T.Austin-Sparks
“Ao desembarcar, viu Jesus uma grande multidão e compadeceu-se deles, porque eram como ovelhas que não têm pastor. E passou a ensinar-lhes muitas coisas” (Marcos 6:34).
“Ora, a Páscoa, festa dos judeus, estava próxima. Então, Jesus, erguendo os olhos e vendo que grande multidão vinha ter com ele, disse a Filipe: Onde compraremos pães para lhes dar a comer? Mas dizia isto para o experimentar; porque ele bem sabia o que estava para fazer. Respondeu-lhe Filipe: Não lhes bastariam duzentos denários de pão, para receber cada um o seu pedaço” (João 6:4:7).
“Porque o pão de Deus é o que desce do céu e dá vida ao mundo. Então, lhe disseram: Senhor, dá-nos sempre desse pão. Declarou-lhes, pois, Jesus: Eu sou o pão da vida; o que vem a mim jamais terá fome; e o que crê em mim jamais terá sede” (João 6:33-35).
“Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim” (1 Coríntios 11:23,24).
Quando fez a estimativa de que era necessário duzentos denários de pão para alimentar a multidão, Filipe estava colocando o preço muito acima da capacidade dos recursos humanos naturais. A possibilidade de satisfazer a necessidade daquela multidão de ovelhas famintas dispersas e sem pastor representava para ele uma empreitada muito cara. Entretanto, mesmo estabelecendo uma estimativa tão alta para o que era necessário para suprir aquela necessidade, ainda era uma avaliação muito baixa do verdadeiro custo do que realmente iria demandar, a saber, O Pão do Céu. Se ele tivesse multiplicado por mil vezes os duzentos denários, ainda assim nunca teria alcançado o custo e valor daquilo que era simbolizado naquela ocasião no deserto. Aquilo era o que estava na mente do Senhor. Ele sabia o que estava para fazer. O Senhor tinha em Sua Mente o real sentido do que estava tomando lugar ali, e o que estava em Seus Pensamentos era infinitamente mais precioso do que duzentos denários multiplicados muitas vezes.
Isso verdadeiramente é o ponto de vista Celestial do próprio Senhor, aquele era um pão precioso, muito além das estimativas dos homens. No momento em que o Senhor tomou os pães, os quebrou e os deu aos seus discípulos, eles compreenderam muito pouco daquilo para o qual estavam sendo chamados, aquela suntuosidade! Ali eles estavam sendo trazidos a uma verdadeira associação com o grande dispêndio do Pão Celestial. Eles foram chamados para ministrar em comunhão com os Seus sofrimentos. Pouco eles sabiam disso naquele momento, ou reconheceram a profundidade daquilo que estava acontecendo, se bem que Ele poderia ter usado outro de Seus comentários, como em outro momento… “O que eu faço não o sabes agora; compreendê-lo-ás depois” [João 13:7]. “Tomou um pão…, o partiu, e deu…” [Mateus 26:26].
Que infinita plenitude é encontrada nessas palavras “e partiu”. É uma pena que os revisores do texto colocaram apenas na margem “partido por vós”. [No texto original está: “O Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim” (1 Co 11:24), e o verbo no texto original em grego para dado é o mesmo que foi usado em partiu]. “Este é o Meu Corpo que não foi apenas dado por vós, mas foi partido por vós”. E quando Ele os convidou para participar desse grande partir e distribuir, era realmente uma forma simbólica de convidá-los para a comunhão dos Seus sofrimentos, que se tornaria a Vida dos homens.
João nos dá a completa explicação do incidente da alimentação da multidão no deserto. Ali temos Jesus explicando o que Ele fez. O que temos? Em primeiro lugar, temos a infinita preciosidade e altíssimo preço de cada fragmento Dele oferecido a nós. Cada pequeno pedaço, partido por Ele, por assim dizer, é apresentado a nós, e contém o grande dispêndio do Seu amor redentor e do Seu quebrantamento para nossa salvação. Se em qualquer tempo isso for oferecido a nós, por meio de uma vida, um ministério, uma palavra, ou de qualquer outra maneira, qualquer pequena porção de Cristo oferecida, deve ser tomada por nós, pois nesse fragmento temos a personificação do alto preço envolvido em nossa redenção. Esse alto preço da Vida que é Ele, e que nos é concedida, esse grande dispêndio no Seu quebrantamento, na Sua morte é oferecido a nós.
Será que não precisamos que essa ministração de Cristo ao Seu povo seja redimida da questão prática, natural e barata da repetição incessante de Sua palavra, para que possamos receber o que realmente O representa? Nos tornamos tão acostumados a ouvir, ir e vir, e isso ao longo dos anos, e ouvir de novo, e tomar isso como algo garantido. E se não fizermos isso dessa maneira? Podemos até concordar que ‘não reconhecemos quão infinitamente alto foi o preço de cada fragmento de Cristo que foi oferecido a nós’.
Precisamos ser libertos da familiaridade, a fraqueza da familiaridade. Cristo, em um certo sentido, precisa ser redimido de nossa falta de apreciação que qualquer pequeno pedaço Dele realmente representa. Essa é a primeira coisa que precisamos registrar. Esses discípulos não perceberam inicialmente o que significava quando o Senhor Jesus colocou os fragmentos daqueles pedaços em suas mãos para passar para os outros. Somente depois foi que eles entenderam. Percebemos que eles compreenderam que o ministério que foi comissionado a eles não era apenas um ministério de alto preço, mas de infinita importância. Eles suplicaram, ansiaram e oraram para que aqueles para quem aquilo foi oferecido estivessem atentos àquilo que estava sendo apresentado a eles. Eles viram as tremendas questões atreladas com cada pedaço de Cristo que eles tinham a oferecer.
Isso é algo para nós, devemos perceber que tomamos um pão e quebramos um pequeno fragmento. Naquele fragmento, de uma forma simbólica, está representado tudo o que o Senhor Jesus tinha para dar pela Sua morte. E logo se segue isso: a comunhão do Seu sofrimento é inseparável de qualquer tipo de ministração de Cristo. Para você, isso pode não ter um apelo muito forte, porque você não sabe muito a esse respeito. Gostaria de dizer isso para muitos daqueles que tem ambição de serem pregadores, e ter aquilo que chamamos de ministério. Eles pensam nessas coisas como algo que vá gratificar sua própria ambição na vida. E eles saem, se exibem, tomam isso para si mesmos, e usam para servir a sua própria glória e para trazer uma reputação para si mesmos. O fato é o seguinte: a comunhão dos sofrimentos de Cristo não pode ser separada de nenhum ministério de Cristo. Qualquer ministério verdadeiro de Cristo, precisa nascer de uma verdadeira comunhão com o Senhor nos Seus sofrimentos. O quebrantamento deve ser transmitido Dele para todos os que O servem!
Mais uma vez digo que isso é algo que esses discípulos vieram a saber mais tarde. Naquele dia, com a multidão e a distribuição por meio de suas mãos, pouco eles compreendiam do que estavam fazendo, do que o Senhor estava fazendo ou tentando ensinar com isso. Mas eles foram batizados nos Seu sofrimentos depois do batismo da Sua paixão, que eles participaram, veio o ministério deles. E então, o ministério foi impregnado com a própria paixão, dores de parto da alma Dele. Se tornou para eles algo de sua própria alma, não algo profissional que os remunerava, ou uma obrigação, mas algo que espremia as almas de muitos em um Getsêmani, onde eles tiveram que dizer diante de Deus: “não a minha vontade, mas a Tua”, um alto preço.
Bem, é claro que isso tem dois lados. Não estou falando para um monte de pregadores, pessoas que se intitulam ministros, apesar de ser um erro colocar algumas pessoas em uma categoria e deixar as demais de fora. Somos todos ministros de Cristo de uma maneira ou de outra. Nós, chamados a dar alguma coisa de Cristo a esse mundo em necessidade, Suas ovelhas dispersas e famintas, dar algo de qualquer que seja a maneira, por vida, palavras ou atos. Mas a medida da efetividade disso está diretamente atrelada ao mesmo princípio de Ele ter Se dado a Si mesmo. Tem um preço, porque qualquer coisa que tem real valor custa caro! Se desejamos que nossas vidas sejam canais e veículos da transmissão de Cristo para outros, que fique entendido que tal ministração Dele necessita da comunhão com Ele nos Seus sofrimentos, e isso vai explicar por que o Senhor nos traz para essa comunhão. Por que os sofrimentos, provas, adversidades e aflições de tantas formas tão variadas? Por que? Para que possamos ter algo de Cristo para dar, algo que carrega o real valor do nosso Senhor. Bem, poderíamos dizer muito mais sobre o porquê de um ministério sem essa essência não ir muito longe, e não contar muito. Aqueles que estão nele não estão preparados para pagar o preço. Bem, isso opera dessa maneira tão logo nosso chamado para ministrar Cristo a outros estiver relacionado; inevitavelmente vamos ser trazidos às experiências de sofrimento e aflição, e então seremos tão efetivos quanto Ele foi.
Por outro lado, isso também não seria um chamado para avaliarmos tudo e qualquer coisa que realmente é Cristo? Se o Senhor realmente dá a Palavra que é o conteúdo Dele mesmo, e O carrega nela, então realmente compete a nós reconhecer que isso não é algo que podemos considerar de forma superficial. Ali temos o potencial de Seu próprio infinito sofrimento. Precisamos de uma nova apreciação do ministério verdadeiro de Cristo. Dizemos, “fácil vem, fácil vai”. Isso nunca deve ser verdade a respeito do nosso relacionamento com o Senhor, tanto Dele com os outros, tanto quanto conosco. Os receptores precisam entrar nos Seus sofrimentos, tanto quanto os que entregam a mensagem, senão não haverá valor. Isso é apenas uma palavra breve, mas é uma ênfase em uma coisa: Ele tomou, partiu, deu o que partiu a eles, Ele deu do Seu próprio quebrantamento a eles para que pudessem ministrá-Lo em toda a virtude do Seu sacrifício para outros.
Essa é uma palavra de conforto, porque explica muita coisa. Ela explica por que o Senhor nos traz para aquela comunhão com Sua paixão, Sua tristeza, Seus sofrimentos, Seus desapontamentos, difamações, desprezo, rejeição, solidão, tudo que foi parte de Seu quebrantamento. Ele traz tudo isso a nós de alguma maneira, se realmente formos servi-Lo, porque essa tarefa demanda ministros quebrantados, para ministrar a um Cristo quebrantado. E se formos realmente desfrutar o benefício de cada parte de Cristo que estiver em nosso caminhos, e for apresentada a nós, devemos apenas fazer isso ao longo desse caminho – o caminho dos Seus sofrimentos.
Deve acontecer algo entre nosso ouvir, entre aquilo que é oferecido a nós, e um movimento de retorno em direção à Sua satisfação. Algo precisa acontecer. Tomamos nossa comida no presente, e ela se torna nossa ação. Algo aconteceu entre as duas coisas, porque a comida que tomamos em nossa refeição está sendo quebrada e assimilada em um processo dentro de nós. Você não sabe o que está acontecendo, ou até pode saber o que está acontecendo no seu corpo quando acabou de se alimentar. Existe uma grande batalha acontecendo; tudo está sendo quebrando, trazido em pequenos pedaços, está sendo modificado, transmutado. Algo está acontecendo entre o tomar para dentro e a energia ser disponibilizada. Antes daquilo que recebemos de Cristo e o que teremos para dar possa ser tornado efetivo, existe algo que tem que acontecer em nós. Uma batalha real dentro de nós em relação àquilo, um real conflito relacionado à palavra, um grande desafio é colocado dentro de nós, transmutando aquilo que foi recebido naquilo que será transformado em energia vital.
Mas isso é sempre verdade na congregação? A congregação se ajunta, e a palavra é pregada, o sermão é dado, o hino é cantado, e para cima e para fora, até a próxima semana. Temo que isso seja verdade, de forma muito comum. Não cabe a mim julgar, é claro, mas tendo uma longa experiência nesse tipo de coisa como tenho, é bem comum perguntar: “Qual foi o benefício daquele derramar, o que resultou daquilo, daquele dar, que teve um preço tão alto?” E alguém com frequência diz: “Bem, foi apenas recebido, talvez esquecido” uma vez, outra vez, e nenhuma batalha ocorreu por aquilo, nenhum exercício, nenhum preço pago e nem experiência pessoal relacionada àquilo que foi dado.
Se nós realmente vamos ser edificados com o crescimento de Cristo, será apenas dessa maneira: “Ele tomou o pão e o partiu”. “E partiu!” Isso é, Ele tomou a Ele mesmo e foi partido, partido! Oh, a angústia, o sofrimento, a tristeza, as dores de parto daquele quebrantamento Dele, para que pudéssemos receber o bem disso, e pudéssemos ter o bem disso para outros.
O Senhor torne isso não apenas uma palavra de correção, de iluminação, mas uma palavra de conforto, porque é isso que precisamos, quando Ele nos conduz para provas, adversidades e sofrimentos de diversos tipos, de maneiras mais variadas; e sentimos que este é um processo de quebrantamento, e percebemos que isso é para que possamos ter algo realmente vital para dar aos outros. “O Pão que vem do céu é para…” a informação? Não, “…para a Vida do mundo”.
Tradução nossa do texto “The Lord’s Table” (livreto publicado pela Emmanuel Church).