“A fome e a nossa mordomia na vida dos patriarcas” é um artigo baseado em meditações nos versículos iniciais do livro de Rute e da vida dos patriarcas, em Gênesis.
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A Fome na história de Abraão
“Ora, disse o SENHOR a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei; de ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção! Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gênesis 12:1-3).
Abraão creu, e iniciou sua longa peregrinação com o Senhor. Curioso que logo no início de sua caminhada, Abraão tenha experimentado uma das primeiras aparentes contradições da Palavra do Senhor para ele – fome em Canaã:
“Havia fome naquela terra; desceu, pois, Abrão ao Egito, para aí ficar, porquanto era grande a fome na terra” (Gênesis 12:10).
Se relembrarmos o relato, veremos que esse episódio levou Abrão à mentir a respeito de sua esposa, e o próprio Deus interviu, de sorte que os Egípcios o mandaram embora de lá (vs 17,19).
O fato aqui é que Abraão estava aprendendo a ser conduzido, e sua primeira reação à uma dificuldade natural foi buscar recursos naturais para resolvê-la. Podemos ver isso claramente em 1 e 2 Coríntios, a imaturidade e falta de discriminação levando a essa confusão, trazendo coisas naturais para dentro de um processo dirigido por Deus. O Senhor precisa mostrar claramente aquilo que vem dEle e o que pode ou não tomar parte em Sua edificação. Dessa forma, vemos que o próprio Egito expulsou Abraão.
Então, vemos ilustrado nesse primeiro episódio de FOME um primeiro estágio de provação, quando somos conduzidos à buscar a solução dos problemas nos recursos naturais, no mundo, usando nossa mente, nossas estratégias. O apóstolo Paulo combateu isso fortemente em sua abertura da primeira epístola aos Coríntios. Nada humano, sabedoria, força, nada disso pode ser usado na edificação do Senhor.
Em Sua soberania, quando nosso coração é do Senhor, Ele intervém, tornando aquela adversidade numa lição preciosa para nossa alma.
A partir desse episódio vergonhoso, vemos que a compreensão de Abrão a respeito do Deus vivo foi se alargando, pois ele deixou que Ló tivesse a prioridade na escolha da melhor porção de terra, o que é uma atitude de fé. Algo aconteceu no coração de Abrão.
A fome na história de Isaque
Isaque passou pela mesma provação de seu pai Abraão. A palavra cuidadosamente nos diz que aquele foi O SEGUNDO ADVENTO DE FOME, no verso 1 do capítulo 26. Esse relato está logo depois que Esaú rejeitou seu direito de primogenitura, então percebemos que provavelmente Isaque já era um homem maduro nessa ocasião. Em Gênesis 25:11, descobrimos que depois da morte de Abraão, Isaque permaneceu habitando junto a Beer-Laai-Roi, que é na região de Berseba. Então quando ocorreu a fome, Deus o alertou: não vá para o Egito! Provavelmente ele se lembrava do episódio de seu pai. Mas percebemos aqui que Isaque ouviu a Deus, não agindo totalmente baseado em seu entendimento.
No entanto, vemos que Isaque foi para a terra dos filisteus. Ou seja, ele buscou alguma ajuda externa nesse momento difícil.
“Sobrevindo fome à terra, além da primeira havida nos dias de Abraão, foi Isaque a Gerar, avistar-se com Abimeleque, rei dos filisteus. Apareceu-lhe o SENHOR e disse: Não desças ao Egito. Fica na terra que eu te disser; habita nela, e serei contigo e te abençoarei; porque a ti e a tua descendência darei todas estas terras e confirmarei o juramento que fiz a Abraão, teu pai” (Gênesis 26:1-3).
Os filisteus, diferente do mundo, tipificado pelo Egito, são a figura da religião – pois naquela região havia uma entrada para Canaã sem passar pelo Jordão. O Senhor não permitiu à Israel entrar em Canaã por aquele caminho. O Jordão é uma representação da Cruz do Senhor Jesus. Nunca poderemos viver a vida abundante sem ser participantes dessa cruz.
Dessa forma, Isaque passou pelo segundo nível da experiência espiritual, que vemos na epístola aos Gálatas – ele precisava aprender que a religião não poderia ajudá-lo a trilhar um caminho espiritual.
“Isaque, pois, ficou em Gerar. Perguntando-lhe os homens daquele lugar a respeito de sua mulher, disse: É minha irmã; pois temia dizer: É minha mulher; para que, dizia ele consigo, os homens do lugar não me matem por amor de Rebeca, porque era formosa de aparência” (Gênesis 26:6-7).
Isaque acabou ficando em Gerar, na terra de Abimeleque, e ali cometeu o mesmo erro do seu pai. Entretanto, Deus o conduziu novamente ao lugar onde ele deveria permanecer. Na verdade, Deus acabou usando aquele incidente para separar ainda mais Isaque daquele povo (vs 11). Pela descrição da história de restauração de poços de Isaque, aprendemos como o Espírito nos guia de volta, até retornarmos à Berseba. Isaque aprendeu que nem só de pão viveria o homem. Ele descobriu, depois de cavar por si mesmo nas profundezas dos poços de seu pai, que o Senhor era o seu guia e a sua fonte.
Então vemos em Isaque alguém que estava se aprofundando, e que finalmente descansou em um lugar inóspito.
A fome, o Egito e a nossa mordomia vislumbrada na vida de José
Jacó, o terceiro patriarca, também passou por um severo teste de fome, mas não depois de ter passado por uma vida longa de disciplina cuidadosamente ordenada por Deus. O Senhor, em Sua providência, tinha algo a revelar naquela fome. Vemos que esse episódio ocorreu na maturidade de Jacó, quando ele já tinha voltado para Canaã, tinha seus 12 filhos adultos, e José tinha sido vendido como escravo. Para Jacó, entretanto, José estava morto. Nesse momento, uma fome sem precedentes ocorreu NO MUNDO TODO!
E nesse caso, temos uma outra pessoa sendo preparada de maneira oculta nessa história: José. José havia sido provado severamente pela palavra do Senhor (Sl 105:19). Nesse processo, ele foi enviado previamente para o Egito para que, no momento certo, pudesse administrar alimento ao mundo todo, quando aquela fome terrível ocorresse.
No caso desse episódio de fome descrito na história de José e Jacó, temos o terceiro estágio da maturidade em vista – a mordomia. Aqui, vemos como foi fundamental ter alimento para repartir em momentos de fome, e tudo isso dependia de sabedoria, entendimento espiritual, experiência de grandes dores de parto, ter uma palavra do Senhor e passar por grandes provações.
José foi o filho do amor de Jacó, e depois de ter sido levado ao Egito, permaneceu como escravo por tantos anos, até que estava pronto para ser um mordomo fiel. Então, nesse episódio de fome vemos um suprimento sobrenatural! Vemos que Deus pode até mesmo usar o Egito, mas com Alguém maior que o Faraó sendo o responsável por fornecer o alimento. Inesgotáveis recursos celestiais!
“Havendo, pois, fome sobre toda a terra, abriu José todos os celeiros e vendia aos egípcios; porque a fome prevaleceu na terra do Egito. E todas as terras vinham ao Egito, para comprar de José, porque a fome prevaleceu em todo o mundo. Sabedor Jacó de que havia mantimento no Egito, disse a seus filhos: Por que estais aí a olhar uns para os outros? E ajuntou: Tenho ouvido que há cereais no Egito; descei até lá e comprai-nos deles, para que vivamos e não morramos” (Gênesis 41:56 – 42:2).
Mas um fato a respeito de Jacó, no entanto, é que ele não foi correndo ao Egito. Apenas enviou seus filhos. O patriarca certamente sabia bem o que havia acontecido com Abraão. Jacó só foi para o Egito depois que Deus lhe falou claramente que deveria fazê-lo, e pelo registro bíblico podemos perceber que Jacó temia ir para lá.
Jacó, figurando uma pessoa madura, não faria nada SEM ANTES RECEBER UMA DIREÇÃO DE DEUS. Ele espera, deixa sua alma sujeita à direção do Espírito, e então obedece uma direção que parecia tão contraditória a tudo o que Jacó conhecia. Ir para o Egito? Sim!
“Falou Deus a Israel em visões, de noite, e disse: Jacó! Jacó! Ele respondeu: Eis-me aqui! Então, disse: Eu sou Deus, o Deus de teu pai; não temas descer para o Egito, porque lá eu farei de ti uma grande nação. Eu descerei contigo para o Egito e te farei tornar a subir, certamente. A mão de José fechará os teus olhos” (Gênesis 46:2-4).
Então vemos em Gênesis um retrato de como Deus usou A FOME na vida dos três patriarcas, para conduzi-los à maturidade. Desde a busca por recursos no mundo, ao ponto da possibilidade de exercer nossa mordomia no mundo, a partir dos inesgotáveis recursos celestiais.
De Abraão chegamos à José. Começamos buscando as coisas de forma natural, e aos poucos, somos conduzidos à cavar poços, nos submeter aos tratos de Deus, para que possamos gerar essa vida de mordomia. Aí, quando a fome prevalecer, teremos dos celeiros do Senhor para repartir.
Então, podemos perceber que a FOME é uma provação, e pode fazer parte do processo de Deus com o seu povo para aumentar sua fé, tornando-no em uma bênção para todas as nações, conforme Deus preanunciou à Abraão.
Para isso precisaremos passar por FOME, mas dentro da soberania dos tratos de Deus conosco.
No exemplo da condução do Senhor do Seu povo à Canaã, por meio daquele deserto por 40 anos, vemos como a FOME foi um ponto importante nos Seus tratos com eles. Vemos a relação entre o deserto, a fome e a necessidade de aprender a desenvolver uma vida de dependência do Senhor:
“Recordar-te-ás de todo o caminho pelo qual o SENHOR, teu Deus, te guiou no deserto estes quarenta anos, para te humilhar, para te provar, para saber o que estava no teu coração, se guardarias ou não os seus mandamentos. Ele te humilhou, e te deixou ter fome, e te sustentou com o maná, que tu não conhecias, nem teus pais o conheciam, para te dar a entender que não só de pão viverá o homem, mas de tudo o que procede da boca do SENHOR viverá o homem” (Deuteronômio 8:2-3).
Não podemos nos esquecer que O FILHO, O GRANDIOSO SERVO, passou por 40 dias de fome e prevaleceu! Ele deixou-nos exemplo – citando exatamente esse texto de Deuteronômio. Ele era tão rico, exatamente porque dependia do Pai, fazia tudo que Ele mandava, e então tinha livre acesso aos Seus celeiros. Jesus é o verdadeiro MORDOMO. Ele nos chama a servi-Lo da mesma maneira, com fidelidade, dependendo de Sua poderosa graça:
“Quem é, pois, o servo [DOULOS] fiel e prudente, a quem o senhor confiou os seus conservos para dar-lhes o sustento a seu tempo? Bem-aventurado aquele servo a quem seu senhor, quando vier, achar fazendo assim (Mateus 24:45-46).
“Disse o Senhor: Quem é, pois, o mordomo [OIKONOMOS] fiel e prudente, a quem o senhor confiará os seus conservos para dar-lhes o sustento a seu tempo? Bem-aventurado aquele servo a quem seu senhor, quando vier, achar fazendo assim. Verdadeiramente, vos digo que lhe confiará todos os seus bens” (Lucas 12:42-44).
“Mas, pela graça de Deus, sou o que sou; e a sua graça, que me foi concedida, não se tornou vã; antes, trabalhei muito mais do que todos eles; todavia, não eu, mas a graça de Deus comigo” (1Co 15:10).
Que possamos ser essa resposta! Amém!
“Eis que vêm dias, diz o SENHOR Deus, em que enviarei fome sobre a terra, não de pão, nem sede de água, mas de ouvir as palavras do SENHOR” (Amós 8:11).
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MORDOMIA
(Arlen Chitwood)
A palavra “dispensação” vem do Grego oikonomia, que é uma palavra composta relacionada à “mordomia”. Um cognato dessa palavra é oikonomos, que é formado por duas palavras – oikos (casa) e nemo (administrar). Assim, oikonomos tema ver com a administração de uma casa – uma pessoa central colocada responsável, com outros compartilhando responsabilidades nessa casa sob seus cuidados. E oikonomia (a palavra usada para “dispensação”) leva o mesmo sentido.
Da mesma maneira, “uma dispensação” se relaciona com a administração da casa de Deus através de servos a quem Ele delegou a responsabilidade de Sua casa.
Referências:
The Study of the Scripture – Arlen Chitwood