Cristo, o Horizonte de Deus – 2

Print Friendly, PDF & Email

Essas são nossas notas baseadas nos capítulos 1 e 2 do livro “Horizoned by Christ”, de T. Austin-Sparks, disponível para leitura no site www.austin-sparks.net. É importante salientar que não se trata de uma tradução do texto original, mas da nossa compreensão daquilo que o autor escreveu, podendo conter divergências em relação ao seu entendimento. 

***

“E nos mandou pregar ao povo e testificar que Ele é Quem foi constituído por Deus Juiz de vivos e de mortos” (Atos 10:42).

“Porquanto estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça, por meio de um Varão que destinou e acreditou diante de todos, ressuscitando-O dentre os mortos” (Atos 17:31).


***

No post anterior, descobrimos que Cristo é o horizonte de Deus. Ele traduz o limite máximo e o conteúdo pleno de tudo que existe nos conselhos eternos do Pai. Esse Cristo não é limitado, mas é o representante daquilo que eventualmente será universal. Jesus também é a consumação de toda a linha de disciplina que Deus tomou com Israel, sendo a encarnação perfeita do Servo segundo o coração de Deus. Tomando isso como base, prosseguiremos.

O Verdadeiro Serviço

Vamos observar o início da vida do Senhor Jesus neste mundo. Temos o mesmo princípio adotado, gravado sobre o Seu nascimento. Tomemos sua mãe. Estamos em um terreno muito delicado quando falamos sobre a mãe de Jesus, por mais de uma razão. “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho” (Mt 1:23). O anjo do Senhor apareceu à virgem Maria, e nos nossos tempos de baixos padrões morais em que vivemos, quando a sensibilidade é tão reduzida e degradada, pode não ser fácil para nós realmente compreender o que isso significou para ela. Percebe que ela foi imediatamente confrontada com um estigma social? Será que vemos o seu dilema pessoal? Se ela era pura, imaculada na mente, no coração, e amada como qualquer mulher verdadeira e nobre deveria ser, que dilema para ela seria ser encontrada naquela condição! E que situação delicada no âmbito religioso. Observe que do ponto de vista da Lei de Moisés e dos governantes judeus, isso era tratado com apedrejamento e morte. Esse filho fora do casamento seria culpável, um crime em Israel.

Podemos nos lembrar como as autoridades judaicas trouxeram uma mulher a Jesus em uma ocasião, apanhada em adultério, e disseram: ‘segundo Moisés ela deveria ser apedrejada.’ Diante de nós temos uma delicada situação religiosa, e Maria precisou enfrentar tudo isso sozinha, no secreto de seu coração, tomando uma decisão. Que caminho difícil! Não sou romanista, e não há lugar para a adoração da Virgem Maria, mas talvez tenhamos perdido alguma coisa devido ao nosso medo disso.

O ponto importante é que aquela mulher em Israel, pela qual Jesus viria a este mundo, experimentou uma renúncia profunda, tremenda e quase terrível, precisando se esvaziar. Não encontraremos nada mais grandioso sendo proferido por lábios humanos, à luz de tudo isso: “Aqui está a serva do Senhor; que se cumpra em mim conforme a tua palavra” (Lc 1:38).

Será esse o espírito de servo? O espírito de esvaziamento, humilhação, total rendição, submissão? Humilhação? Certamente que sim. Esse foi o caráter do vaso por meio do qual Jesus veio a este mundo. Sobre esse princípio Ele nasceu, e o que foi verdade ali, foi o princípio governante do resto de Sua vida. Esse episódio foi chamado eclesiasticamente de “anunciação”. Prefiro chamá-lo de renúncia em relação a ela – um desapego e uma renúncia a tudo o que poderia ser valorizado do ponto de vista deste mundo, para aceitar algo Divino, celestial. Que percepção! Que visão através de tudo o que é terreno, humano, na direção do Divino.

Olhe novamente para as circunstâncias que envolveram o nascimento de Jesus. Ele é o Senhor da Glória! Esse é um de Seus títulos nas escrituras, “O Rei da Glória“. Ele também é “o Autor da Vida“. Ele é “o Filho Eterno de Deus”, que poderia verdadeiramente dizer: “glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto de ti, antes que houvesse mundo” (Jo 17:5).

Mas também podemos escrever a Seu respeito que Ele, “subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus” (Fp 2:6). Tudo isso, mas não encontraram nenhum lugar na estalagem, sem palácio, sem casa, sem cama, sem enfermeira, sem atendentes. Quão verdadeiras são as palavras “Ele se esvaziou“.

Que esvaziamento! Deus, nesta disciplina, neste esvaziamento. Ele jamais seria capaz de dizer: ‘Nasci de pais importantes, fui criado em um palácio e em um lar nobre‘. Não, nada disso! “A si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo” (Fp 2:7).

Aqui voltamos ao princípio, o processo de disciplina para gerar o espírito de servo; algo de grande apreço e valor para Deus. Isso preencherá todo o universo no final. Isso! “Os seus servos o servirão, contemplarão a sua face…” (Ap 22:3,4).

Os Trinta Anos

Em meio à cristandade, é muito veiculada uma decepção pelo fato de termos tão pouco conhecimento dos primeiros trinta anos de vida do Senhor Jesus. Quantas pessoas tentaram construir teorias, preencher esse tempo e explicar alguma coisa a esse respeito. Por que aqueles anos silenciosos, com apenas uma breve pausa aos doze anos? Depois, Ele desapareceu novamente dos doze aos trinta anos para o silêncio. Trinta anos! Um período em que todo garoto adquire suas habilidades, qualificações para a vida, para realizar suas ambições. Esse é um período de treinamento que lhe garantirá um lugar neste mundo, quando esse tempo chegar ao fim. Ao seu término, a pessoa terá as condições e qualificações para ocupar um lugar digno entre as pessoas de renome neste mundo. Diria que isso representa os trinta anos.

Se você não tem algo assim quando tem trinta anos, precisará se ocupar muito para tentar obtê-lo. Nesse período, você obterá seus diplomas, habilidades e treinamento. Para o Senhor Jesus, temos silêncio, não existiram tais coisas, tanto quanto sabemos.

Mas por que tudo isso? Dentro do contexto, tudo está de acordo com o princípio permanente de Deus: a disciplina do negativo. Será que existe alguma disciplina maior em nossa vida, do que quando nada está acontecendo? Aquele suspense, espera e sensação aparente de que Deus não faz nada. Você sabe alguma coisa dessa agonia? Ter a consciência de que Deus certamente teria algo melhor que isso que estamos vivendo, um propósito maior para nossa  vida… Digo que isso é uma disciplina, não é mesmo?

Qualquer ser humano normal se preocupa com sua vida, em ser alguém de valor e fazer algo que valha a pena. Isso é da natureza do homem. Por isso, quando Deus fica por um período prolongado sustentando tudo em suspense, na espera, dia após dia, em uma terrível monotonia… é comum o homem se revoltar.

O Antigo Testamento traz diversos exemplos daqueles que se revoltaram por não terem obtido mudanças nas condições em que viviam. Como precisamos delas! A monotonia é uma aflição terrível, não é? Bem, trinta anos de espera. O que será que Deus está fazendo? Tal processo certamente leva a um esvaziamento do ego. Isso visa inculcar uma sujeição absoluta, uma perfeita submissão a Deus, independente de entender ou não, mesmo debaixo das condições de mais profunda perplexidade e desorientação. Sim, podemos estar ativos no espírito, nunca passivos e descuidados… ativos em espírito, mas, ainda assim, Deus não traz Seus propósitos à luz. Isso é sofrimento para a alma: esse processo de desenvolvimento da submissão, de um espírito servil que passará a fazer parte da nossa própria natureza e constituição.

Que agonia infinita do prolongado suspense, inatividade, espera e paciência. Quanta perseverança nos é concedida pelo Senhor nesse processo. Veremos no final da Bíblia, no livro de Apocalipse, que a perseverança de Jesus Cristo é a marca das almas santas [Ap 3:10; Ap 14:12]. Deus precisa, por um lado, agir naquilo que chamamos de negativo; mas Ele sabe que esse é um tipo muito positivo de negativo. Pode ser agonizante esse processo de esvaziar, enfraquecer, esse sentimento de desamparo… Mas existe também o outro lado, quando vemos a vontade de Deus preeminente, absolutamente dominante, quando finalmente à ela nos rendemos. É esse espírito que encontraremos no céu nas eras vindouras, quando Deus então será tudo em todos!

Isso não é apenas algo descrito na Bíblia, mas é de fato o rompimento da alma humana para chegar a esse ponto. Jesus saiu de Seus trinta anos sem nada: sem distinções acadêmicas, sem status ou referências dos homens. Pelo contrário, Ele tinha muitas desvantagens. ”De Nazaré pode sair alguma coisa boa?” (Jo 1:46) foi a palavra de ordem, o slogan que trazia uma desvantagem para qualquer rapaz de trinta anos de idade, adentrando sua vida profissional. Sim, desvantagens.

Será que percebemos que Jesus, em toda a Sua vida, assumiu toda a disciplina histórica de Israel para tornar esse povo servo de Deus? A maior tragédia da história é que, no final, Israel se afastou disso e procurou tomar o poder por suas próprias mãos, repudiando o Filho de Deus – se colocando fora do horizonte de Deus – nas trevas exteriores. Não vou tentar explicar ou argumentar o que o Senhor Jesus quis dizer com isso, “fora, nas trevas; ali haverá choro e ranger de dentes” (Mt 8:12) e isso com relação aos filhos do reino. Mas posso ver claramente que, nos últimos dois mil anos, esse foi o destino de Israel: choro, lamento e ranger de dentes – fora do horizonte de Deus, nas trevas, do lado de fora.

Que desafio e que apelo para nós… talvez essa também seja uma interpretação dos tratos de Deus conosco. Lembremo-nos que Deus toma essas dores de parto infinitas em relação a nós, quebrando, esvaziando, humilhando, enfraquecendo, tirando nossa própria capacidade para fazer, realizar e alcançar as coisas por nós mesmos, a fim de nos levar ao ponto onde Sua vontade é preeminente! É através de pessoas assim que Ele poderá Se mostrar ao mundo, aos homens. Nunca veremos o Senhor Jesus no tipo arrogante, bombástico, auto-assertivo e auto-suficiente que pode fazer tudo, tomando posições e assumindo coisas que Deus nunca lhe outorgou. Esse não é o Senhor Jesus! Não, Ele não “julgou como usurpação o ser igual a Deus”.

Existe um fim proposto por Deus, e isso é muito prático, real. Mas é claro que existem muitos cristãos que não o desejam.

Quando vamos até a praia, vemos três tipos de pessoas. Algumas pessoas ficam na terra seca, na praia, e passam um tempo bom e feliz construindo seus castelos de areia. Temos outro grupo que tira os sapatos e entra na água, no raso, até nada um pouco. Se por acaso, uma onda os leva a uma profundidade acima dos tornozelos ou dos joelhos, bem, eles logo saem dali e retornam para a terra seca. Eles não desejam esse tipo de experiência, querem apenas se divertir nas águas rasas.

Há uma terceira classe de pessoas que entra na água e mergulha, logo começando a perceber que terão que lidar com poderes superiores às suas forças. Quanto mais longe eles vão, mais seus recursos de força e resistência serão esgotados e drenados. Se eles se afastarem o suficiente mar adentro, tornar-se-á necessário usar recursos externos, além dos seus.

Muitos cristãos permanecerão na terra seca e terão bons momentos, não aceitando que nada interfira em suas vidas cristãs felizes e agradáveis. Há quem simplesmente entre no raso e desfrute um pouco mais, mas quando as coisas começam a ficar difíceis, essas pessoas desmoronam, saindo da água, pois não desejam nada daquilo. Mas existem cristãos que mergulham nas profundezas do Senhor e logo descobrirão recursos além dos seus em Cristo.

Temos todas essas classes de pessoas, mas me dirijo à terceira classe. Você saiu com o Senhor, se comprometeu com Ele e disse: ‘tudo para o Senhor’. Agora está nas profundezas! Seus recursos estão sendo drenados, talvez além da medida e da resistência, mas é aí que você fará suas descobertas! Tais descobertas serão o estoque e a moeda de negociação no céu, serão os recursos que estão somente em Cristo, e serão usados para servi-Lo aqui e no futuro. Isso é serviço. Este é o caminho do serviço, mas ele está delimitado pelo próprio Cristo. Ele não é apenas o escopo, a esfera; mas é o conteúdo, a própria natureza daquilo que deve ser encontrado no horizonte de Deus.

Que tenhamos graça para nos entregar à Ele, e ser conformados à Sua imagem.

***

Essas são nossas notas baseadas nos capítulos 1 e 2 do livro “Horizoned by Christ”, de T. Austin-Sparks, disponível para leitura no site www.austin-sparks.net. É importante salientar que não se trata de uma tradução do texto original, mas da nossa compreensão daquilo que o autor escreveu, podendo conter divergências em relação ao seu entendimento. 


T. Austin Sparks (1888-1971) nasceu em Londres e estudou na Inglaterra e na Escócia. Aos 25 anos, iniciou seu ministério pastoral, que perdurou por alguns anos, até que, depois de uma crise espiritual, o Senhor o direcionou a abandonar aquela forma de ministério, passando a segui-Lo integralmente naquilo que parecia ser “o melhor que Deus tinha para ele”. Sparks foi um homem peculiar, que priorizava os interesses do Senhor em vez do sucesso do seu próprio ministério. Sua preocupação não era atrair grandes multidões, mas ansiava desesperadamente por Cristo como a realidade de sua pregação. Por isso, suas mensagens eram frutos de sua visão e intensas experiências pessoais. Ele falava daquilo que vivenciava, e sofria dores de parto para que aquela visão se concretizasse primeiramente em sua própria vida. Pelo menos quatro linhas gerais podem ser percebidas em suas mensagens: (a) o grandioso Cristo celestial; (b) O propósito de Deus focado em ganhar uma expressão corporativa para Seu Filho; (c) a Igreja celestial – a base da operação de Deus na terra e (d) a Cruz – o único meio usado pelo Espírito para tornar as riquezas de Cristo parte da nossa experiência. Sparks também acreditava que os princípios espirituais precisavam ser estabelecidos por meio da experiência e do conflito, quando finalmente seriam interiorizados no crente, tornando-se parte de sua vida. Sparks desejava que aquilo que recebeu gratuitamente fosse também assim repartido, e não vendido com fins lucrativos, contanto que suas mensagens fossem reproduzidas palavra por palavra. Seu anseio era que aquilo que o Senhor havia lhe concedido pudesse servir de alimento e edificação para os seus irmãos. Suas mensagens são publicadas ainda hoje no site www.austin-sparks.net e seus livros são distribuídos gratuitamente pela Emmanuel Church.

“Nenhum homem é infalível e ninguém ainda ”obteve a perfeição”. Muitos homens piedosos precisaram se ajustar, seguindo um senso de necessidade, após Deus lhes haver concedido mais luz.” (De uma Carta do Editor publicada pela primeira vez na revista “A Witness and A Testimony“, julho-agosto de 1946).

Post anterior
Cristo, o Horizonte de Deus – 1
Próximo post
Aquele que é espiritual

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Preencha esse campo
Preencha esse campo
Digite um endereço de e-mail válido.

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.