“O espírito de vencedor de Calebe – 1” é a primeira de duas partes da tradução do texto “Another Spirit” de Harry Foster, publicado na revista “Uma Testemunha e Um Testemunho” de Jan-Fev, 1960. Harry Foster foi um cooperador do irmão T. Austin-Sparks.
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Harry Foster
“Mas meus irmãos que subiram comigo desesperaram o povo; eu, porém, perseverei em seguir o Senhor, meu Deus” (Josué 14:8).
Leitura: Josué 14:6-14
O último livro da Bíblia [Apocalipse] convida os crentes a se elevarem acima de toda a confusão e declínio ao seu redor, vencendo todas as tentações e inimigos. Apenas o vencedor pode ser herdeiro: “O vencedor herdará estas coisas…” (Ap 21:7). Em momentos como esses é necessário estar preparado para encarar circunstâncias desconcertantes, passar por provas dolorosas e não contar com nenhum suporte humano. Esses crentes precisarão também aprender a permanecer firmes na vitória de Cristo, ainda que seja necessário permanecer sozinhos. Desde o dia em que aquelas palavras foram escritas na ilha de Patmos até o dia hoje, o desafio “ao vencedor” continua. Muitos tem falhado em encará-lo, mas outros tem prevalecido, pela graça e por meio da fé. Sempre houve e sempre haverá a necessidade de vencedores. Como estamos nos últimos dias, essa necessidade é ainda mais urgente. Hoje, mais do que nunca, a busca do Espírito nas igrejas é por crentes que se tornarão verdadeiros vencedores.
Perseverando em Seguir o Senhor
Talvez a melhor ilustração desse tipo de vitória espiritual, pelo menos no Antigo Testamento, seja encontrada na história de Calebe. Seu nome não é mencionado no Novo Testamento, ainda que certamente ele tenha provido o impressionante exemplo da fé inflexível de um indivíduo que precisou viver em meio à um ambiente de prevalecente incredulidade e derrota. Nos seus dias, houve uma colapso completo da fé corporativa.
O povo de Deus estava dividido em seus conselhos, não desejando seguir adiante com a empreitada iniciada ao sair do Egito, inconsistentes em seu comportamento com aquele conhecimento que professavam ter da vontade de Deus, e mais preocupados com seus próprios interesses do que com a honra do Nome que eles carregavam.
Calebe foi indiferente a isso tudo. Veja o seu próprio testemunho: “eu, porém, perseverei em seguir o Senhor” (Josué 14:8). Veja o louvor de Moisés a seu respeito: “perseveraste em seguir o Senhor” (vs.9). Olhe o veredicto Divino e da história: “…visto que perseverara em seguir o Senhor”(vs.14). Com essa ênfase tripla de sua inteireza de coração, certamente Calebe tem muito a nos ensinar de como nós também seremos vencedores, quando a derrota prevalecer ao nosso redor.
Seus Irmãos Falharam com Ele
Seus irmãos falharam com ele, e ainda assim ele precisou seguir o Senhor sozinho. “Mas meus irmãos que subiram comigo desesperaram o povo; eu, porém, perseverei em seguir o Senhor, meu Deus” (vs. 8). Seus irmãos deviam tê-lo ajudado – é para isso que os irmãos existem – mas eles não puderam fazê-lo, pois eles mesmos tinham o coração dividido, eram fracos de coração e foram mais afetados pela voz da razão, do que pela voz de Deus.
Quando ele falou de seus irmãos, Calebe estava se referindo aos outros dez espias. Devemos logo dizer que Josué era tão sincero quanto o Calebe, de modo que não é literalmente verdade dizer que ele estava sozinho – nós raramente estamos sozinhos em situações como estas. Entretanto, havia um elemento real de solidão na posição de Calebe, porque Josué tinha privilégios especiais que não lhe eram concedidos.
Os outros dez falharam com Calebe, porque falharam consigo mesmos, e consequentemente falharam com o Senhor. Eles passaram pelas mesmas experiências que Calebe, e também compartilharam da visão da terra como aquele lugar de plenitude, assim, tocaram o maravilhoso fruto dela e trouxeram o mesmo relatório de suas riquezas. Verdade, eles viram a oposição e as dificuldades, como viu Calebe. As dificuldades eram sem dúvida alguma reais. As dificuldades estavam lá mesmo quando o povo retornou 45 anos depois, pois elas não desvanecem com o tempo; não desaparecem porque nos recusamos a encará-las.
Nenhum progresso espiritual, que realmente valha a pena, será livre de oposição e perigos. É uma questão trágica quando os servos do Senhor se tornam tão obcecados com as dificuldades ou tão cautelosos com os possíveis perigos, que não se arriscam a seguir em frente com o Senhor quando o Seu momento chega. Talvez os espias tenham ouvido histórias tristes sobre como outros tenham tentado e falhado. Essas histórias sempre existem. Talvez eles tenham considerado a fraquezas de seus companheiros de peregrinação, e tenham julgado que não estavam ainda preparados para os encontros extenuantes que estavam diante deles. Não sabemos as razões particulares pelas quais seus corações desmaiaram; apenas sabemos que eles disseram não para o Senhor. Não, ainda não! Não, não esse caminho!
Esses homens eram muito negativos. Eles desejavam evadir a questão. Não era o fato de eles terem uma alternativa adequada, mas apenas que não iriam se aventurar no Senhor. Foi em uma atmosfera geral de confusão e questionamento, que Calebe demonstrou o tipo de homem que ele era. Com os irmãos ou sem eles, Calebe estava determinado a seguir completamente sua fé. Ele não poderia, é claro, ir em frente literalmente para a terra sem eles. Os propósitos de Deus estão atrelados a todo o povo, e não a meros indivíduos. A incredulidade de outros poderia envolvê-lo em sofrimento e adiamento. Mas isso não poderia impedi-lo de ter um coração pleno para com o seu Senhor, e ele não deixou isso acontecer.
Seus irmãos falharam. Quantas vezes fazemos disso a desculpa para nossas próprias deficiências! Sugerimos que teríamos confiado no Senhor, avançado, mas não pudemos pela falta de apoio de nossos irmãos. Calebe percebeu que essa não poderia ser realmente uma desculpa. Em última instância, a fé é uma questão pessoal; jamais podemos culpar os que nos rodeiam por nossos próprios fracassos em confiar no Senhor. Diante do grupo de coração acovardado, Calebe foi capaz de afirmar: “perseverei em seguir o Senhor”. Não usei como desculpa a falha dos demais, não me permiti ficar desencorajado pelo fracasso deles, segui completamente o Senhor.
Um Homem sem Privilégios Especiais
Calebe não teve privilégios especiais. Sem desvirtuar a fé do seu líder, devemos salientar que Josué teve ajuda e vantagens peculiares. Ele já havia comandado o exército israelita, tinha tido o íntimo e privilegiado acesso a Moisés, e havia sido marcado como o futuro líder do povo. Nenhuma dessas coisas aconteceu com Calebe. Ele apenas ouviu o que os demais ouviram, e viu o que os outros viram. Ele representa o homem comum, como a maioria de nós. Não temos incentivos peculiares, nem preeminência especial; apenas compartilhamos com os demais um chamado e visão. Se a visão se realizar, não iremos ocupar nenhuma posição especial.
Descobrimos, entretanto, como Calebe, que no teste coletivo iremos encarar nosso próprio teste individual. Toda a nação foi provada e falhou. Os líderes das tribos foram provados, e com duas exceções, eles também falharam. Mas não podemos nos esquecer que o homem individual também estava passando pela prova. Nenhuma falha daqueles ao seu redor poderia desculpar seu fracasso, e nenhuma paralisia geral diante das dificuldades poderia ser desculpa para que ele ficasse paralisado. E ele não ficou. Ele ficou indiferente e destemido. Seus irmãos falharam, mas pela graça de Deus, ele venceu. Ele viu os mesmo inimigos, as mesmas cidadelas, os mesmos perigos que eles viram. Ele estava consciente de sua própria insuficiência tanto quanto eles estavam. Mas ele manteve os seus olhos no Senhor [grifo nosso].
Não vamos nos enganar: estamos todos passando pela mesma prova enquanto Cristãos individuais. Podemos ser colocados em meio à confusão e derrota. Podemos descobrir que os irmãos em quem devemos confiar não são confiáveis, mas isso não pode justificar nosso próprio colapso pessoal. Podemos ser como Calebe, se desejarmos; e, porque isso é possível, devemos. [grifo nosso].
As Pessoas o Atacaram
Seus irmãos não apenas falharam com ele, como também se voltaram contra ele. Ele precisou se manter firme em sua posição de fé, apesar de ser mal interpretado e criticado por todos ao seu redor. De alguma forma, quando ‘seguimos plenamente o Senhor’, esperamos uma apreciação, e talvez até mesmo admiração por parte dos demais. É como um choque descobrir o contrário. Quando Calebe percebeu quão indignos de confiança os demais líderes eram, ele tentou apelar para o povo sob suas cabeças.
Nos é dito que: “Então, Calebe fez calar o povo perante Moisés e disse: Eia! Subamos e possuamos a terra, porque, certamente, prevaleceremos contra ela” (Nm 13:30). Mas a liderança falsa da incredulidade prevaleceu, apesar desse apelos por uma fé ativa. Foi aí que o povo se voltou contra Calebe e Josué. Eles tentaram protestar com o povo, argumentar a favor do Senhor e mostrar como o medo deles era irracional. “Apesar disso, toda a congregação disse que os apedrejassem” (Nm 14:10). Que estranha recepção para os homens que estavam buscando seguir plenamente o Senhor! A falta de apoio agora havia se transformado em oposição e ódio.
Deve ter surpreendido Calebe descobrir quão essencialmente não-espiritual esse povo era, quão despreparado para encarar a verdade, e quão capaz de amargura para com os homens que procuravam trazê-la para eles. Essa é uma das tristes descobertas que qualquer homem de fé vai ter cedo ou tarde, essa realização de como o povo de Deus pode se tornar cegos e impulsivos quando seus olhos estão fora Dele. A súbita aparição da glória de Deus salvou Calebe e Josué de serem apedrejados até a morte. Se nós seguirmos completamente o Senhor, não precisaremos temer as consequências, porque Ele estará do nosso lado. Foram os homens que deram a direção falsa que morreram. A incredulidade sempre abre as portas para alguma experiência de morte espiritual. “Mas Josué… e Calebe… sobreviveram” (Nm 14:38). O caminho da fé absoluta é sempre o caminho da vida.
Continua no próximo post.
O irmão Harry Foster foi cooperador de T.Austin-Sparks durante a maior parte de sua vida e ministério. O irmão T. Austin-Sparks foi o editor da Revista “A Witness and a Testimony” até sua morte em 1971. Uma revista semelhante intitulada “Toward the Mark” passou a ser publicado por Harry Foster, no período de 1972 a 1989. Esse periódico era dedicado aos mesmos objetivos espirituais do anterior, incluindo também mensagens tomadas dos muitos manuscritos que o Sr. T. Austin-Sparks havia deixado. Na última edição da revista “A Witness and a Testimony”, que foi emitida logo depois da morte do irmão T. Austin-Sparks, Harry Foster escreveu: “Quando minha esposa e eu percebemos que o Senhor estava nos chamando para abandonar nosso trabalho pastoral em Honor Oak… não tínhamos ideia do que o futuro reservaria para nós, muito menos que o Senhor me tomaria para assumir este trabalho editorial. Agora percebemos, porém, que nosso exercício e decisão eram todos parte do hábil plano do Senhor, e nos regozijamos com a perspectiva de continuar a servir a Seu povo dessa maneira”. Ele compartilhava do mesmo encargo e visão do amigo e irmão, T. Austin-Sparks.
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