As raízes da perseverança de Charles Simeon

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As raízes da perseverança de Charles Simeon é uma coletânea dos livros “The Roots of Endurance” (John Piper) e “Charles Simeon” (H.C. Moule). As citações entre aspas e em itálico são de Charles Simeon.

“Se alguém me serve, siga-me, e, onde eu estou, ali estará também o meu servo.” (João 12:26).

Charles Simeon nasceu em 24 de setembro de 1759. Seu pai era um advogado rico, mas não era convertido e pouco se sabe sobre sua mãe (ela provavelmente morreu cedo). Dos sete aos dezenove anos, Simeon frequentou um internato da Inglaterra, o Royal College of Eton. Segundo ele, ficaria tentado a tirar a vida de seu próprio filho em vez de deixá-lo ver a libertinagem que ele presenciou em Eton.

Aos 19 anos, ele foi para o King’s College na Universidade de Cambridge. Nos primeiros quatro meses de sua chegada Deus o trouxe das trevas para a luz. Nos três anos seguintes, Simeon frequentemente passava pela Trinity Church em Cambridge e dizia para si mesmo: “Como me alegraria se Deus me desse aquela igreja para que pudesse pregar o Evangelho ali e ser Seu arauto na Universidade”.

Seu sonho se tornou realidade quando o Bispo York o nomeou “coadjutor responsável” (apenas um diácono na ocasião). Ele recebeu a nomeação e pregou seu primeiro sermão na Trinity Church em 10 de novembro de 1782. Desde o início ele enfrentou forte oposição e dificuldade, pois os paroquianos preferiam outra pessoa para a posição – o Sr. Hammond. Ele estava disposto a renunciar o cargo, mas o bispo disse a ele que ainda que o fizesse Hammond não seria nomeado em seu lugar. Então Simeon permaneceu na posição por 54 anos.

Mas isso não foi fácil. Ele precisou suportar um longo período de oposição. Os paroquianos o recusaram como palestrante convidado do culto da tarde de domingo por mais de 10 anos. Eles mantinham as portas dos bancos da igreja trancadas nas manhãs de domingo (e se recusavam a ir ao culto), impedindo que outras pessoas pudessem sentar ali. Simeon comprou outros bancos, mas os guardiões da igreja o jogaram fora. Quando Simeon ia visitar as pessoas de casa em casa, dificilmente uma porta se abria para ele. Os alunos de Cambridge zombavam de Simeon por sua pregação e os seus estudantes eram ridicularizados. Aulas eram agendadas no horário do culto para que os alunos não pudessem participar. Simeon passava a maior parte do tempo sozinho. Mas, com o passar dos anos, ele se tornou um grande evangelista e preparou muitos jovens para o ministério. A chave de seu ministério tão frutífero para o Senhor foi sua perseverança diante de muita rejeição e provações.

Qual era o seu segredo?

Simeon não reagia às provações e sofrimentos como os humanos comuns respondem. Algo diferente acontecia com ele.

Como Simeon suportou suas provações por tanto tempo (mais de 10 anos) sem desistir ou ser expulso de sua igreja?

Uma das raízes de sua resistência vinha de uma vida de oração e meditação que era a fonte profunda de onde ele extraía recursos para a batalha. Tanto a oração quanto a meditação eram essenciais para o seu permanente desfrute da graça de Deus.

“A meditação é o grande meio de nosso crescimento na graça; sem ela, a própria oração é um serviço vazio”.

Um amigo de Simeon chamado Housman morou com ele por alguns meses e nos conta um pouco sobre essa disciplina de oração e da Palavra. Simeon se levantava invariavelmente todas as manhãs, embora fosse inverno, às quatro horas; e, depois de acender o fogo, dedicava as primeiras quatro horas do dia à oração privada e ao estudo devocional das Escrituras… Aqui estava o segredo de sua graça e força espiritual.

Obtendo instrução dessa fonte e buscando-a com tanta diligência, ele era confortado em todas as suas provações e era preparado para cada dever. Sim, esse era um segredo de sua força, mas não era o segredo mais profundo. O que Simeon experimentou na Palavra e na oração foi extraordinário. Mas a a raiz mais profunda de sua força é algo muito diferente dos conselhos que recebemos hoje e vale a pena observar com atenção.

Crescendo para baixo em humilhação diante de Deus, e para cima em adoração a Cristo

Handley Moule captura a essência do segredo da longevidade de Simeon nesta frase:

“Antes da honra vem a humildade”, e ele ‘desceu’ ano após ano debaixo da severa disciplina da dificuldade enfrentada da maneira certa, no caminho da comunhão íntima e adoradora com Deus.

Essas duas coisas eram o coração da vida interior de Simeon: crescer em humildade e crescer em comunhão de adoração com Deus.

Mas o fato mais notável sobre a humilhação e a adoração no coração de Charles Simeon é que os dois eram inseparáveis. Simeon era totalmente diferente da maioria de nós hoje, que acha que devemos nos livrar dos sentimentos de vileza e indignidade de nossa natureza o mais rápido possível. Para ele, a adoração só crescia no solo recém-arado da humilhação pelo pecado. Então ele sempre se recordava de sua verdadeira pecaminosidade e corrupção.

“Tenho continuamente um tamanho senso de minha pecaminosidade que poderia me afundar em completo desespero, se não tivesse uma visão tão segura da suficiência e disposição de Cristo para me salvar totalmente. Essa sensação tão clara de minha aceitação por meio de Cristo faria minha pequena embarcação revirar, se não fosse por esse lastro [de humilhação] grande o suficiente para estabilizar um navio de tamanho considerável”.

O Lastro da Humilhação

Simeon nunca perdeu de vista a necessidade do lastro pesado de sua própria humilhação.

Depois de quarenta anos como cristão, ele escreveu:

“Com esta doce esperança de aceitação absoluta por Deus, sempre gozei de muita alegria diante dos homens; mas trabalho incessantemente para, ao mesmo tempo, cultivar a mais profunda humilhação diante de Deus. Nunca pensei que o fato de Deus ter me perdoado me garantisse uma razão para me perdoar; pelo contrário, sempre julguei melhor me odiar ainda mais, na mesma medida em que as pessoas me asseguravam que Deus estava em paz comigo (Ezequiel 16: 63)…

Há apenas dois objetos que desejei contemplar nestes quarenta anos; o primeiro é minha própria vileza; e o outro é a glória de Deus na face de Jesus Cristo: e sempre pensei que eles deveriam ser vistos juntos; da mesma forma que Arão confessou todos os pecados de Israel enquanto os colocava na cabeça do bode expiatório. A doença não o impediu de aplicar o remédio, nem o remédio o impediu de sentir a doença. Por isso procuro ser, não apenas humilde e agradecido, mas humilhado em gratidão diante de meu Deus e Salvador continuamente”.

Se Simeon estiver certo, muito do cristianismo contemporâneo está errado. Não posso deixar de me perguntar se uma das razões pelas quais somos emocionalmente vulneráveis a ventos de crítica e oposição é que, em nome do perdão e da graça, temos jogado nosso lastro [de humilhação] ao mar. O barco de Simeon permaneceu firme e prosseguiu no seu curso a despeito de todas as oposições que enfrentou. Seus mastros eram mais altos e suas velas maiores e mais cheias do Espírito do que a da maioria das pessoas de hoje que falam tanto de auto-estima.

Lastro abaixo, velas cheias acima – ao mesmo tempo

Um dos amigos missionários de Simeon escreveu sobre uma ocasião em 1794 quando um certo Sr. Marsden entrou no quarto de Simeon e o encontrou “tão absorto na contemplação do Filho de Deus, e tão dominado pela demonstração de Sua misericórdia para com sua alma, que ele era incapaz de pronunciar uma única palavra”, até que finalmente exclamou: “Glória, glória”. Apenas alguns dias depois, esse mesmo amigo  encontrou Simeon na hora da palestra de domingo quase incapaz de falar, “tamanha era sua humilhação e contrição”.

Moule comenta que essas duas experiências não são excessos alternados de uma mente desequilibrada. São “os dois pólos de esfera de uma experiência espiritual profunda”.

Para Simeon, a adoração a Deus crescia melhor no solo arado de sua própria contrição. Ele não tinha medo de revelar cada pecado em sua vida e olhar para ele com grande tristeza e ódio, porque ele tinha uma visão da suficiência de Cristo que sempre resultaria em uma purificação e adoração ainda mais profundas. Humilhação e adoração eram inseparáveis para ele.

Ele escreveu para Mary Elliott, a irmã do escritor do hino “Just as I am” (Assim como eu sou):

“Resumiria toda a minha experiência num senso contínuo – primeiro, de minha nulidade e dependência de Deus; segundo, de minha culpa e vazio diante dEle; terceiro, de minhas obrigações diante do amor redentor, que me inundam completamente com uma extensão e grandeza incompreensíveis. Não vejo porque qualquer uma dessas coisas deveria sobrepujar a outra”.

Quando idoso, ele disse: “Tive motivos profundos e abundantes para humilhação, [mas] nunca deixei de me lavar naquela fonte que foi aberta para o pecado e a impureza, ou de me lançar sobre a terna misericórdia do Deus com quem me reconciliei”.

Ele estava convencido de que as doutrinas bíblicas “ao mesmo tempo rebaixam e alegram a alma”. Mais tarde, ele disse sobre uma conversa com a Duquesa de Broglie: “Abri para ela minhas opiniões sobre o sistema das Escrituras… e mostrei a ela que o coração quebrantado é a chave para tudo.”

“Meu devido lugar”

Simeon realmente fugiu para se refugiar no lugar onde muitos hoje tentam tanto escapar.

“O arrependimento é, sob todos os pontos de vista, tão desejável, tão necessário, tão adequado para honrar a Deus, que busco isso acima de tudo. O coração terno, o espírito quebrantado e contrito são para mim muito acima de todas as alegrias que poderia desejar nesse vale de lágrimas. Desejo estar no meu devido lugar, com a mão na boca e a boca no pó… Sinto que este é um terreno seguro. Aqui não posso errar… Estou certo de que dentre todas as coisas que Deus pode desprezar… Ele não desprezará o coração quebrantado e contrito”.

Por ocasião do cinquentenário de seu trabalho na Trinity Church, relembrando seu passado, ele disse: “Amo o vale da humilhação. Sinto que estou no meu devido lugar.”

Nos últimos meses de sua vida, ele escreveu: “Na verdade, gosto de ver a criatura aniquilada em sua percepção e engolida em Deus; estou então seguro, feliz, triunfante.”

Por quê? Porque essa humilhação evangélica era um lugar de felicidade para Simeon? Ouça os benefícios que ele percebia nesse tipo de experiência:

“Ao meditar constantemente na bondade de Deus e em nossa grande libertação daquele castigo que nossos pecados mereceram, somos levados a sentir nossa vileza e total indignidade; e enquanto continuarmos nesse espírito de humilhação, tudo mais seguirá facilmente. Nós nos encontraremos avançando em nosso curso; sentiremos a presença de Deus; experimentaremos Seu amor; viveremos no gozo de Seu favor e na esperança de Sua glória… Muitas vezes você sente que suas orações mal chegam ao teto; mas, oh, entre nesse espírito humilde considerando quão bom é o Senhor, e quão maus todos vocês são, e então sua oração subirá nas asas da fé direto ao céu. O suspiro, o gemido de um coração partido logo atravessará o teto até o céu, sim, até o seio de Deus”.

Um foco em Deus, não no eu

Simeon viu que o caminho para a humildade genuína não poderia ser alcançado olhando para dentro dele mesmo – tendo um baixo conceito de seus dons ou um elevado conceito de seus pecados. A chave era olhar para longe de si mesmo – para Deus.

Hopkins escreveu: “A auto-humilhação para Simeon não consistia em menosprezar os dons que Deus lhe dera ou fingir que ele era um homem sem importância, nem mesmo exagerar nos pecados dos quais ele estava muito consciente. Ele fazia isso levando-se conscientemente à presença de Deus, pensando demoradamente na Sua majestade e glória, magnificando a misericórdia de Seu perdão e a maravilha de Seu amor. Essas eram as coisas que o humilhavamnem tanto sua própria pecaminosidade, mas o incrível amor de Deus”.

Até o fim de sua vida, Simeon se concentrou na centralidade de Deus como a raiz de sua aceitação e perseverança. Ele encontrou sua segurança, disse ele, “na soberania de Deus em escolhê-lo – na misericórdia de Deus em perdoá-lo – na paciência de Deus em suportá-lo – e na fidelidade de Deus em aperfeiçoar seu trabalho e cumprir todas as suas promessas.”

“Estou desfrutando” da Cruz

Minha conclusão é que o segredo da perseverança de Charles Simeon foi que ele nunca lançou ao mar o pesado lastro de sua própria humilhação e isso o ajudou a manter seus mastros erguidos e suas velas cheias do espírito de adoração.

“Adoro a simplicidade; amo a contrição… Amo a religião do céu; cair de bruços enquanto adoramos o Cordeiro é o tipo de religião que agrada minha alma”.

Ele disse uma vez que “há apenas duas lições para os cristãos aprenderem: uma é desfrutar de Deus em tudo; a outra é desfrutar de tudo em Deus”.

Quando estava prestes a partir para o Senhor, em outubro de 1836, um amigo sentou-se ao lado de sua cama e perguntou o que ele estava pensando naquele momento. Ele respondeu: “Não penso agora; estou desfrutando.”

Ele cresceu para baixo na dor da contrição, e ele cresceu para cima na alegria da adoração.

A união dessas duas experiências foi a realização da cruz de Cristo e a raiz da grande resistência de Simeon diante de tantas oposições. Ele amava contemplar a cruz de Cristo não apenas porque significava “salvação por meio de um Redentor crucificado”, mas também porque por esta cruz ele havia morrido para os prazeres, riquezas e honras deste mundo.

A admiração do homem não poderia atraí-lo; a condenação do homem não poderia feri-lo. Ele estava morto para tudo isso agora, porque pela cruz o mundo estava crucificado para ele, e ele, para o mundo (Gl 6:14). A cruz foi o lugar de sua maior humilhação e o lugar de sua maior adoração. Era mortífera e vivificante para ele.

Portanto, Simeon disse que ele, como Paulo, nada mais sabia (1Co 2:2) e em nada mais se gloriaria (Gl 6:14). Cristo foi crucificado por ele. Ele foi crucificado com Cristo. Essa era a chave para sua vida e sua resistência. Este era “o poder de Deus e a sabedoria de Deus” (1Co 1:24).

“Tão insondáveis são os conselhos da sabedoria divina contidos nisso que todos os anjos do céu o buscam com uma sede insaciável. Tal é a sua eficácia, que nada pode resistir à sua influência. Por isso, meus irmãos, vocês podem julgar se são cristãos de fato e de verdade ou se são apenas de nome… Pois um cristão nominal se contenta em provar o caminho da salvação por um Redentor crucificado. Mas o verdadeiro cristão o ama, deleita-se e se gloria nisso e estremece com o próprio pensamento de se gloriar em qualquer outra coisa”.

Aqui está a raiz da perseverança de Simeon: a cruz de Cristo dando origem a um “deleite” que se elevava mais alto do que tudo mais que concorresse com ela. Essa Cruz era triunfante sobre todas as ameaças e seduções que podiam o assaltar. Cristo é tudo. “Que todas as suas alegrias fluam da contemplação de sua cruz.”

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