G. H. Lang
A escritura foi cumprida quando o Rei de Israel realizou Sua entrada triunfal em Jerusalém, sua capital. Os clamores tinham cessado, as multidões se espalharam, e o Capitão dos Exércitos de Jeová, à paisana, tinha alcançado a fortaleza dos Seus inimigos, o templo de Deus, onde os Escribas, os Fariseus e os Saduceus se assentavam entrincheirados, reivindicando sobre si a autoridade de Moisés.
Esses líderes sancionaram a transformação do Lugar Santo num mercado: Jesus, com santa indignação e irresistível energia, expulsou os legalizados ladrões e purgou o covil de salteadores, para que a casa de oração pudesse existir, que era a função original de Sua Casa. Ele a reconsagrou pela cura de cegos e coxos. A casa de Deus, vista espiritualmente, deve ser o lugar onde os pecadores cegos podem ver a Deus e adorá-Lo; e os aleijados rebeldes podem aprender a andar nos Seus caminhos.
O Senhor deliberadamente atacou esses líderes quando terminou com o abuso que eles toleraram. A batalha então é iniciada, e os principais sacerdotes revidam de uma só vez, ao desafiar o direito do Senhor de aceitar a aclamação do povo. Esse direito estava registrado nas citações das Escrituras, em relação ao Messias. O Senhor então replica que esse era o cumprimento de outra escritura, e que se eles fossem silenciados, as pedras iriam clamar.
Eles O desafiam no Seu direito de agir contra a autoridade deles, e O questionam sobre quem deu a Ele autoridade para agir. Que autoridade humana seria necessária para curar o doente? Um dentre eles já havia admitido que Jesus veio de Deus, caso contrário não poderia fazer aquelas obras (João 3:2). Cristo responde contestando a autoridade deles ao desafiarem a Sua autoridade. Se eles fossem realmente competentes para guiar e governar o povo, deveriam ser competentes para se posicionarem sobre um assunto tão essencial como a origem de João Batista e de sua mensagem. Se eles não puderam encontrar uma conclusão sólida em um assunto tão público e urgente, eles não poderiam ser os ungidos sucessores de Moisés e dos profetas, ou os sacerdotes instruídos por Deus na Sua casa, porque esses tinham uma responsabilidade de ensinar o povo o que era a vontade de Deus, devendo ser especialmente qualificados para isso (Dt 17:8-13 / Ml 2:5-9). Desconcertados, ao não terem uma resposta para sua pergunta, Seus inimigos deixam exposta a falta dessa autoridade Divinamente apontada, e Jesus convenientemente isenta-Se de responder ao questionamento deles, retornando ao combate por meio da parábola dos Dois Filhos.
Os Dois Filhos
Ambos os filhos receberam do seu pai a direção para trabalhar na vinha. O primeiro categoricamente se recusou a obedecer, mas logo depois se arrependeu de sua recusa e obedeceu. O outro, de forma diferente, prometeu obediência, o que depois não aconteceu. Os principais sacerdotes não tinham outra alternativa a não ser admitir que foi o primeiro que fez a vontade do pai, e assim, eles foram confrontados com a contundente aplicação que eles, os finos e meticulosos professores de religião, foram os verdadeiros desobedientes à vontade do pai, enquanto a ralé moral da sociedade, os abertamente profanos se arrependeram de seus pecados na pregação de João e se levantaram para andar pela lei de Deus. Esses cultos líderes oficiais da religião viram a mudança nas vidas demonstradas por aqueles que se submeteram ao batismo de João, e ainda assim, não alteraram sua atitude em relação a João e seu chamado. Eles se mostraram como João os havia definido: ‘uma geração de víboras’.
Esse golpe pesado do Campeão de Deus foi seguido por outro ainda mais pesado, na parábola dos lavradores maus.
Os Lavradores Maus
O Senhor trouxe essa figura da canção de Isaías (cap.5):
“Agora, cantarei ao meu amado o cântico do meu amado a respeito da sua vinha. O meu amado teve uma vinha num outeiro fertilíssimo. Sachou-a, limpou-a das pedras e a plantou de vides escolhidas; edificou no meio dela uma torre e também abriu um lagar. Ele esperava que desse uvas boas, mas deu uvas bravas”.
Cristo usou uma linguagem de paralelismo:
“Depois, entrou Jesus a falar-lhes por parábola: Um homem plantou uma vinha, cercou-a de uma sebe, construiu um lagar, edificou uma torre, arrendou-a a uns lavradores e ausentou-se do país” (Mc 12:1).
O sentido foi claramente dado nas palavras do profeta, as quais vieram da boca de Deus: “Que mais se podia fazer ainda à minha vinha, que eu lhe não tenha feito?” (vs 4). Nem a aplicação poderia ser perdida, porque o profeta deixou-a bem clara: “Porque a vinha do SENHOR dos Exércitos é a casa de Israel” (vs 7a); e o fruto que Ele desejava era justiça. Entretanto, os governantes oprimiam o povo; o Senhor esperava um governo justo, mas, no entanto, apenas ouvia o clamor dos oprimidos: “este desejou que exercessem juízo, e eis aí quebrantamento da lei; justiça, e eis aí clamor” (vs 7b).
O Senhor então amplia a aplicação da parábola. Jeová entregou o cuidado do Seu povo aos líderes responsáveis, juízes e sacerdotes (Ex 18; Dt 33:10; Juízes). Com frequência e severidade Ele reprovou esses infiéis (Is 56:11; Jr 50:6; Ez 34; Zc 11:15-17). Então os líderes do presente eram como os antigos: sim, diligentes na vinha de Jeová, mas para servir seus próprios interesses, e não para trazer os lucros para o seu Dono. Ao longo dos séculos, Deus enviou Seus servos, os profetas, para reprovar o egoísmo deles e a opressão do povo, mas tudo foi em vão; e ainda iria continuar sendo em vão, porque, assim como Cristo declarou, Ele enviaria profetas, sábios e escribas a eles, os quais eles matariam, crucificariam, e ainda alguns seriam escarnecidos e perseguidos (Mt 23:29-36).
Enfim, como uma tentativa final de trazê-los à razão e à justiça, o Dono mandou Seu Filho, mas eles O mataram para permanecer com a posse imperturbável de sua posição e poder sobre o povo. Eles invejavam Jesus e Sua popularidade, a qual minava a posição deles. Até mesmo o ímpio Pilatos pôde a isso discernir (Mt 27:18). Por meio da mais vil das emoções, uma loucura desesperada ao extremo, uma violência criminal cresceu neles: “Mas os lavradores, vendo o filho, disseram entre si: Este é o herdeiro; ora, vamos, matemo-lo e apoderemo-nos da sua herança. E, agarrando-o, lançaram-no fora da vinha e o mataram” (Mt 21:38,39).
A parábola derramou uma lúgubre luz sobre aqueles líderes dos dias de Cristo. Eles sabiam que Ele era quem declarava ser, o Filho de Deus: “Mas os lavradores, vendo o filho, disseram entre si: Este é o herdeiro”. Em público negaram isso; apesar de admitirem o fato entre eles. O pecado é um veneno moral que induz à mais fatal das insanidades. Esses lavradores, movidos pela ganância, não pararam para considerar o que o dono da vinha certamente faria. Nem os principais sacerdotes e anciãos ponderaram o que o Santo de Israel, em razão da Sua própria natureza, certamente faria se eles cometessem esse crime judicial contra um tão grande Profeta.
Desafiados, eles admitiram que o Senhor da vinha iria fazer duas coisas: “Responderam-lhe: Fará perecer horrivelmente a estes malvados e arrendará a vinha a outros lavradores que lhe remetam os frutos nos seus devidos tempos” (Mt 21:41). Mas eles jamais aplicariam isso a eles mesmos, e quando Cristo o fez, aplicando a eles o Sl 118:22,23, eles reconheceram que Ele quis dizer que eles seriam quebrados em pedaços, e seriam espalhados como poeira com uma irreparável ruína. Isso só gerou mais ressentimento, e eles O teriam capturado de uma vez e cumprido a parábola ali mesmo, matando-O naquele momento.
O exercício interior do coração de Deus é muito comovente e instrutivo. Ele que, por absoluta onisciência, sabe plenamente o que fará, é representado pelo Seu próprio Filho monologando sobre a situação: “Então, disse o dono da vinha: Que farei?” (Lc 20:13). Vemos em Deus uma simplicidade, uma naturalidade que deve ser mantida em nossa mente quando tentamos formar uma concepção Dele. Essa é uma das características que é revelada, e deve ser ponderada em conjunto com os elementos inescrutáveis e insondáveis do Ser Divino.
O registro no Evangelho de Marcos deixa claro que Jesus era o Filho do Pai, antes mesmo que Ele viesse a terra. Isso fica claro pelas palavras do Senhor: “Restava-lhe ainda um, seu filho amado” (Mc 12:6). Ele não se tornou Filho do Dono por ter sido enviado, ao contrário, Ele foi enviado porque Ele era o Filho. Negar isso é tão inconcebível quanto negar que os servos eram servos antes de terem sido enviados.
A segunda parte dessa previsão relacionada ao que o Dono faria, Cristo aceitou e aplicou pela advertência: “o reino de Deus vos será tirado e será entregue a um povo que lhe produza os respectivos frutos” (Mt 21:43).
As palavras do Senhor devem ser estritamente consideradas. Ele sempre falou com precisão Divina.
O “Reino de Deus” é o paralelo da “vinha” na parábola. A vinha foi o povo de Israel visto na esfera terrena, onde a autoridade de Deus é reconhecida. Essa esfera foi delegada a esses anciãos, juízes, reis e sacerdotes que governavam com a autoridade de Deus, e cuja responsabilidade era de supervisiona-la de forma que a justiça prevalecesse e que Deus recebesse os frutos. Era para esses governantes que Deus estava falando, e era deles, não do povo de Deus em sua maioria, que essa autoridade seria tirada e transferida para outros.
Não é uma questão de disseminar as boas novas da graça de Deus aos pecadores, mas exercitar uma supervisão fiel sobre os assuntos de Deus, e Seus direitos na terra. O reino é mais amplo que a igreja. Qual então é a “nação” a quem essa autoridade sobre os interesses de Deus foi comissionada? As escrituras falam de apenas um corpo de pessoas. Pedro descreve esse povo como “raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus” (1 Pd 2:9). Perceba – um “sacerdócio real”, pessoas em quem são combinadas as duas funções de autoridade, de rei e sacerdote. João, se endereçando aos seus irmãos cristãos, diz deles que Cristo “nos constituiu reino, sacerdotes para o seu Deus e Pai” (Ap 1:6).
E ainda assim, essa autoridade dos Cristãos é exercitada apenas por esforços espirituais; pelo conflito com as hostes de espíritos que perturbam e impedem os interesses de Deus, por orações, súplicas e intercessões por todos os homens, inclusive os governantes humanos em particular; por preceitos e exemplo para instruir e fortalecer outros nas boas obras, persuadindo rebeldes contra Deus a se submeterem à Sua autoridade. O grande Rei e Sacerdote no trono de Deus é o líder e Inspirador desses exercícios espirituais.
Quando o tempo apontado chegar, quanto Ele tomar o atual governo político do céu e da terra, Ele escolherá aqueles que foram fiéis nesta era presente do reino, para participar com Ele de Sua administração em glória. Então será visível que o reino de Deus, enquanto que uma esfera de autoridade, foi tirado daqueles que a usaram indevidamente, e será dado aos santos do Altíssimo, e eles receberão o reino, e possuirão o reino para sempre, de eternidade a eternidade (Dn 7:18,22,27). O Senhor virtualmente repetiu essa última profecia citada, aplicando-a aos governantes Judeus do Seu dia.
A perda da autoridade por ter sido usada de forma errada é uma medida severa, mas totalmente inevitável. Cada autoridade suprema deve remover oficiais incompetentes e perversos. Deixe que cada igreja, como uma porção da companhia celestial, pondere nas advertências “moverei do seu lugar o teu candeeiro” (Ap 2:5); “estou a ponto de vomitar-te da minha boca” (Ap 3:16). Que cada membro da igreja dos primogênitos tome em seu coração o lembrete de que Esaú perdeu seu direito de primogenitura (Hb 12:23,16,17); e que cada aspirante da soberania no reino de Deus atente para a exortação do Senhor Soberano: “Conserva o que tens, para que ninguém tome a tua coroa” (Ap 3:11). Que cada Diótrefes trema diante Dele! (3 Jo 1:9-10)
Oh Senhor da Graça, trabalhe em nossos corações para que nenhum de nós sejamos como esses governantes antigos, nos ressentindo de Sua amorosa advertência, e assim atraindo contra nós mesmos o seu cumprimento.
Extraído do livro “Pictures and Parables”, Capítulo 34, publicado pela Schoettle Publishing Company.