“O espírito de vencedor de Calebe – 2” é a segunda e última parte da tradução do texto “Another Spirit” de Harry Foster, publicado na revista “Uma Testemunha e Um Testemunho” de Jan-Fev, 1960. Harry Foster foi um cooperador do irmão T. Austin-Sparks.
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Harry Foster
“Mas meus irmãos que subiram comigo desesperaram o povo; eu, porém, perseverei em seguir o Senhor, meu Deus” (Josué 14:8).
Leitura: Josué 14:6-14
O Deserto o Provou
Calebe seguiu o Senhor “andando Israel ainda no deserto” (Js 14:10). Não apenas no momento de crise e de esperança, mas durante todos aqueles longos anos de atraso e desapontamento, ele poderia ainda reivindicar que seguiu plenamente o Senhor. Independente da sua fé pessoal, ele precisou esperar enquanto toda a nação foi divinamente disciplinada, antes de ser trazido de volta a Cades-Barnéia. A incredulidade nunca consegue esperar. Vemos então o estranho espetáculo: as próprias pessoas que se recusaram a entrar na terra, quando Deus as chamou, tentaram reverter a decisão e a sentença do Senhor, que era de voltar a vagar pelo deserto. Tão logo Moisés explicou o pecado do povo de ter se recusado a entrar na terra e lhes deu o veredicto de Deus de que eles não poderiam entrar ali naquele momento, eles se reuniram para organizar uma expedição própria. Eles imaginaram que deveriam tentar entrar na terra de qualquer forma. É verdade, eles haviam pecado, mas pensaram que poderiam logo corrigir tudo e proceder como se nada tivesse acontecido.
Mas não é tão simples assim! Alguma coisa neles deveria morrer antes que a eles fosse dada novamente essa oportunidade. Então, enquanto o elemento da incredulidade não desaparecesse, eles deveriam ser enviados de volta para vagar pelo deserto. O processo não poderia ser apressado e feito apenas pela metade. O elemento completo da velha geração, que desejava viver no passado, precisava ser purgada dentre eles. Em adição a isso, a nova geração precisava ser desenvolvida e preparada. Os anos do deserto não seriam desperdiçados, porque o Senhor os usaria para desenvolver e disciplinar a nova geração, que no devido tempo seria capaz de ter sucesso onde a anterior falhou. Um grupo de pessoas “tentou subir ao cimo do monte” (Nm 14:44) de forma precipitada e carnal, apenas para ser vergonhosamente derrotado. Calebe não tomou parte nisso. Não há traço de presunção no homem que plenamente segue o Senhor. Ele precisava não apenas estar preparado para seguir em fé quando a hora do Senhor chegasse, mas também devia estar preparado para esperar o tempo do Senhor e aceitar a disciplina imposta por Ele.
Assim, ao longo dos anos, “andando Israel ainda no deserto”, Calebe seguiu completamente o Senhor. Ele não se desassociou do restante do povo e tentou agir sozinho. Ele não se aborreceu com o comportamento deles e passou os quarenta anos seguintes lamentando suas provações desnecessárias. Ele quietamente tomou seu lugar com o povo, compartilhando sua vida, e esperando que Deus desse a eles sua nova oportunidade. Quando enfim o tempo chegou, ele estava em seu lugar como o cabeça da tribo de Judá, e finalmente, depois de quarenta e cinco anos, a paciência de sua fé foi plenamente vindicada.
A Fidelidade de Deus o Sustentou
Calebe foi mantido vivo no deserto. A morte prevalecia em todo lugar. Não foi apenas ao redor deles – a morte penetrou no campo e continuou seu trabalho, até que todos os homens com mais de vinte anos de idade pereceram naquele deserto. Entretanto, Calebe e Josué não sucumbiram a ela, porque eles se entregaram à fidelidade de Deus. “Eis, agora, o SENHOR me conservou em vida”, um poderia dizer ao outro (Js 14:10). O povo incrédulo havia lutado e argumentado em uma tentativa vã de evitar os supostos perigos da terra. Eles tentaram preservar suas vidas e as perderam. Calebe abriu mão da sua própria vida, em entrega absoluta ao Senhor, e somente ele e Josué foram mantidos vivos. Além disso, Calebe foi mantido forte. “Estou forte ainda hoje como no dia em que Moisés me enviou” (vs 11).
Os esforços de Calebe para argumentar com o povo haviam se mostrado inúteis. É mais do que provável que, depois disso, ele tenha falado muito pouco. Aqueles que arrazoaram e argumentaram com ele podem ter sentido que o derrotaram e que seu espírito havia se rendido. Mas o silêncio nem sempre é sinal de fraqueza. Ele foi paciente, mas não devemos confundir paciência com fraqueza. De fato, esta era a prova de que aquela era a força Divina nele, pois, mesmo depois de esperar por muitos anos, aquela força ainda era tão grande quanto antes. Ele suportou todas as dificuldades que os outros tiveram que sofrer, a falta de água e a monotonia da comida, pois não recebeu nenhuma consideração especial ou favor devido ao seu espírito diferente. Ele passou por tudo isso, e no final, testemunhou de uma força que não diminuiu. Isso foi um milagre. Foi devido ao fato de que, pela fé, ele utilizou recursos Divinos. Quando tentamos fazer a vontade de Deus em nossa própria força, podemos parecer ter algum sucesso temporariamente, mas no final nos desgastaremos. O tempo nos dá o teste que avalia se nossa vida está realmente baseada simples e unicamente na fidelidade de Deus. No caso de Calebe, não havia dúvidas sobre aquela fidelidade, visto que, depois do teste de muitos anos desgastantes, ele ainda se encontrava tão cheio de energia como no início. Em todas as provas e dificuldades do deserto, ao invés de perderem suas forças, aqueles que extraem vida do Senhor, ganham força.
Ele se manteve fiel à sua visão. Ele não apenas voltou à terra da promessa, mas eventualmente retornou à Hebrom, o local original da sua fé vitoriosa, para a herança solenemente prometida a ele por Moisés todos aqueles anos atrás. Como já dissemos, as dificuldades ainda estavam ali; elas não diminuíram com o passar dos anos. Sim, mas o prêmio ainda estava lá, esperando para ser conquistado e apropriado pelo homem de fé. Anteriormente lhe havia sido negada a possessão dali, devido à carnalidade de seus companheiros. Ele viu o objetivo Divino, mas não fez nenhuma tentativa para se afastar dos demais e seguir adiante sozinho.
Como já dissemos, ele não se envolveria com aquela impetuosidade tola daqueles que tentaram ignorar ou reverter a decisão de Deus ao decretar que eles deveriam retornar ao deserto. Não! Ele precisaria esperar. Em um certo sentido, ele precisaria deixar tudo para trás. No entanto, ele entregou tudo a Deus e descansou em Sua fidelidade. Em seu espírito, ele nunca perdeu de vista, nem por um momento, o propósito Divino, e não ficou nada surpreso quando, depois de quarenta e cinco anos, ele pôde retornar e retomar seu movimento para frente. Aqui está um homem que “segue completamente o Senhor”, o homem que tem “outro espírito”. Eis um homem de visão firme, propósito imutável e de inflexível persistência da fé. Deus honra esse tipo de homem. A Calebe foi dado Hebrom por herança perpétua. “Porém o meu servo Calebe, visto que nele houve outro espírito, e perseverou em seguir-me, eu o farei entrar a terra que espiou, e a sua descendência a possuirá” (Nm 14:24).
Outro Espírito
Não será difícil encontrar muitos paralelos entre a experiência de Calebe e a nossa. Sua historia é um desafio para nós, um chamado à sinceridade em nosso relacionamento com o Senhor. Pode ser que estejamos cercados de confusão e incredulidade. Pode bem ser que nossa visão do objetivo Divino no momento não possa ser realizada e nossa paciência esteja sendo seriamente testada. Nós também podemos ter que entregar tudo a Deus, e fazer com que Ele traga de volta à vida o que parece estar, por enquanto, perdido na morte e no desespero. Como no caso de Calebe, não é nossa veemência, nossa sinceridade, ou mesmo nossa retidão que decidirá a questão, mas nosso espírito. Só poderemos ir em frente se tivermos esse “outro” espírito.
É bom para nós lembrarmos de que aqueles anos vagando no deserto não foram perdidos. Algum antigo elemento entre o povo morreu – isso tinha que acontecer. Mas isso não foi tudo. Uma nova geração foi equipada e preparada para a herança. Quando Calebe se dirigia para a conquista de sua herança, ele encontrou uma fortaleza que demandava por esse novo elemento. Calebe proferiu seu desafio: “A quem derrotar Quiriate-Sefer e a tomar, darei minha filha Acsa por mulher” (Js 15:16). Onde está a nova vida que foi o produto dos nossos anos de disciplina? Ela estava lá, é claro, e surgiu na pessoa de um jovem chamado Otniel, que significa “o poder de Deus”. Ele tomou aquela posição e recebeu Acsa como sua recompensa. Quando olhamos mais de perto para esse incidente, percebemos que Otniel era o próprio sobrinho de Calebe. Então foi isso que aconteceu durante aqueles anos de espera! Dentro do seu próprio círculo familiar, dentro da esfera da sua influência pessoal, um jovem e uma jovem tinham sido educados e inspirados a ter o mesmo espírito de fé que ele próprio demonstrara. O resto da história deixa claro que a filha dele era cheia da mesma energia espiritual que seu marido, porque quando Otniel não pediu a Calebe as fontes de água, ela mesma fez isso, e assim recebeu mais do que pediu – “lhe deu as fontes superiores e as fontes inferiores” (Js 15:19).
Deve ter-lhe dado muita alegria descobrir que a sua descendência herdara não só a mesma terra, mas também o mesmo espírito que o seu. Foi para isso que ele viveu. Para isso ele suportou os rigores de uma longa demora, para que, não apenas ele mesmo pudesse vencer, mas para que pudesse compartilhar da produção de uma nova geração governada por um novo espírito, que tomaria posse da herança no nome do Senhor.
Diferente de Josué, Calebe nunca foi marcado para alguma tarefa especial de liderança. Ele parece representar a influência menos proeminente do homem comum, ou da mulher de fé. Ninguém pode dizer o quanto todo o povo devia a Calebe. Damos muita atenção a Moisés, o grande líder, que conseguiu levar o povo às divisas da terra. Pensamos em Josué, seu poderoso sucessor, que conduziu o povo pelo Jordão e para dentro da própria terra. Esses foram as figuras públicas, os homens cujos nomes estavam na boca de todos. Mas não minimizemos a influência oculta para Deus de um simples homem de fé que seguiu totalmente o Senhor. Talvez isso represente nosso próprio chamado. É impossível exagerar na sua importância.
Ele era um homem de “outro espírito”. Isso deve nos encorajar quando contemplarmos nossa própria fraqueza e insignificância, percebendo que não somos fortes nem inteligentes, e temendo que não possamos influenciar a situação do povo de Deus em geral. Podemos sim, se seguirmos totalmente o Senhor. Podemos, pelo poder desse outro espírito, que não é outro senão o Espírito de Cristo, o Poderoso Vencedor.
O irmão Harry Foster foi cooperador de T.Austin-Sparks durante a maior parte de sua vida e ministério. O irmão T. Austin-Sparks foi o editor da Revista “A Witness and a Testimony” até sua morte em 1971. Uma revista semelhante intitulada “Toward the Mark” passou a ser publicado por Harry Foster, no período de 1972 a 1989. Esse periódico era dedicado aos mesmos objetivos espirituais do anterior, incluindo também mensagens tomadas dos muitos manuscritos que o Sr. T. Austin-Sparks havia deixado. Na última edição da revista “A Witness and a Testimony”, que foi emitida logo depois da morte do irmão T. Austin-Sparks, Harry Foster escreveu: “Quando minha esposa e eu percebemos que o Senhor estava nos chamando para abandonar nosso trabalho pastoral em Honor Oak… não tínhamos ideia do que o futuro reservaria para nós, muito menos que o Senhor me tomaria para assumir este trabalho editorial. Agora percebemos, porém, que nosso exercício e decisão eram todos parte do hábil plano do Senhor, e nos regozijamos com a perspectiva de continuar a servir a Seu povo dessa maneira”. Ele compartilhava do mesmo encargo e visão do amigo e irmão, T. Austin-Sparks.
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