Aviva a Tua Obra, Ó Senhor – Parte 1

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Harry Foster

“Aviva a tua obra, ó SENHOR, no decorrer dos anos, e, no decurso dos anos, faze-a conhecida” (Habacuque 3:2).

A Oração de Habacuque

Oração não é a única coisa a se fazer, mas é primordial. Ao saírem do Egito, os israelitas entraram em um conflito. À primeira vista, pode parecer que Josué recebeu a tarefa mais difícil de liderar a luta, enquanto Moisés escolheu uma opção mais branda ao subir ao local de oração. Mas não é este o caso. Moisés era o homem que precisava de apoio na tarefa quase impossível de manter os braços erguidos, enquanto Josué se movia firmemente para a vitória, desde que aqueles braços de intercessão estivessem levantados para o céu. No final dessa batalha e com a segurança de Jeová-nissi – O Senhor é minha bandeira – Josué foi informado de que essa batalha divina continuaria “de geração em geração” (Êxodo 17:16). Séculos depois, Habacuque também se encontrou envolvido nesse conflito espiritual.

Parece que o nome do profeta, bastante incomum, foi derivado de uma forma intensiva de um verbo que significa “abraçar”. Isso pode ser explicado de várias formas como: alguém que abraça carinhosamente os propósitos de Deus ou, alternativamente, um homem que encara problemas espirituais no abraço de um lutador opositor. Os primeiros versos nos mostram claramente que o profeta está lidando com um grande problema. Então, prefiro a ideia de combate, especialmente porque esta é a essência na oração sugerida por Efésios 6:12. A principal ocupação de Habacuque era a oração. Seu pequeno livro não trata do ministério habitual de um profeta, a saber, falar aos homens em nome de Deus, mas descreve a atividade de falar a Deus em nome de Seu povo. Esta deve ser sempre uma prioridade profética: “Ele é profeta e intercederá por ti“, disse Deus no início [a respeito de Abraão] (Gênesis 20:7). Para Habacuque, orar não era uma tarefa fácil. Assim como nós, ele viveu num mundo conturbado. Não é necessário nos preocupar com as alusões históricas no livro, mas pelo menos podemos prontamente nos identificar com um homem que está perplexo com os eventos da época em que vivia e que tinham lugar especialmente entre o povo de Deus. Ele também foi tentado a questionar as atividades – ou talvez a inatividade – do seu Deus. Vejamos então cada capítulo do livro:

Capítulo 1. O Problema da Fé

Não é de surpreender que o homem que levava os interesses de Deus tão a sério estivesse clamando: “Até quando?”, e estivesse sendo levado quase ao desespero em seu questionamento: “Por que …?”. Ele podia contar nos dedos os inimigos ameaçando trazer derrota e destruição, e para ele, parecia que o Senhor não iria ouvi-lo nem libertar o Seu povo. Este não era o questionamento mesquinho de um homem a respeito de seus problemas pessoais, por mais razoável que isso pudesse ser, mas se referia a vasta questão dos interesses de Deus, no que se relaciona ao Seu povo redimido. Algumas de suas palavras têm uma familiaridade infeliz para nós: ’destruição’, ‘violência’, ‘contendas’, ‘conflito e contenda’, ‘justiça torcida’. Nós nos sentimos tão desamparados, assim como aconteceu com Habacuque. Mas um homem nunca fica desamparado quando tem acesso a Deus.

Do versículo 5 ao versículo 11, temos a resposta imediata de Deus à queixa agonizante do profeta. Essa resposta trouxe pouca segurança e certamente não ofereceu nenhuma explicação. Seu sentido foi de um aviso de que as coisas ficariam ainda piores. Coisas difíceis de acreditar iriam acontecer. Não que as coisas estivessem ou estariam fora de controle. Ah não! Os acontecimentos assustadores e terríveis seriam obra de Deus: “Pois eis que suscito os caldeus…” (Hc 1:6). O homem que ora nunca deve perder de vista a soberania de Deus. No entanto, a perspectiva era de fato assustadora, e não houve resposta rápida ou fácil ao questionamento de Habacuque.

Por que o Senhor respondeu assim à oração de Seu servo? Nenhum de nós compreende os caminhos de Deus, mas posso sugerir que tudo estava de acordo com esse modo frequente que o Senhor tem de colocar a fé sob severos testes. O bebê espiritual recebe respostas rápidas para suas orações. Ele precisa delas. Quanto mais adulto ele se torna em sua caminhada com Deus, mais provável é que ele seja confrontado com atrasos e enigmas. Se assim foi o caso do nosso profeta, ele emergiu magnificamente deste primeiro teste. Implacável com a resposta, ele fez mais apelos a Deus, mantendo bem em vista Aquele a quem suas orações eram dirigidas, o eterno e santo Deus a quem Seu povo conhecia como a Rocha (verso 12). Se não nos ensinasse nada mais, pelo menos Habacuque demonstra que nunca devemos desistir, mas continuar orando. Notamos, no entanto, que esta oração adicional só termina em um ponto de interrogação (verso 17).

Capítulo Dois. A Resposta de Deus

Ao terminar sua oração, Habacuque se afastou de Deus para meditar consigo mesmo: “Pôr-me-ei na minha torre de vigia, colocar-me-ei sobre a fortaleza e vigiarei para ver o que Deus me dirá e que resposta eu terei à minha queixa” (verso 1). Talvez possamos interpretar corretamente essas palavras como significando que ele pararia de falar por um momento e ouviria o que Deus teria a dizer. Ele parece ter percebido que sua atividade seria ferozmente contestada, então ele deveria montar guarda sobre aquele lugar de comunhão, tornando o local de oração uma verdadeira fortaleza e resistindo a todos os esforços para fazê-lo desistir. Ouvir é sempre uma parte importante da oração, pois ela é um instrumento de comunicação bidirecional. Se a oração está sujeita a muitas pressões, talvez escutar silenciosamente a Deus seja ainda mais contestado.

Não sabemos quanto tempo Habacuque teve que esperar. A narrativa nos passa a impressão de que a resposta divina foi imediata, e isso não é surpreendente, pois, muitas vezes, a maior dificuldade de Deus é fazer com que Seu povo fique quieto diante Dele. As palavras de Deus falam de visão e ação: “Escreva… leia… corra…” [verso 2]. Longe de ser uma perda de tempo parar e esperar diante de Deus, esse é o meio mais seguro e rápido de fazer as coisas acontecerem. O capítulo central desta pequena profecia fornece o coração da mensagem de Habacuque. Há três pontos principais que vou tomar na ordem inversa.

i. A Soberania de Deus

O SENHOR, porém, está no seu santo templo; cale-se diante dele toda a terra” (Hc 2:20). Não adianta orar muito se não estivermos totalmente convencidos da absoluta soberania do Deus a Quem oramos. Deus é completamente indiferente às coisas estranhas que podem nos perturbar aqui na terra. Na verdade, este verso nos sugere que os eventos da Terra são realmente decididos nos reinos ocultos do céu.

O Senhor não repreendeu Seu servo por levantar os muitos pontos controversos que ele expressou em sua oração, mas Ele acalmou o profeta com a certeza de que sabia tudo sobre eles, e estava governando acima da violência e do caos em meio à tudo, insistindo que era devido a Ele, o Senhor dos Exércitos, que as nações da terra labutavam “em vão” (Hc 2:13). Eles não perceberam a sua própria vaidade, mas foi para eles, tanto quanto para o seu próprio povo, que Ele ordenou: “Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus” (Salmo 46:10). Mas Ele também nos diz isso. Como dizemos – às vezes, receio, com bastante fluência – “Deus ainda está no trono”. As aparências podem ser contrárias a isso, tanto que usar essa frase poderia ser superficial e até presunçoso. É fácil para nós dizer ou cantar isso enquanto estamos em algumas circunstâncias seguras e confortáveis, mas poderia não ser tão fácil se estivéssemos nos pontos mais problemáticos da Terra. Mas, mesmo que não fosse fácil, ainda assim seria verdade. Ele está muito acima de tudo.

Como poderemos ter certeza disso, se estivermos fechados para a fé, nunca tendo visto esse trono? Bem, a fé não precisa vacilar, pois a Palavra de Deus torna Sua soberania muito clara. Ela faz isso em palavras reais, com fortes garantias do Deus que não pode mentir, mas também o faz em exemplos históricos e nos Evangelhos. Existem poucos assuntos declarados quatro vezes em todos os Evangelhos, mas não é sem significado que, em cada um dos quatro, nos é dito como o Senhor Jesus acalmou os ventos e as ondas. Este foi claramente um milagre notável, e em alguns dos relatos, somos informados de que o Senhor realmente andou sobre aquelas águas tempestuosas antes de silencia-las. Outros podem ter feito alguns dos milagres que Ele realizou, mas ninguém mais jamais exibiu ou pôde mostrar esse completo domínio sobre a criação. Pode até não impressionar aqueles que não conhecem os animais, mas o fato da aceitação silenciosa de um cavaleiro por aquele jumentinho não domesticado [Mc 11:2] em Sua entrada triunfal em Jerusalém, e seu obediente progresso em meio à enorme manifestação de uma multidão foi mais uma prova incontestável desse mesmo domínio.

Quando os discípulos apelaram a Jesus para acalmar a tempestade, Ele os repreendeu por sua falta de fé (Marcos 4:40). Posteriormente, ao atravessar uma violenta tempestade, o apóstolo Paulo (Atos 27:25) pôde claramente testemunhar da paz interior experimentada por aqueles que podem confiar no Senhor.

“Aquieta-te, minha alma! As ondas e ventos ainda conhecem Sua voz que as governou quando aqui habitou.” (Catharina von Schlengel – 1752)

Este é um desafio para todos nós. Na maioria dos casos, os nossos problemas não são tão sensacionais como o que aconteceu com os apóstolos, mas podem ser igualmente agudos para nós. Na reclusão do meu lar, ouço não apenas a respeito de crentes oprimidos no exterior, mas também de igrejas divididas e lamentos sobre as incursões satânicas dirigidas contra a unidade e espiritualidade do verdadeiro povo de Deus. Não seria difícil ficar tão desanimado e desesperado quanto Habacuque ficou, ou gritar, como ele, em consternação, perplexo com a maneira pela qual o inimigo parece estar capturando o povo de Deus em sua rede, e aparentemente tendo o seu caminho livre (Hc 1:15). Se Cristo é realmente o Cabeça da Sua Igreja e se é obra do Espírito Santo administrar Seu senhorio, quanto tempo mais teremos que esperar para ver esses fatos em pleno funcionamento?

Só pode haver uma resposta para essas perguntas, que é continuar acreditando que o trono do universo é ocupado pelo nosso Senhor todo-poderoso. O que devemos fazer é esperar e adorar. E, é claro, continuar orando.

ii. A Glória que Vem

Embora a visão se demore, devemos esperar por ela, pois certamente virá no tempo designado por Deus (Hc 2:3). Quando o escritor aos Hebreus citou esse versículo, concentrou as palavras divinas de esperança na pessoa do Senhor que Vem. “Aquele que vem virá e não tardará“, escreveu, acrescentando a seu próprio comentário que será “dentro de pouco tempo” (Hebreus 10:37). Deus pode parecer distante, mas Ele está trabalhando propositadamente num plano de glória universal: “Pois a terra se encherá do conhecimento da glória do Senhor, como as águas cobrem o mar” (Hc 2:14). Quando o Senhor Jesus adentrar nesta cena terrena, será tão maravilhoso, que valerá a pena ter esperado.

Não devemos nos surpreender se esse tempo for longo. O Senhor Jesus falou em Suas parábolas a respeito dos servos com o seguinte raciocínio: “Meu senhor demora-se” (Mateus 24:48) e ao falar a respeito de Seu retorno, disse que seria “depois de muito tempo” (Mateus 25:19), enquanto Pedro explicou que o atraso não é devido a qualquer negligência da parte do Senhor, mas sim devido à Sua longanimidade (2 Pedro 3:9). Ao fazê-lo, citou o Salmo de Moisés e ordenou aos seus leitores que não esquecessem que, para o Senhor, “mil anos são como um dia“. Se for esse o caso, então talvez possamos sugerir que ainda não se passaram dois dias desde que os anjos anunciaram que “Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao céu virá do modo como o vistes subir” (Atos 1:11). [lembrando que esse texto foi publicado originalmente em 1985. Ou seja, ainda não havia se passado dois mil anos].

Habacuque começou suas profecias com a seguinte pergunta: “Até quando?” É algo no qual a Igreja tem passado por muito tempo, e parece que as “almas debaixo do altar” repetem esse questionamento (Ap 6:10-11). Para nós, assim como para eles, João registrou a ordem divina de “repousar ainda por pouco tempo”, pois os propósitos de Deus deveriam aguardar Sua escolha sábia de “hora, o dia, o mês e o ano” (Ap 9:15). Os propósitos de Deus tomam seu tempo, mas podemos estar certos de que serão totalmente cumpridos. O Senhor Jesus voltará, disso podemos estar certos. Portanto, se as circunstâncias deprimentes das trevas atuais oprimirem nossos espíritos, devemos nos aproximar de nossa torre de vigia e examinar novamente o que Deus tem a dizer em Sua Palavra a respeito do vindouro Dia da glória. Os mares ao nosso redor podem parecer revoltos agora, mas chegará o tempo em que a glória cobrirá a terra como as águas cobrem o mar.

Habacuque precisou enfrentar a crescente escuridão do cativeiro. Nesse tempo de prova, ele deveria ser silenciado pela convicção de que o Senhor estava em Seu santo templo. O cativeiro veio e foi finalmente seguido pelo feliz dia da libertação. Quando os cativos voltaram para a terra, outro profeta teve o privilégio de convidar toda a carne a se calar, só que desta vez, declarando que Deus estava em movimento: “Cale-se toda carne diante do SENHOR, porque ele se levantou da sua santa morada” (Zc 2:13). Talvez esse retorno do cativeiro tenha sido um pequeno prenúncio da grande e definitiva Restauração de todas as coisas. Quem sabe? Pode ser que estejamos prestes a testemunhar o momento supremo em que o Senhor se despertará da Sua santa morada e retornará com poder e grande glória. De qualquer forma, somos aconselhados a silenciar todas as nossas dúvidas e questionamentos, pois a Sua vinda é tão certa quanto a aurora.

iii.  O Chamado para a Fé

Como falei, tomamos o texto de Habacuque na ordem inversa. Assim, até aqui falamos a respeito dos versos 20 a 14 do capítulo 2. Agora nos encontramos no começo do segundo capítulo do livro de Habacuque. Aqui somos informados da decisão divina de que os servos justificados de Deus devem continuar vivendo pela fé: “O justo viverá pela sua fé” (Hc 2:4). A interpretação alternativa “…por sua fidelidade”, não diminui a força do mandamento, pois o que seria a fé se não tornasse aquele que fielmente a exercita? Ou poderia estar implícita nesta frase uma referência à fidelidade de Deus: “O justo deve viver pela Sua fidelidade?” Afinal, o que é fé, além da total confiança na fidelidade de Deus?

No entanto, o Novo Testamento deixa claro que a tradução correta é “fé”, e duas vezes toma essa frase em conexão com o ato inicial de fé do crente. De fato, as palavras “O justo viverá pela fé” se provou o fundamento nas escrituras utilizadas por Paulo, e mais tarde por Lutero e outros reformadores em seus ensinamentos sobre a justificação do pecador somente pela fé. Em Romanos 1:17, tais palavras são citadas como que formando o coração da mensagem do evangelho, e em Gálatas 3:11, elas trazem o completo repúdio a qualquer idéia de trabalhar pela salvação de alguém. Em ambos os casos, a ênfase é colocada na experiência inicial da salvação pela qual o pecador arrependido é justificado pelo evangelho.

Temos uma terceira ocorrência que é mais avançada e que é dirigida àqueles que já são crentes, sendo usada para lembrá-los de que nunca devemos ser estáticos em nossa fé, mas devemos sempre lembrar que cada fase da vida cristã demanda por uma fé ativa. Desde o começo da conversão até o clímax da glorificação, o crente deve continuar crendo. Não há outra maneira de desfrutar do vigor espiritual e da vitória, a não ser pelo exercício diário da fé ativa.

Esta citação é encontrada em Hebreus 10:38, e foi feita para aqueles que tiveram um bom registro no passado, mas que estavam sendo submetidos a novas provas e, por isso, estavam em perigo de perder o ânimo e falhar em guardar as promessas de Deus. O versículo é bem diferente da nossa versão de Habacuque, no Antigo Testamento, pois usa a Versão Grega (como costuma acontecer com os hebreus) e, em vez de dizer: “Eis o soberbo! Sua alma não é reta nele”, diz: “Se retroceder, nele não se compraz a minha alma”. Não há muita diferença. O questionamento e o raciocínio produzem uma alma “inchada” [soberba]; e também resulta em um encolhimento ao invés de avanço. Tal comportamento por parte daqueles que já provaram a graça de Deus é obviamente desagradável à Deus. Habacuque, os cristãos hebreus e nós do século XX, devemos manter nosso lugar junto com aqueles que se mantiveram fiéis e trazem prazer ao coração do nosso Deus.

Continua no próximo post.

Tradução de texto homônimo de Harry Foster, publicado na revista “Em Direção ao Alvo” (Toward the Mark) de Jul – Ago de 1985.

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