Parábolas da Cruz – 3

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“Parábolas da Cruz – 3” é a tradução do capítulo 3 do livro “The Parables of the Cross”, de Isabella Lilias Trotter, publicado em 1890.

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Isabella Lilias Trotter (1853-1928)

“Assim também vós considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus” (Romanos 6:11).

A morte para o pecado é o caminho em direção a uma vida de santidade

Leia o capítulo anterior aqui.

A cruz de nosso Senhor Jesus Cristo desliga a nossa vida do pecado. Como um canal entupido, a Sua vida representa uma barreira invisível e abençoada entre nós e o pecado, quando “reconhecemos” Sua presença, sustentando-a pelo exercício da fé e da vontade. Aquele sepulcro aberto de onde o Senhor saiu é o caminho disposto diante de nós na direção de uma vida onde esses poderes poderão se desenvolver com todo o vigor da primavera.

A seiva – a vontade ou o “ego” – é retirada da existência anterior, com todos os seus objetivos e desejos, passando a ser dirigida para a nova. Ela é direcionada para o outro lado, e passamos a nos apegar ao fato de que esta passou a ser nossa vida, a única que tem o direito de existir. Consideramo-nos mortos para a vida antiga; e nos consideramos vivos para a nova. “Abandonamos” a primeira, “tomando” a última.

Vejamos um exemplo prático: suponha que um velho hábito de duvidar e temer se afirma em sua alma, de forma viva e forte. Eis o que você deve fazer: feche a porta diante da dúvida, cerre seus olhos para ela, considere-se morto.

E então conte com o crescimento da vida recém-nascida da fé em sua alma, investindo todas as suas forças em crer. Erga seus olhos para o Deus em Quem você crê, acredite, como se o motivo da dúvida não estivesse ali. Então a seiva, cessando de alimentar o rebento antigo, fluirá para o novo.

Mas seria esse “despojar do velho” um ato único ou um processo gradual? Ambos. Trata-se de uma decisão tomada de uma vez por todas, mas que é confirmada em cada detalhe do nosso dia a dia. 

No primeiro momento em que a seiva começa a se retirar e o caule das folhas começa a entupir, o destino da folha já está selado: não haverá possibilidade de reverter essa decisão. Cada novo dia será uma execução constante do propósito da planta: “a velha folha morrerá e a nova viverá”. Assim, também será com sua alma. 

Tome a decisão de uma vez por todas: “todo pecado conhecido deve sair – se existir uma libertação, eu a terei.” 

Interponha a Cruz de Cristo, em seu misterioso poder de entrega, irrevogavelmente entre você e o pecado, sustentando-a ali. Essa é sua parte, você deve fazê-lo. Não será possível nenhum progresso até que você decida se separar de todo o pecado conhecido – todo pecado de pensamento, palavra ou ação, todo elo com o mundo, com a carne ou com o diabo. Abandone tudo que permitir qualquer sombra de dúvida, quando estiver debaixo da luz de Deus. 

Faça isso, não por meio de lutas graduais, mas por meio de um ato honesto de renúncia, sustentado pela fé e obediência. Ao tomar essa decisão de acordo com o seu conhecimento atual, você deve determinar que essa será a sua atitude daí em diante em relação a tudo o que “não é do Pai”, na medida que receber mais revelação de Sua crescente luz.

Então, Deus entrará em cena com um sopro do Seu poder da ressurreição; pois a Cruz e o sepulcro vazio não podem ser separados por muito tempo. A lei do Espírito da Vida poderá operar livremente, à medida que você deliberadamente abandonar todo apego ao pecado; o poder de Sua obra no nosso interior afastará o pecado, e os Seus ventos ao nosso redor nos tornarão “de fato livres”, como esses jovens brotos passam a ser, quando caem as folhas do ano anterior.

[A lei do Espírito da Vida].

Isso nos leva ao lado positivo da Cruz; pois quando a sentença de morte sobre a velha natureza é executada, a nova natureza pode se manifestar. A separação de todo pecado conhecido é o ponto de partida para a santificação, não o alvo. 

Esse é apenas o lado negativo da santidade, chegar ao ponto onde Deus pode desenvolver Seu ideal em nós, sem impedimentos. É quando a morte trazida pelo inverno faz seu trabalho, que o sol pode atrair em cada planta sua própria individualidade, tornando sua existência plena e perfumada. Santidade significa algo mais do que apenas varrer as velhas folhas do pecado, é a vida de Jesus desenvolvida em nós.

Independente de nos sentimos totalmente impotentes quando nos deparamos com Sua vida adorável, se forem providas as devidas condições – com o poder oculto em nosso interior e os velhos pontos de crescimento fechados – o sol fará o restante do trabalho. Mesmo em meio à aparente falta de vida, da esterilidade, da dificuldade, ainda nascerão as flores. 

Não vamos “limitar o Santo de Israel”, despojando Seu poder de realizar esse milagre no futuro. Quão sem esperança o tronco liso de uma árvore frutífera nos pareceria em fevereiro, se nunca tivéssemos presenciado a maravilha da primavera! No entanto, o florescer celestial brota diretamente nele, sem nenhum passo intermediário de novo crescimento.

[Trazidas pelo sol].

Olhe novamente para a o junco florido. A crista irrompe do nada – do caroço que parece sem vida surgem tantas flores marrons, até quase não mais haver “espaço para recebê-las”. O que mais precisamos em nossas almas, além de ter esse Deus como nosso Deus?

[Haveria coisa demasiadamente maravilhosa para o Senhor?]

Uma vez que Ele permitiu que a manifestação de Sua graça em nossos pobres corações fosse um milagre, não existe a necessidade de adiá-la indefinidamente. Quantas das maravilhas feitas por Cristo na Terra foram a manifestação da concentração de longos processos da natureza num súbito ato de poder. Muitos doentes teriam sido curados gradualmente pelo curso da natureza, no decorrer de muitos anos a figueira teria murchado, a tempestade teria se dissipado em poucas horas. O milagre, em cada um desses casos, consistiu no processo lento ter sido acelerado por meio do sopro Divino, condensado-o em um breve momento.

Não podemos confiar nEle para operar milagres assim em nossas almas? 

Da mesma forma “para o Senhor, um dia é como mil anos” (2Pe 3:8). Não há necessidade que desse primeiro ato da parte do Senhor de nos tornar santos seja prolongado pelo resto de nossas vidas. Um milagre – uma maravilha –  isso é tudo de que precisamos, e “Ele é Deus, que opera grandes maravilhas”. 

Satanás se satisfaz quando nossa fé está focada em uma santificação futura, assim como ele estava contente quando nossa fé se baseava em uma salvação futura. É quando a alma se eleva para o “aqui e agora” que o inimigo treme.

Qualquer que seja a próxima graça em relação à sua alma, pode você acreditar no seu instantâneo suprimento, diretamente de acordo com sua necessidade? O processo de Cristo é muito simples e muito rápido: “Por isso, vos digo que tudo quanto em oração pedirdes, crede que recebestes, e será assim convosco”.

Deus pode operar com Seu sopro vivificador tanto na esterilidade de nossas almas, como também em relação à nossas dificuldades e nas coisas ao nosso redor que nos parecem muito desfavoráveis.

Veja este pedaço tojo. Durante todo o ano, o espinho endureceu, tornando-se muito afiado. A primavera chegou: o espinho não cai e não amolece. Aí está ele, tão intransigente como sempre foi. Então surgem duas peludas protuberâncias marrons, que inicialmente parecem meras manchas, mas finalmente se partem – saindo diretamente de dentro do espinho do ano anterior – sob a forma de uma labareda de glória dourada, cheia de perfume.

[Coloca em dor a jóia da Sua alegria].

“Toda disciplina, com efeito, no momento não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza; ao depois, entretanto, produz fruto pacífico aos que têm sido por ela exercitados, fruto de justiça”. [Hb 12:11].

Não importa se o problema não indicar sinais de retrocesso, é justamente quando ele parece irremediavelmente inflexível – ainda que tenha sido preservado tão vivo e forte ao longo dos dias de primavera – que veremos os pequenos brotos surgirem, e logo tudo se revestirá de glória. Tome a coisa mais difícil da sua vida – um local de dificuldade, exterior ou interior, e espere que Deus triunfe gloriosamente ali. Sim, Ele pode fazer sua alma florescer!

* * * *

E assim a primavera se estende, até passar mais uma vez pela sombra do Calvário. Pois a bem-aventurança de receber não é tudo o que Deus tem para nós. Um mundo novo está diante de nós – um mundo de entrega. Primeiro a entrega a Deus em rendição, depois a entrega ao homem por meio do sacrifício.

Uma flor que interrompe seu processo após o florescimento perde de vista seu propósito. Fomos criados para algo mais, além do nosso próprio desenvolvimento espiritual. Sim, reprodução, não mero desenvolvimento, é o objetivo do ser amadurecido – reprodução em outras vidas. 

Vemos uma tendência em alguns espécimes, que é gastar toda a sua energia na produção de flores, às custas das sementes. Flores que se empenham em aperfeiçoar-se, tornando-se dobradas, acabam por se tornar estéreis.

O mesmo ocorre à alma cujos interesses estão todos concentrados em seu próprio bem-estar espiritual, sem levar em consideração as necessidades ao seu redor. 

A flor ideal é aquela que usa seus dons como meios para um propósito; o seu brilho e a doçura não visam sua própria glória; mas são apenas usados para atrair as abelhas e borboletas que a fertilizam, tornando-a frutífera. Tudo pode ser abandonado, quando o trabalho estiver concluído: “é mais abençoado dar do que receber”.

Nós somos “salvos para salvar” – fomos criados para dar – para entregar tudo, se tivermos algo mais a dar. O seixo absorve todos os raios de luz que são lançados sobre ele, mas o diamante os redistribui. Cada pequena faceta é um meio, não apenas de receber mais, mas de conceder mais. A beleza sobrenatural da opala surge por meio do mesmo processo, realizado dentro da pedra: o microscópio mostra que ela é quebrada através de inúmeras fissuras que capturam, refratam e irradiam todos os raios que ela recebe.

Sim, temos diante de nós a possibilidade de uma bela vida, que terá uma paixão por dar e que será derramada para Deus – gasta a favor do homem. Ela será consagrada “para o serviço mais árduo e a favor dos pecadores mais sombrios”. 

Mas, como devemos entrar nessa vida? Como devemos escapar da nossa própria vida egoísta, que nos aprisiona, mesmo depois que a vida pecaminosa afrouxou seu domínio?

Retornemos à cruz! Ela não apenas nos liberta do mundo da condenação e do pecado no momento em que a aceitamos, mas também nos liberta do poder das coisas exteriores e da servidão do ego. 

Essa cruz não só abre a porta para o mundo de remissão e de santidade, mas também nos introduz na esfera da rendição, e então, do sacrifício. Isso porque a ideia essencial da Cruz é uma vida entregue, para ser novamente encontrada naqueles ao nosso redor.

Vamos olhar para as alegorias de Deus. À medida que a planta se desenvolve, surge uma nova etapa de entrega. 

A princípio, eram apenas as folhas mortas e desfiguradas que deveriam desaparecer – agora são as pétalas novas e tão belas que também devem cair, sem nenhum motivo visível – e ninguém parece ser enriquecido com esse processo.

O primeiro passo para a esfera da entrega é o de uma rendição semelhante a essa – não humana, mas Divina: uma entrega absoluta do nosso melhor. Enquanto nossa idéia de rendição se limitar à renúncia das coisas ilícitas, nunca compreendemos seu verdadeiro sentido: não poderemos oferecer a Ele nada contaminado, só o melhor [Nm 18:32].

Aquela vida derramada na Cruz não era pecaminosa – Aquele tesouro derramado era uma dádiva, abençoado por Deus, era lícito e poderia ter sido preservado, só que à Sua entrega estava atrelada a vida do mundo!

Continue a leitura do próximo capítulo do livro “Parábolas da Cruz” aqui.


Isabella Lilias Trotter (1853-1928) era uma amante da beleza e de Deus, e isso foi demonstrado em sua vida como artista, autora e missionária. Nascida em 1853 em uma família rica de Londres, seu talento foi notado pelo famoso crítico de arte John Ruskin. No entanto, em vez de seguir uma carreira artística, sentiu-se comissionada para ir à Argélia como missionária. Após ter sido rejeitada por uma sociedade missionária, seguiu para aquele país de forma independente, junto com outras duas mulheres solteiras. Ali viveu até sua morte, em 1928. A mensagem do livro “The Parables of the Cross” é simples e, ainda assim, de grande profundidade espiritual. Todas as imagens anexadas aos posts são de sua autoria. Mas a grande contribuição de Lilias Trotter não se resumiu em fazer belas ilustrações, mas principalmente pela capacidade de ilustrar verdades espirituais profundas que lhe eram percebidas a partir da natureza e da vida ao seu redor. 

Mais informações sobre sua vida podem ser lidas na Wikipedia e em outros sítios na Internet, também em diversos livros escritos sobre sua vida.

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