Jessie Penn-Lewis (1861-1927)
“Para que não me ensoberbecesse com a grandeza das revelações, foi-me posto um espinho na carne, mensageiro de Satanás, para me esbofetear, a fim de que não me exalte. Por causa disto, três vezes pedi ao Senhor que o afastasse de mim. Então, ele me disse: A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo” (2 Coríntios 12:1-10).
Tudo tem a ver com a atitude que tomamos para com “aquilo” que nos atribula. Todos nós gostaríamos que o incômodo fosse retirado, mas Deus pode preferir que continue do jeito que está.
Ao observarmos um pouco da autobiografia de Paulo, descrita na epístola de 2 Coríntios 12, veremos a participação de satanás na santificação dos santos. No relato da Palavra de Deus percebemos que até mesmo o apóstolo precisou de uma mudança de atitude em relação a um espinho em sua carne, que era um mensageiro de Satanás, e que ele desejava ardorosamente que fosse retirado.
A ocasião que provocou o compartilhar dessa história tão pessoal do apóstolo será encontrada nos dois capítulos anteriores da mesma epístola, quando lemos que Paulo estava sendo impelido a defender seu próprio ministério – um caminho que ninguém além de um homem espiritual poderia trilhar sem correr sérios riscos – e tudo isso, não por causa de sua própria glória, mas devido à um zelo pela mensagem confiada à Ele por Deus. Outros “obreiros”, se disfarçando de “ministros de justiça” [2 Co 11:13-15], estavam menosprezando o apóstolo, para destituir a mensagem de autoridade que ele proclamava aos olhos dos seus ouvintes.
Paulo sabia que, nesse caso, o mensageiro e sua mensagem deveriam ser corretamente identificados. Então ele expõe as credenciais de seu apostolado com palavras ardentes, apontando para seu serviço sacrificial pela igreja, e para as revelações dadas a ele por Deus – quando ele não apenas foi arrebatado ao próprio céu, ouvindo palavras inefáveis, que não podem ser referidas, mas também recebeu do Próprio Senhor Jesus o evangelho que proclamou aos coríntios (1 Co 11:23, Gl 1:12).
Mas à medida que apóstolo prosseguia em sua defesa, pode ter se tornado consciente de sua “fraqueza” – algo que possivelmente era tão manifesto aos seus ouvintes, ao ponto de dar ocasião ao descrédito por parte dos oponentes. Essa ideia o leva a erguer o véu e contar a história de seu próprio conflito interior e sofrimentos, quando “esbofeteado” pelo mensageiro de Satanás.
Ele também conta como, pela palavra direta do Senhor, ele foi levado a mudar sua atitude e ver que aquilo que ele considerava “fraqueza”, do qual queria ser liberto, era algo proposto por Deus para seu crescimento na graça, para a própria segurança de seu ministério para Deus, e era a condição específica e necessária para alcançar a força divina e poder que ele precisaria para cumprir esse propósito.
Uma Importante Distinção
Precisamos perceber a distinção que o apóstolo faz entre ele mesmo e o “homem em Cristo” – que de fato é o “homem interior”, com seu entendimento renovado e habitado pelo Espírito Santo. Paulo sabia distinguir muito bem a ação que era fruto do Espírito Santo em seu espírito – pois conhecia Sua plenitude – daquela que emanava da sua alma ou personalidade.
A Palavra de Deus, que habitava nele ricamente, separou profundamente a sua alma e o seu espírito, de forma que o “homem em Cristo”, seu “homem interior” (2 Co 4:16; Ef 3:16), que era nova criação em Cristo (2 Co 5:17), poderia ser levado ao terceiro céu. Ali, no próprio lugar do trono de Deus, ele recebeu do Senhor glorificado o evangelho da cruz e o descortinar do “mistério” de Seu propósito, que era formar um “Corpo” de crentes unidos organicamente com o seu Senhor, chamados dentre os redimidos de toda língua e nação, da mesma forma que acontece com o corpo humano e sua cabeça. Um Corpo compartilhando com o Senhor a Sua vida, uma substância espiritual chamada Sua “carne” (Ef 5:30), preparada para a conformidade com Ele, com foco em um destino nas eras que virão.
“De tal coisa” – do homem em Cristo, da nova criação em Cristo – “me gloriarei“, diz o apóstolo, mas “não, porém, de mim mesmo” [vs 3,5].
Mas, Paulo, você não era o “homem em Cristo“?
Sim, mas era ele em seu espírito, como ele será quando sua mortalidade for tomada. Daquele “homem”- o homem espiritual – ele se gloriaria, por que tudo o que ele é e tem é fruto da graça e do suprimento do Espírito de Jesus. Mas “dele mesmo” – em sua humanidade – não poderia descrever nada além de sua própria “fraqueza“.
Assim Paulo ergue o véu e conta a história interior de seu “espinho”. O “homem em Cristo“, a nova criação unida ao Senhor em um espírito, pode ser levado ao terceiro céu. Mas os tratos do Senhor com o homem espiritual demandaram também por tratos específicos de Deus com o vaso mortal de barro. Apesar de vindicar seu apostolado aos coríntios, ele francamente diz: “e, para que não me ensoberbecesse com a grandeza das revelações, foi-me [no homem mortal] posto um espinho na carne, mensageiro de Satanás, para me esbofetear, a fim de que não me exalte” [vs 7].
O Espinho
O que era esse espinho? Paulo o intitula de “isso” (vs 8), mas ele também diz que desejava que se “afastasse” dele, porque era um “espinho” e um “mensageiro de satanás”. Sua origem é claramente definida como sendo da parte de satanás. Mas ele também foi dado por Deus, devido às “revelações”; porque todos os “mensageiros de satanás” estão sujeitos à Sua permissão e controle (Jó 1:11; 2:6). Paulo descreve seu efeito sobre ele como um “esbofetear”!
Aqui temos o claro contraste entre o homem espiritual e o homem natural; a vida interior do espírito e a vida exterior do corpo; o triunfo e glória do homem espiritual, capaz de entrar onde os anjos estão diante do trono de Deus (Hb 10:19), e a fraqueza exterior e humilhação do homem mortal, sujeito ao “esbofetear” pelos “mensageiros de Satanás”, clamando, gemendo e contorcendo em uma oração não respondida (vs 8)!
O “homem em Cristo” está em comunhão espiritual com Deus, em vida, luz e glória; o homem exterior está destruído, sofrendo e clamando a Deus por um alívio que aparentemente nunca vem.
“Por causa disto”, disse Paulo, “implorei, pedi, supliquei ao Senhor três vezes, que se afastasse de mim”.
“De mim” – isso é algo que claramente feria sua “carne”, seu “espinho”, sua “estaca”, esse “mensageiro de satanás”!
Finalmente a última oração de Paulo é respondida, não com a remoção do “espinho”, mas com uma luz de Deus sobre qual atitude tomar. Sim, o “espinho” era um “mensageiro de satanás”, mas tinha sido concedido por Deus. O fato de o problema advir de uma fonte satânica foi reconhecido, mas Deus é soberano sobre todos os “demônios” e “mensageiros de Satanás”. Satanás pode enviar seus mensageiros (como ele faz, para observar cada santo), mas eles só podem agir quando aquilo é “permitido por Deus”.
Então, ao apóstolo é demonstrado como mudar sua atitude em relação àquilo, e é indicado que deve parar de orar pela remoção do problema. “Minha graça“, disse o Senhor, “é suficiente para você“. Melhor é tomar da Sua graça para manifestar mais da glória do homem interior na vida exterior, do que ser liberto da situação que permite que isso aconteça.
Mude sua atitude, Paulo! Pare de se atribular pedindo que o espinho seja removido. Deixe que ele permaneça aí, se isso puder ser um meio de provar a abundância da graça de Deus.
A Revelação do Apóstolo
Então Paulo viu! Ele rapidamente mudou sua atitude por meio de um ato da sua vontade. Ele decidiu escolher “se gloriar na fraqueza”, assim como nas “revelações”. Escolheu “ter prazer” nas coisas que seu homem mortal desejava ser liberto.
Veja como o Senhor apelou para a razão de Paulo. Possivelmente ele não conseguia entender por que, depois de ter sido tomado no espírito até o céu dos céus, ele não podia ter sua oração atendida ao buscar por libertação daquele espinho, que sabia ser um mensageiro de satanás. Mas Deus mostrou a Seu servo a razoabilidade (vs 7) de Seus tratos – até que seu entendimento foi conduzido à ação para que, inteligentemente, Paulo pudesse alinhar sua vontade à vontade de Deus, mesmo quando aquilo o contrariava na esfera de sua mortalidade.
Sim, tudo tem a ver com a atitude! Paulo provavelmente continuou sentindo o espinho em sua carne tanto quanto antes, mas essa mudança de atitude deu espaço ao suprimento de graça que ele precisava para triunfar sobre a situação. Isso porque não é possível que Deus manifeste Seu poder até que a condição para isso seja cumprida – mesmo que seja na vida do apóstolo. Se Paulo dissesse: “desejo que isso seja afastado de mim”, e Deus respondesse: “desejo que isso permaneça aí”, como o poder de Deus poderia ser manifestado? Mas tão logo Paulo compreendeu e viu a vontade de Deus, sua atitude mudou. Isso possibilitou o suprimento da graça necessário para encarar a situação.
O Princípio Permanece
Tudo tem a ver com atitude hoje, quando os filhos de Deus encaram incontáveis tribulações, enquanto aguardam sua remoção dessa terra. Eles estão possivelmente clamando a Deus para que a situação ao seu redor seja mudada, enquanto são eles mesmos que precisam mudar suas atitudes em relação a isso.
Essas atitudes, no entanto, precisam ter sempre sua base na vontade de Deus em relação a coisas específicas, e devem estar alinhadas com a verdade conhecida nas Escrituras. Quando os filhos de Deus compreenderem a simplicidade de tomar atitudes baseadas na vontade conhecida de Deus, que revolução acontecerá em suas vidas! Quão simples sua jornada se tornará.
Vitória sobre o pecado resulta de uma atitude baseada na verdade da declaração de Romanos 6, que “foi crucificado com Ele [Cristo] nosso velho homem” [Rm 6:6]. Nossa atitude em relação ao pecado baseada nessa verdade é simplesmente: “morri com Ele, e tão logo minha escolha já foi feita, estou acabado para o pecado. Ele não me dominará mais”. A atitude a se tomar é se considerar acabado para o pecado, então ficará a cargo do Espírito Santo transformar essa atitude em experiência.
Assim também acontece com a vida nas regiões celestiais. A Palavra de Deus declara que todos os que estão em Cristo estão “ocultos” nEle “em Deus”. Baseados nessa declaração e muitas outras semelhantes, tomamos uma atitude de acordo, e o Espírito Santo tornará real na experiência isso que é um fato aos olhos de Deus, mas que ainda não foi plenamente realizado em nós.
Essa é uma lei que abrange todos os outros aspectos da redenção de Cristo conhecidas nas Escrituras. Vemos isso sendo aplicado também na esfera da vitória sobre satanás, sobre o mundo, sobre a morte, e tudo o que Cristo conquistou para nós no Calvário.
Você ora por vitória? Então mude sua atitude, mude sua atitude em uma declaração de que, na base da vitória de Cristo por você, você já é vitorioso – então você terá a vitória!
Talvez, como Paulo, você pode ter algum “espinho”, “um mensageiro de Satanás”, porque sua origem vem claramente dele. Mas tem tentado ficar livre desse “mensageiro” pelas antigas armas da resistência, não discernindo que não temos “unção” nessas armas.
O espinho não será afastado se Deus o permitiu para que você possa ser preparado para a glória que virá, mesmo que você O peça para removê-Lo. Mude sua atitude em relação a ele, filho de Deus, e veja se não ficará mais leve em seu espírito, recebendo graça para perseverar e suportar a situação.
Em casa, na obra, temos “coisas” que algumas vezes são quase que intoleráveis. Podemos ver que “mensageiros de Satanás” operam por meio daqueles que amamos; nos nossos problemas financeiros, em todas as adversidades de natureza maligna, partindo de amigos não salvos ou até mesmo parentes. Temos problemas à direita e tribulações à esquerda – e como eles nos atordoam! Por que Deus não os remove e responde nossas orações?
Porque Ele está se preparando para nos remover. Esse “mensageiro de Satanás” não será tirado; os “espinhos” não serão removidos, as “coisas” que nos ferem devem permanecer exatamente onde estão. Assim, pare de pedir que as coisas nessa terra sejam mudadas para seu alívio, e mude sua atitude em relação a elas. É você que será retirado para longe dos espinhos, no tempo de Deus. Mude sua atitude hoje no que diz respeito ao mundo e seus cuidados.
Tome o seu lugar no céu, como cidadão de lá. Receba da graça que flui do suprimento abundante de Deus para manifestar o espírito celestial nesse curto espaço de tempo antes da vinda do Senhor. Deixe fluir a fragrância da glória que está em seu espírito. Conheça “de que espírito” você é [Lc 9:55].
Mude Sua Atitude!
Mude sua atitude em relação aquilo que tem te abatido. Tome a atitude de se “gloriar” nisso tudo. Tome a atitude celestial de “ter prazer” nas “injúrias” quando outros te ferem; nas “necessidades” quando não pode ter o que precisa, na “perseguição” quando sofre pelo nome de Cristo, “nas angústias” quando o sofrimento mais desolador da provação está pressionando você como uma nuvem sobre o seu espírito – tenha prazer, não nas coisas em si mesmas, mas na ocasião de manifestar, pela graça, a glória de Deus.
Mude sua atitude em relação ao futuro. O próprio Senhor disse: “não andeis ansiosos pelo dia de amanhã” [Mt 6:25-34]. Como é importante que nós, que esperamos nossa partida para os ares, vivamos para o hoje e hoje somente! Tome a atitude de não desejar ou esperar algum “futuro” nessa terra, porque aguarda ser tomado quando o Senhor vier. Faça tudo o que deve fazer. Viva como se soubesse que esta hora, este momento, fosse o seu último instante nessa terra. Dê o que deve dar, diga o que deve dizer. Sustentando essa atitude, organize o seu “futuro” com um alegre pensamento em seu coração: “Posso não estar aqui”! (Tg 4:13-16).
Mude sua atitude com relação à obra do Mestre, e não deixe que ela tome o lugar dEle em você. Pense mais no Senhor que está vindo, do que no serviço para Ele. Ele fará muito mais pela obra e pela igreja do que nós podemos fazer. Vigie para que não “pregue a outros e seja desqualificado” (1 Co 9:27). Deixe de lado seus esquemas e planos, e se preocupe mais em ter certeza de estar fazendo Sua vontade.
Mude sua atitude em relação aos seus amigos não salvos. Pare de se inquietar pela condição espiritual deles, envenenando a si mesmo. Entregue-os a Deus e acredite que Ele os ama mais do que você. Mude sua atitude nas interações com eles, derramando todo o amor e bondade que o seu coração compassivo puder demonstrar, porque eles precisam receber todo o amor possível. Eles não têm Cristo, vivendo num mundo totalmente atribulado.
Finalmente, mude sua atitude em relação ao terrível desassossego em cada nação do mundo. Se recuse a ver as coisas da ótica terrena. Lembre-se: Deus irá lidar com as nações assim como vai lidar com os homens. Tome uma atitude de se posicionar com Deus em Sua atitude em relação ao pecado. Não tome partido do homem, nas situações de morte e sofrimento. Deus não é “insensível” ao mundo dos homens, como podemos ver claramente no Calvário.
Permaneça firme no espírito, porque os demônios estão por trás de tudo, e Deus está contra os demônios, mesmo quando Ele permite que destruam seus próprios feitos. Se recuse a ficar “atribulado” pelos problemas ao seu redor; e não se permita colocar sua confiança em nada além de Deus e Seu poder protetor. Na medida que você confiar nEle em relação a si mesmo, confie nEle para preparar as nações do mundo para o dia que se precipitará no reino do Príncipe da Paz.
Tudo tem a ver com a nossa atitude.
Tradução do capítulo 4 do livro “Comunion with God”, de Jessie Penn-Lewis, publicado pela Editora CLC Publications.