O Valor dos Lugares Difíceis

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A.B. Simpson (1843-1919)

“E não somente isto, mas também nos gloriamos nas próprias tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; e a perseverança, experiência; e a experiência, esperança” (Romanos 5:3,4).

“Bem-aventurado o homem que suporta, com perseverança, a provação; porque, depois de ter sido aprovado, receberá a coroa da vida, a qual o Senhor prometeu aos que o amam” (Tiago 1:12).

As provações têm extremo valor para revelar quem realmente somos e nos mostrar nossas falhas e insuficiência. Elas são as principais obras destruidoras de Deus, usadas em Seu processo de escavação espiritual, que precede a obra mais elevada de edificação da vida e do caráter.

Nunca saberemos que graça e qualidades de fato possuímos, até que chegue a prova. Então, a fé e a coragem, que resplandeciam como uma chama no momento do entusiasmo e inspiração, serão adequadamente niveladas. Nesse momento, a alma é lançada de volta na direção de Cristo, em meio ao seu nada e total desamparo, para Nele encontrar o seu Tudo em todos.

Esse foi o sentido das provações de Jacó: trazê-lo ao fim de si mesmo. Esse foi o propósito das aflições de Jó: matar sua confiança em sua justiça-própria. Também vemos que essa foi a bênção resultante da queda de Pedro, que quebrou seu orgulho e autossuficiência, conduzindo-o a se apoiar no seu Senhor, para encontrar forças somente em Cristo, não mais em si mesmo. Essa é a razão do Senhor ainda nos provar: convencer-nos completamente de que a estimativa que temos a respeito das nossas forças é totalmente falsa e exagerada, e conduzir-nos a um ponto onde verdadeiramente diremos: “já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim” (Gl 2:20).

Provas nos ajudam, em outro sentido, a conhecer os recursos disponíveis em Deus para nós. É apenas nas circunstâncias difíceis que conhecemos Sua plena suficiência. Israel precisou primeiro permanecer firme, para então contemplar a salvação de Deus. Assim, o Senhor disse que a razão para tê-los conduzido pelo deserto, expondo-os a todas aquelas situações de privação de todos os recursos naturais, visava ensiná-los que Ele era suficiente para satisfazer a cada necessidade, e que “não só de pão viverá o homem, mas de tudo o que procede da boca do SENHOR viverá o homem” (Dt 8:3). Deus só pode Se tornar real para nós na medida da nossa verdadeira necessidade. Por isso, cada situação difícil é apenas um vaso para Ele encher, e é uma nova ocasião para Ele Se revelar em Sua infinita sabedoria, poder e graça.

O Apóstolo nos disse que foi exposto a toda sorte de dificuldades para que o poder de Cristo repousasse nele, de acordo com suas necessidades. Dessa maneira, Paulo acolhia com prazer cada nova situação, como um vaso para Deus encher e uma nova ocasião para que Ele pudesse lhe dizer: “a minha graça te basta” (2Co 12:9).

Será que estamos experimentando e descobrindo que o Senhor é suficiente em todas as circunstâncias das nossas vidas? Será que estamos nos gloriando no fato de sermos capazes de dizer ao mundo que nosso Deus suprirá todas as nossas necessidades, de acordo com as riquezas de Sua glória em Cristo Jesus?

As provações também nos ensinam a fé. A provação é o solo frutífero da confiança. As dificuldades são incentivos Divinos que demandam e  desenvolvem a nossa confiança na fidelidade e no amor de Deus. A águia só pode ensinar seus filhotes a voar se destruir seu ninho e atirá-los violentamente no ar. A partir de então, quando lançados por conta dos seus próprios recursos, esses filhotes têm apenas duas escolhas: voar ou cair.

É a partir daí que precisarão conhecer o poder que ainda não estava desenvolvido, mas estava latente em suas pequenas asas. Ao combaterem no ar, em uma luta desesperada, eles descobrem o segredo de uma nova vida, aprendendo gradualmente a abrir caminho através do firmamento, voando nas asas do vento, na direção do sol.

Da mesma forma, Deus ensina Seus filhos a usarem as asas da fé, arremessando-os para fora de seus ninhos, tirando seus adereços e atirando-os frequentemente na direção do abismo da impotência. Nesse momento, eles têm duas opções: submergir ou aprender a confiar, lançando-se no aparente vazio, para então descobrir que Deus está logo abaixo, como a asa da águia fica esticada logo abaixo da sua ninhada, que tanto se esforça e se fatiga para voar.

É tão fácil para nós nos apoiarmos nas coisas visíveis, que se torna algo completamente novo para nós a experiência de permanecer sozinhos e caminhar com o Deus Invisível, assim como fez Pedro, quando andou sobre as águas do mar. Mas a lição que precisaremos aprender, se quisermos habitar na esfera do eterno, é que a fé será o nosso único sentido, e Deus será nosso Tudo em todos. De maneira muito gentil, o Senhor adapta nossas provas à nossa frágil força, conduzindo-nos adiante à medida em que formos capazes de suportar. Será que estamos confiando nEle nos lugares difíceis da vida e crescendo em força ao permanecer firmes nas dificuldades, como bons soldados de Cristo Jesus?

As provações nos ensinam a orar e nos constrangem a passar mais tempo sozinhos com Deus. Elas levaram Jacó a ficar de joelhos no vau de Jaboque. Ensinaram Davi a encontrar “o esconderijo do Altíssimo”. As provas conduziram Paulo à uma vida de incessante dependência da presença do seu Senhor. Elas também inspiraram e sustentaram a comunhão Divina que muitos de nós temos aprendido a experimentar como fonte de recurso suprema e solução para nossas vidas.

É muito humilhante que seja verdade o fato de que Deus precise pressionar Seus filhos contra o Seu peito, por meio do sofrimento e da necessidade. Infelizmente, frequentemente a facilidade e o conforto podem nos conduzir a uma parcial independência dEle. Podemos atestar que nossos momentos mais espirituais e os tempos em que estivemos mais próximos de Deus foram justamente aqueles quando dissemos: “pois tens visto a minha aflição, conheceste as angústias de minha alma” (Sl 31:7).

As provas nos ensinam o amor. Quando Deus desejar abrandar e refinar nosso espírito, e responder às nossas orações que anseiam por um batismo de paciência e amor, Ele precisará permitir a disciplina dos tratamentos ruins e das injustiças. Frequentemente, o mais grave erro cometido contra nós nos conduz de volta a Ele, na busca pela graça de “tudo suportar”, “tudo esperar”. É claro que primeiramente descobriremos que não temos em nós mesmos um amor que possa enfrentar a provação. Seremos conduzidos pelo Espírito Santo diretamente à fonte da nossa força, à medida que Ele nos convence dos nossos próprios pecados. A partir daí, gradualmente, aprenderemos essa lição que visa nos humilhar. Assim, o Espírito Santo nos guiará diariamente nessa prova cada vez mais profunda, nesse doce processo refinador, até o momento em que poderemos agradecê-Lo pelo próprio fogo que nos conduziu na direção da Sua graça e do Seu amor que tudo vence.

Nosso Supremo Recurso

As provações nos ensinam a paciência. A escola da perseverança é muito exaustiva, e a paciência é a graça que coroa a vida cristã. Quando ela tem sua ação completa, nos tornamos “perfeitos e íntegros, em nada deficientes” [Tg 1:4]. Frequentemente, portanto, a mais avançada e triunfante lição da vida espiritual reside na escola do sofrimento.

As provações nos ensinam a coragem. Elas afastam o medo do sofrimento, o pavor da dor, e nos capacitam para sermos revestidos de Sua força e coragem, nos elevando acima do poder do medo, até o ponto onde esses mesmos conflitos serão bem-vindos e nós permaneceremos firmes, exibindo as marcas do combate e da vitória, como bons soldados de Cristo Jesus [Gl 6:17; 2Tm 2:3].

Essas provas nos tornam padrões e lições objetivas para a ajuda de outros e para a glória de Deus, demonstrando ao mundo o que Cristo pode fazer pelos Seus filhos e o que as vidas em Cristo podem realizar em situações onde todos os demais sucumbem. Deus deseja que sejamos um espetáculo para o mundo, para os anjos e para os homens, demonstrando a eles em nosso exemplo que Cristo pode nos guardar em cada situação e que o poder de Sua graça é prático, sobrenatural e adaptável a cada vida humana [1Co 4:9; Hb 10:33].

As dificuldades nos capacitam para ajudar outros, por meio das lições que aprendemos em nossas próprias experiências. O coração imaturo e insensível é pouco qualificado para confortar, consolar e abençoar um mundo em sofrimento. Deus primeiro precisa gravar em nós aquilo que será usado para consolar nossos companheiros. Por meio da ordenação dolorosa das experiências reais, somos qualificados para confortar, fortalecer e encorajar as almas a quem Ele nos envia, e então seremos capazes de dizer: “Já passei por isso, e posso te afirmar, das profundezas da minha experiência, que meu Deus, segundo a Sua riqueza em glória, há de suprir, em Cristo Jesus, cada uma de suas necessidades” [veja Fp 4:19].

As provações tornam Cristo real para nós, assim como é real o problema. Elas são os selos do céu pelo qual as mensagens e comunicações da graça e bênçãos de Deus são gravadas e dimensionadas para sobressair como um alívio a partir das nossas vidas. A imagem é cortada, então é marcada a fogo no objeto por uma chama incandescente. Assim, ela se tornará aquilo que chamamos de uma obra de alívio, visível e passível de toque para qualquer um.

Da mesma maneira, Deus corta e imprime Suas mensagens dentro das vidas humanas, até que Cristo se torne tão real para nós quanto as lágrimas que derramamos, os medos que nos abalavam e as dificuldades que se ergueram como montanhas diante de nós. As mais doces memórias das nossas vidas serão exatamente os lugares difíceis, que então se tornarão pedras de apoio e monumentos dedicados às verdades Divinas e celestiais.

Essas mesmas dificuldades nos garantem a conquista das coroas eternas. Elas se tornam a própria ocasião da vitória e recompensa, e uma história e honra que nunca passarão. Quando a história for esquecida e os registos do tempo forem extinguidos, o sistema solar se tornar em apenas cinzas, com novos céus e nova terra varrendo as órbitas da imensidão, essas vidas reluzirão, e tais histórias serão novamente contadas. Essas vidas estarão lá e compartilharão com o próprio Deus do governo dos céus e da terra, e das glórias da era que virá. Esse momento será o clímax, o protótipo, a coroa de toda a natureza, providência, história e experiência para todo o sempre.

Amados, será que devemos nos poupar das nossas dores? Iremos ganhar a coroa que é fruto de uma vida de conflito? Vamos obter tudo o que Cristo intencionou para nós das coisas que nos acometem hoje? Seremos “mais que vencedores, por meio dAquele que nos amou”? [Rm 8:37]. Será que iremos suportar as dificuldades como bons soldados de Jesus Cristo? Se assim for, algum dia ouviremos o Senhor nos dizer:

“Soldado de Cristo, bom e fiel,

Cumpriu teu elevado serviço,

O combate travou, a vitória obteve,

Entra no gozo do seu Senhor”.

[Mt 25:21 – versão do autor].

Texto homônimo de A. B. Simpson, traduzido da revista “The Overcomer Magazine” de Jan de 1941.

Lembremo-nos:

“Meus irmãos, tende por motivo de toda alegria o passardes por várias provações, sabendo que a provação da vossa fé, uma vez confirmada, produz perseverança. Ora, a perseverança deve ter ação completa, para que sejais perfeitos e íntegros, em nada deficientes” (Tiago 1:2-4).

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