F. B. Meyer
“Então, lhe veio a palavra do SENHOR, dizendo: Dispõe-te, e vai a Sarepta, que pertence a Sidom, e demora-te ali, onde ordenei a uma mulher viúva que te dê comida” (1 Rs 17:8,9).
O Senhor constantemente nos transplanta. Apesar dessas mudanças aparentemente ameaçarem impedir o progresso da vida espiritual, se realizadas adequadamente, trazem resultados impressionantes na experiência do Cristão. Essa verdade é dada pelo profeta Jeremias, quando diz: “Despreocupado esteve Moabe desde a sua mocidade e tem repousado nas fezes do seu vinho; não foi mudado de vasilha para vasilha, nem foi para o cativeiro; por isso, conservou o seu sabor, e o seu aroma não se alterou” (Jeremias 48:11). Suco de uva, quando provado pela primeira vez em um cálice, quando ainda está corado, é impuro e grosso. Esse suco é deixado em vasos até que a fermentação tenha feito seu trabalho e um sedimento espesso, chamado de borra, tenha sido precipitado para o fundo. Quando isso acontece, o líquido é cuidadosamente retirado para outro vaso, de modo que todo o sedimento seja deixado para trás. Esse processo de esvaziamento é repetido diversas vezes, até que o odor que veio das borras tenha desaparecido e o líquido tenha se tornado claro e bonito. No caso de Moabe, não tinha ocorrido nada desse processo inquietante e, consequentemente, o povo não havia feito progresso moral ou espiritual; “seu paladar permaneceu, e seu perfume [não] foi mudado” (Jeremias 48:11). A vida quieta não é, de maneira alguma, a vida melhor. Algumas pessoas só podem alcançar o mais alto padrão de espiritualidade, por meio das perturbações ou deslocamentos na vida, que acontecem pela ordem da providência de Deus. Isso não traz luz ao trato de Deus com Elias? Outrora ele permaneceu um vaso “em casa”; depois, esvaziou-se no vaso “Jezreel”; em “Querite”; e agora no quarto vaso, “Sarepta”.
Tudo isso aconteceu para que ele não se acomodasse em suas borras, mas fosse impelido para uma meta de grandeza moral que não seria atingida de outra maneira. Isto o qualificou para tomar sua posição no Monte da Transfiguração, como associado de Moisés e companheiro de Cristo.
Tome coragem, você que é compelido a estar constantemente em movimento, armando sua tenda hoje à noite, apenas para ser convocado pela nuvem em movimento e pela trombeta para se mover amanhã. Tudo isso está sob a direção de um amor sábio e fiel, que está o educando para um destino glorioso. Acredite apenas que suas circunstâncias são as mais adequadas para desenvolver seu caráter. Elas foram selecionados dentre todas as combinações possíveis de eventos e condições, a fim de lhe trazer maior beleza e utilidade. Elas teriam sido escolhidas por você, se toda a ampla gama de conhecimento onisciente estivesse ao seu alcance.
No entanto, quando um espírito humano é inteiramente tomado por Deus, como aconteceu com Elias, essas mudanças tornam-se comparativamente inofensivas e insignificantes, como um mosquito que ataca um soldado no calor da batalha. Para quem vive na presença do Deus imutável e que pode dizer: “Assim diz Jeová, diante de quem estou“, as condições sempre variáveis de nossa sorte tocam apenas as bordas externas da vida. Onde quer que elas nos conduzam, não podem tirar ESSA PRESENÇA. Tudo o que elas trazem, não podem dar mais do que ESSA PRESENÇA. A consciência DESSA PRESENÇA é a única coisa que domina o pensamento, a inspiração, o consolo, o conforto de todas as horas de vigília.
Como vemos numa paisagem de verão muito difusa, através da névoa de um calor intenso, todas as pessoas, coisas e eventos se mostram através da presença envolvente e abrangente de Deus. Cumprir Seus planos, obedecer ao mínimo sinal de Sua vontade, esperar em Sua mão, habitar na visão absorvente Dele mesmo e estar satisfeito com a plenitude da alegria que enche a câmara de Sua presença com o mais doce perfume e com música celestial – esta é a única paixão do espírito feliz, a quem, como Elias, esta graça é concedida. Mas essa graça é para você, através do Espírito Santo, se você abrir para ela todas as capacidades do seu coração e vida. Por que não buscá-Lo? Existem várias lições aqui.
A Fé espera pelos planos de Deus
“Mas, passados dias, a torrente secou, porque não chovia sobre a terra“. Semana após semana, com espírito firme, Elias observava aquele riacho decrescente; muitas vezes tentado a cambalear pela incredulidade, mas recusando-se a permitir que suas circunstâncias se interpusessem entre ele e Deus. A incredulidade vê Deus através das circunstâncias, como às vezes vemos o sol banhado por seus raios através do ar esfumaçado; mas a fé coloca Deus entre si e as circunstâncias, olha para elas através Dele.
Assim, o diminuto riacho se tornou um fio de prata, e o fio de prata permaneceu em poças ao pé das maiores pedras, e então as piscinas encolheram. Os pássaros fugiram, as criaturas selvagens do campo e da floresta não vieram mais beber água, e o riacho se secou. Só então, ao paciente e inabalável espírito ”veio a palavra do SENHOR, dizendo: Dispõe-te, e vai a Sarepta” (1 Reis 7:8-9). A maioria de nós ficaria ansiosa e cansada de planejar muito antes disso. Teríamos cessado nossas canções, logo que o riacho cantasse mais baixo sobre seu leito rochoso. Como as harpas balançando nos salgueiros [Sl 137:2], provavelmente nós teríamos andado de um lado para o outro na relva murcha, perdidos em nossos pensamentos. E, provavelmente, muito antes do riacho secar, teríamos realizado algum plano e, pedindo a bênção de Deus, teríamos começado algo novo em outro lugar. Ai! estamos todos cheios de nossos esquemas, planos e ações. Se Samuel não vem quando estamos esperando, oferecemos a oferta queimada (1 Samuel 13:12).
Esta é a fonte de uma miséria incalculável. Nós esboçamos nossos programas e corremos na direção deles. Somente quando nos deparamos com obstáculos insuperáveis, começamos a refletir se foi a vontade de Deus ou não, e então apelamos para Ele. Ele freqüentemente nos libera, porque Sua misericórdia dura para sempre, mas se tivéssemos esperado primeiro para ver o desdobramento de Seus planos, nunca teríamos nos encontrado num labirinto tão inextricável. Nunca deveríamos ter sido obrigados a refazer nossos passos com tantas lágrimas de vergonha.
Uma das palavras mais educativas para todas as vidas humanas, e especialmente para os servos de Deus, foi dada por Deus a Moisés, quando disse: “Vê que faças todas as coisas de acordo com o modelo que te foi mostrado no monte” (Hebreus 8:5). Moisés estava ansioso para fazer o trabalho de Deus, e a maior habilidade entre o povo estava sob seu comando; mas ele não deveria fazer um único sino, romã, borla, franja, cortina ou vaso, exceto se fosse pelo padrão de Deus e dentro do Seu ideal. Assim, ele foi levado para o monte, onde Deus abriu a porta de Sua própria mente, onde o tabernáculo estava completo como um ideal. A Moisés foi permitido ver tudo como estava no pensamento e no coração de Deus. Quarenta dias de estudo reverente se passaram. Quando Moisés retornou ao pé da montanha, teve apenas que transferir para a realidade aquilo que já lhe havia sido mostrado, em padrão, no monte.
Certamente algum pensamento como este deve ter estado na mente de nosso bendito Senhor, quando disse: “o Filho nada pode fazer de si mesmo, senão somente aquilo que vir fazer o Pai” (João 5:19). Tão completamente Ele se esvaziou, que abandonou até mesmo os próprios esquemas e planos. Ele viveu uma vida sem planos, aceitando a cada momento o plano que Seu Pai desdobrou diante dEle. Ele estava confiante de que esse plano O levaria a obras maiores, e depois obras cada vez maiores, até que o mundo se maravilhasse com o esplendor dos resultados – subindo do Getsêmani até o Calvário, e através da sepultura quebrada até o Monte da Ascensão, para a glória de Seu segundo advento. Ó mistério de humilhação, que Aquele que planejou todas as coisas deveria viver uma vida de absoluta dependência! E, ainda, se Ele viveu tal vida, quanto mais isso compete a nós! De quanta ansiedade isso nos salvará! E qual seria a extensão da utilidade e as alturas de glória que isso nos traria! Ficaríamos muito satisfeitos em esperar que Deus revelasse Seu plano, para que nossa vida fosse simplesmente o resultado de Seu pensamento, a exemplificação de Seu ideal! Que este seja o clamor do nosso coração: “Faze-me, SENHOR, conhecer os teus caminhos, ensina-me as tuas veredas” (Salmo 25:4), “Ensina-me a fazer a tua vontade” (Salmos 143: 10); “A ti, SENHOR, elevo a minha alma” (Salmo 25:1).
Os Planos de Deus demandam Obediência Implícita
“Então, ele se levantou e se foi a Sarepta“, como antes tinha ido para Querite, e como antes havia ido mostrar-se a Acabe. Nós não conquistamos a salvação pela nossa obediência. A salvação é o dom de Deus, que é recebido pela fé na obra consumada de Jesus Cristo, nosso Senhor. Mas, uma vez salvos, devemos obedecer. Nosso Salvador nos admoesta, pelo amor que temos por Ele mesmo, a guardar Seus mandamentos. Ele faz isso porque quer que provemos seus mais raros dons, e porque sabe que, por meio da obediência aos Seus mandamentos há uma grande recompensa. Pesquise na Bíblia de capa a capa e veja se a obediência estrita, implícita e instantânea não tem sido o segredo das vidas mais nobres que já iluminaram a monotonia deste mundo. O título mais nobre do nosso rei foi “o servo de Jeová”. Nenhum de nós pode procurar realizar um objetivo mais nobre do que aquilo que foi a inspiração do Seu coração: “Eis aqui estou…, para fazer, ó Deus, a tua vontade” (Hebreus 10:7). Maria, a mãe de coração simples, proferiu uma palavra que é pertinente a todas as épocas, quando, no banquete do casamento, se voltou para os servos e disse: “Fazei tudo o que ele vos disser” (João 2:5).
Obediência Implícita, às vezes, nos trás à uma fornalha
“Sarepta” significa um forno de fundição. Ficava fora da Terra de Canaã, ocupando o local onde se encontra uma longa cadeia de montanhas, apoiada pelas encostas cobertas de neve do Monte Hermon e com vista para as águas azuis do Mediterrâneo. Muitas coisas podem ter tornado isso desagradável para o profeta. Aquele lugar pertenceu à terra de onde Jezabel trouxe sua tribo ímpia, e foi tão amaldiçoada pela terrível seca quanto Canaã. Era impossível alcançá-la, se não por uma cansativa jornada de cento e cinquenta quilômetros pelo coração da terra, onde seu nome era execrado e sua pessoa proscrita. Ser sustentado por uma mulher viúva pertencente a um povo pagão! Ele certamente não teria muita vontade de sustentá-la, mas era ainda menos agradável sentir que ele devia depender de seus ganhos escassos. Certamente era uma fornalha de fundição para limpar qualquer liga de orgulho, autoconfiança ou independência que pudesse estar escondida nos recônditos de seu coração.
Havia muito do fogo refinador no caráter de sua recepção. Provavelmente foi anoitecendo quando chegou à cidade isolada. No portão da cidade, uma viúva reunia alguns gravetos para preparar a refeição da noite. Para alguns, pode ter parecido uma coincidência, mas não existe tal palavra no vocabulário da fé. Aquilo que para o julgamento humano é uma coincidência, para a fé é uma Providência. Esta era evidentemente a viúva de quem Deus havia falado. Desmaiando de sede e cansado da longa viagem, nunca duvidando, entretanto, de que suas necessidades seriam satisfeitas, ele pediu a ela que trouxesse um pouco de água em um recipiente, para que ele pudesse beber. A viúva pode ter tido alguma premonição de sua vinda. Parece haver alguma sugestão disso nas palavras: “…onde ordenei a uma mulher viúva que te dê comida” (1 Reis 17:9). Seu caráter apareceria no devido tempo; e deve ter havido algo nela que não pôde ser encontrado nas muitas viúvas da terra de Israel (Lucas 4:25-26). Não foi por nenhuma razão arbitrária que Deus passou por elas e foi tão longe. Ela devia ter qualidades de caráter, germes de coisas melhores, faíscas de heroísmo e fé que a distinguiram de toda a irmandade de seu triste sofrimento, e fez dela a anfitriã condecorada do profeta; a feliz compartilhante com ele da generosidade de seu Pai. Para ela, a impressão provavelmente se deu da vinda do profeta, assim como as visões de Paulo à Ananias, e de Cornélio à Pedro.
Ela não ficou surpresa com o pedido do profeta e silenciosamente foi buscar um pequeno pote de água. Encorajado pela vontade dela, Elias lhe pediu que lhe trouxesse um pedaço de pão. Foi um pedido modesto, mas desbloqueou a agonia silenciosa de sua alma. Ela não tinha pão, mas apenas um punhado de comida em um barril e um pouco de óleo em uma botija. Ela estava prestes a fazer uma última refeição para si e para seu filho, que provavelmente estava fraco demais por causa de uma longa privação por estar com ela naquele momento. Tendo comido, eles não teriam outra alternativa senão de se deitar juntos e morrer. Certamente isso seria muito deprimente para o homem de Deus, depois de sua longa e cansativa marcha.
É assim que Deus conduz o Seu povo ainda hoje. “Tudo o que não pode suportar o fogo fareis passar pela água” (Números 31:23). Ele não permitirá que sejamos tentados além daquilo que podemos suportar. Ele não vai trilhar o endro com um instrumento de trilhar, nem passar a roda de carro sobre o cominho [Is 28:27]. Mas está escrito: “Tudo o que pode suportar o fogo fareis passar pelo fogo, para que fique limpo” (Números 31:23). Então, se há algo em você que pode suportar a provação, tenha certeza que será colocado na fornalha. Mas o fogo não te destruirá, só te purificará. Você será colocado nele por mãos de amor e será mantido nele até que a perseverança tenha a ação completa [Tg 1:4]. As chamas somente consumirão as amarras que o prendem e, à medida que você se soltar no fogo, os espectadores observarão ao seu lado a forma de alguém semelhante ao Filho de Deus [Dn 3:25;27].
Quando Deus coloca Seus Filhos na Fornalha, Ele suprirá todas as suas necessidades
As circunstâncias certamente foram muito deprimentes, mas o que é isso para alguém cujo homem interior está ocupado com a presença e o poder de Deus? Deus havia dito que ele deveria ser alimentado por aquela viúva. Assim deveria ser, embora a terra e o céu devessem passar. Dificuldades são para a fé como que aparelhos de ginástica são para os esportistas: meios de fortalecer a fibra muscular. E assim, com fé heróica, Elias disse: “Não temas; vai e faze o que disseste; mas primeiro faze dele para mim um bolo pequeno e traze-mo aqui fora; depois, farás para ti mesma e para teu filho. Porque assim diz o SENHOR, Deus de Israel: A farinha da tua panela não se acabará, e o azeite da tua botija não faltará, até ao dia em que o SENHOR fizer chover sobre a terra” (1 Reis 17:13-14). Nossa única necessidade é perguntar se estamos naquele ponto, na vontade de Deus, onde Ele quer que estejamos. Se estamos, parece impossível para nós sermos sustentados, mas aquilo que é impossível será realizado. Nós seremos sustentados por um milagre, se nenhum meio ordinário for suficiente. “Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mateus 6:33). Observamos como diferentes pessoas podem utilizar as mesmas palavras sagradas com significados distintos. A viúva disse o mesmo que Elias: “Tão certo como vive o SENHOR” (1 Reis 17:12). Mas, para ela, essas palavras não trouxeram conforto, porque elas foram repetidas de boatos e não de uma experiência viva de Sua verdade. Elas não devem ser um discurso de papagaio em nossos lábios, mas, antes, precisam queimar em nosso íntimo, a fim de que possamos passar pela vida destemidos de todos, exceto do pecado, e encorajar corações tímidos com a garantia de uma coragem inabalável. “Não temas” (vs. 13).
Tradução de extratos do Capítulo 3 do livro “Elijah and the Secret of His Power” (Ordered o Zarephath), de F.B. Meyer.