Cristo, pela alegria proposta diante Dele, suportou a Cruz. Existe uma alegria no sacrifício pelos outros que é Divina. “Meu gozo esteja em vós! ” (Jo 15:11) “Alegria” na véspera do Calvário! Esse é o caminho experimental. Será que vamos segui-Lo? Você diz sim? Então, deixe que o Espírito Santo dirija você e as circunstâncias ao seu redor, e te conduza no Seu próprio caminho.

Um Testemunho Pessoal

Agora vou deixar algo de minha experiência pessoal. Ainda era um bebê na vida consagrada quando Deus começou a me ensinar essas coisas. Me lembro uma vez que estava praticamente doente com a alegria de ser usada por Ele para ganhar uma alma. A alegria era tão grande que disse: “Oh Senhor, não posso suportá-la!” Ele então disse de forma suave: “Como você poderá suportar quando for usada para ganhar quinhentas almas?” E continuou: “Você está disposta a abandonar toda a aguçada “alegria” que te esgota, e apenas deixar que Eu te use para ganhar outros sem nada para você?” Eu vi sabedoria disso, e disse, “Sim, Senhor!”, e então descobri que podia passar por cenas maravilhosas de bênçãos para outros, sem nenhuma exaustão de minha estrutura frágil! O segredo de uma vida frutífera é, resumidamente, se derramar para outros e não desejar nada para si mesmo; se entregar completamente nas mãos de Deus, e não se preocupar com o que vai te acontecer.

Devo muito aos livros de Madame Guyon e o caminho que ela mostrou para a vida em Deus. A primeira vez que li sobre sua vida, fiquei profundamente comovida. Eu estava em Richmond (Surrey) no quarto da Sra. Evan Hopkins. Eu era uma cristã jovem. Nunca tinha ouvido falar de Madame Guyon, mas naquele quarto tomei sua biografia e perguntei se poderia ler. Estava experimentando uma gloriosa experiência de Batismo no Espírito Santo. A glória da consciência da presença do Senhor em mim era inexplicavelmente doce, e era quase impossível trazer à mente as coisas corriqueiras do dia a dia. Mas quando li o livro, vi o caminho da Cruz e tudo o que ele representava. A primeira coisa que fiz foi lançar o livro para longe e dizer: Não! Não vou seguir por esse caminho, vou perder minha “gloriosa” experiência.

No dia seguinte, tomei o livro novamente, e o Senhor sussurrou gentilmente: “Se você deseja uma vida profunda de comunhão permanente com Deus, esse é o caminho”.  Pensei: “Será que deveria? Não!” E de novo me afastei do livro.

No terceiro dia, peguei o livro outra vez, e novamente o Senhor me falou: “Se você deseja fruto, esse é o caminho! Eu não vou tirar a consciência da alegria de você. Você pode permanecer com ela se quiser, mas, ou você tem isso para você ou tem o fruto. Qual você vai escolher?”

E então, pela Sua graça, disse: “Eu escolho o caminho da morte para frutificar”; e toda a experiência emocional consciente acabou. Eu andava por um caminho de completas trevas – o que Guyon descreve como as “trevas” da fé – e parecia como se Deus não existisse.

Mais uma vez, pela Sua graça, eu disse: “Sim, estou tendo exatamente o que concordei que desejava”, e fui em frente. Não sabia qual seria o resultado, até que fui em algumas reuniões, e então vi o “fruto”. Foi como se as pessoas estivessem imersas em uma maré de vida vinda do céu! Não era o caso de uma bênção individual – todas as pessoas estavam submergidas em uma maré de vida vinda de Deus que os vivificou, libertou, e levou a uma nova vida. Não precisei falar pessoalmente com cada um deles. Não parecia haver nada a fazer, mas apenas entregar a mensagem que Deus me deu, e o Espírito Santo fez o resto.

Daquela hora em diante entendi e aprendi, de forma inteligente, que era o “morrer” e não o “fazer, que produzia fruto espiritual. Possa o Senhor abrir nossos olhos para vermos o caminho, e para que consintamos em seguir Cristo em Sua chamada para ir com Ele para o chão e morrer, dando muitos frutos que permanecerão pela eternidade.

Leia mais artigos da mesma autora aqui.


Jessie Penn-Lewis (1851-1927) nasceu no País de Gales, em uma família metodista calvinista. Sempre teve uma constituição física frágil, estando constantemente muito doente. Penn-Lewis foi muito impactada pelo ministério de Evan H. Hopkins, quando lhe foi apresentado o caminho da vitória por meio da Cruz de Cristo. Ela tinha um forte encargo com a mensagem da identificação do crente com o Senhor na Cruz, para manifestar o poder de Sua morte e ressurreição. Sua contribuição foi grande no sentido de reavivar entre os crentes a verdade da vida interior e da mensagem da Cruz. Assim como Madame Guyon, Fénelon e outros místicos cristãos, ela enfatiza fortemente em seus escritos a necessidade de uma vida interior de oração e contemplação do Senhor Jesus, e uma experiência subjetiva da Cruz.

Jessie Penn-Lewis era casada, mas não teve filhos. Apesar de enfrentar diversos períodos de severas enfermidades, ela ministrou sua mensagem em vários países como Índia, Canadá, Rússia e Egito, pregou na Convenção de Keswick, iniciou a publicação da revista The Overcomer (O Vencedor), e publicou livros e artigos sobre diversos assuntos.

Penn-Lewis foi contemporânea de G. Campbell Morgan, F. B. Meyer, A.B. Simpson e T. Austin-Sparks. Em 1934, Watchman Nee afirmou que “durante os últimos anos, quase todas as mensagens comentadas entre os crentes espirituais têm sido ensinamentos de Jessie Penn-Lewis”.

Para conhecer mais a respeito do encargo e mensagem de Jessie Penn-Lewis, é possível ler ainda hoje edições da Revista O Vencedor. Os livros “Guerra contra os Santos” e “A Cruz, o caminho para o reino” foram publicados no Brasil pela Editora dos Clássicos.

Post anterior
O Caminho da Cruz – Parte 1
Próximo post
Há Alguma Palavra do Senhor?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Preencha esse campo
Preencha esse campo
Digite um endereço de e-mail válido.

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.