A. B. Simpson
“Pela fé, Abraão, quando chamado, obedeceu, a fim de ir para um lugar que devia receber por herança; e partiu sem saber aonde ia. Pela fé, peregrinou na terra da promessa como em terra alheia, habitando em tendas com Isaque e Jacó, herdeiros com ele da mesma promessa; porque aguardava a cidade que tem fundamentos, da qual Deus é o arquiteto e edificador” (Hebreus 11:8-10).
A vida e o caráter de Isaque é uma das imagens silenciosas do Antigo Testamento. Ele não é um personagem em eventos grandes ou emocionantes. Ao contrário, ele se move numa esfera passiva e plácida, sofrendo a ação em vez de protagonizá-la, mais dócil e sofredor do que agressivo e forte. Ainda assim, esse homem reduzido e gentil, mais do que qualquer outro dos patriarcas, foi o tipo escolhido de Jesus Cristo, e é o exemplo para nós daquilo que é mais difícil e elevado em nossa vida cristã, a saber, a morte do ego e o amor que sofre muito e suporta todas as coisas.
O Grande Mestre e Mártir disse a nós e a respeito de Si mesmo: “Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, produz muito fruto” [Jo 12:24]. Nossa vida cristã não é o cultivo, mas é a derrubada da velha planta e o enxerto de uma nova natureza nascida do alto e enraizada em Cristo. Qualquer coisa menor que isso deve terminar em fracasso e em morte muito pior. Da antiga vida Adâmica pode-se dizer, intransigentemente, como o velho general disse a respeito do exército adversário enquanto cavalgava pelas fileiras e apontava para seus estandartes: “Soldados, lá está o inimigo, se você não o matar, ele te matará”. Não pode haver transigência. O velho deve morrer em nós, ou morreremos com ele para sempre.
Quando Deus levou seu povo para fora do Egito, Ele o fez, em símbolo, passar por quatro mortes. Primeiro, o Mar Vermelho, o tipo de morte para o mundo. Em segundo lugar, o Jordão, o tipo de morte para a antiga vida no deserto. Em terceiro lugar, a Circuncisão, o tipo de morte para a carne em seu princípio vital e de propagação própria. Em quarto lugar, a visão de Josué do Capitão do Exército do Senhor e Sua absoluta prostração aos Seus pés, um tipo da morte da nossa autoconfiança na obra de Deus.
Esta é a lição da vida de Isaque, a morte do ego e a vida de mansidão, paciência e humildade:
1. Sua primeira experiência quando criança foi de um doloroso julgamento. Ele era o irmão mais novo e rival de Ismael, e foi perseguido e desprezado por ele por sua fé. Por fim, Ismael foi expulso e Isaque foi liberto daquilo que era um tipo de homem terreno e carnal.
2. Mas logo ele deveria morrer de uma maneira muito mais radical. Ouvimos muito da fé obediente de Abraão, mas será que pensamos o suficiente na fé de Isaque ao se entregar? A morte no Monte Moriá foi muito real, foi a morte da vontade, e é sempre o verdadeiro ego que deve morrer. Essa cena não foi apenas a prefiguração da morte de Cristo, mas também da sua e da minha. Você morreu? Você está disposto? Não são os seus vícios, os seus temperamentos, os seus pecados, mas o SEU EU.
3. Em seguida, vemos Isaque em outro belo aspecto e uma esfera da vida ainda mais profunda de seu coração na questão de suas afeições em conexão com seu casamento. Não há parte de nossa vida que influencie mais nosso caráter e destino, e assim teste nossa verdadeira consagração, como a fixação de nossas afeições. Portanto, Deus desde o início realizou as provisões mais severas para o regulamento e governo do casamento. Sabendo muito bem que o envolvimento dos nossos corações com alianças ímpias nos atrairia para longe Dele, e que nossos laços ternos mais queridos deveriam estar ligados ao Seu amor e bênção, Ele proibiu estritamente o casamento do Seu povo com os iníquos ou mundanos, requerendo que essa escolha fosse feita em e para Ele, e sempre com Sua direção e aprovação. Foi o casamento entre os filhos de Deus com as filhas dos homens que provocou a corrupção que precedeu o Dilúvio.
Foi o casamento entre os israelitas e os cananeus que os levou de volta ao cativeiro nos dias dos juízes. Foi o casamento de Salomão com esposas pagãs que corrompeu seu coração e destruiu seu reino. E quantas vidas foram arruinadas e separadas de Deus por uma amizade egoísta e mundana, e muitas consagrações seladas e consumadas no sacrifício de uma afeição que não poderia ser mantida em harmonia com a vontade de Deus. Muitos sacrifícios poderiam ter sido salvos esperando para conhecer a vontade de Deus antes de fazer uma escolha. Isso foi exatamente o que Isaque fez. Ele colocou sua vontade em suspenso à vontade de Deus e permitiu que Deus escolhesse para ele a companheira de sua vida e a mãe do futuro Israel de Deus. Foi um belo exemplo de renúncia, e ele foi honrado pela interposição mais clara de Deus em dirigir o instrumento empregado – o fiel Eliezer. Eliezer permaneceu nisso, como é o significado de seu nome, como um tipo do Espírito Santo, assim como Abraão é do Pai. Isso não significa que, em uma questão tão delicada e importante, devemos submeter nossos corações e nossa felicidade à decisão de qualquer homem ou mulher, mas comprometendo nosso caminho e nossa vontade ao Pai, e sujeitando nossos corações à Sua escolha, vamos pedir e esperar que o Espírito Santo nos guie e forme todos os nossos apegos, amizades e relacionamentos somente em e para Ele. Esta é a verdadeira renúncia, e os laços assim formados serão mais fortes, puros e felizes que a mera paixão terrena.
As afeições inflamadas pelo Espírito Santo brilham com a força calma e profunda de um amor divino, e a dádiva dedicada a Deus será tornada por Deus numa bênção dez vezes maior para o coração que a consagra. Mas devemos nos lembrar que essa não foi a mansidão da natureza, mas da fé. Foi porque Isaque confiou implicitamente, que entregou sua felicidade totalmente a Deus. Não podemos comprometer nossas vidas a Deus, a menos que confiemos Nele para fazer melhor por nós do que poderíamos fazer por nós mesmos. Então, vamos confiar Nele.
4. A seguir, vemos a fé e a paciência de Isaque em relação às provações da vida. A fome primeiro o leva de sua casa para se refugiar com Abimeleque, rei de Gerar. Logo sua própria esposa é ameaçada de desonra e, em uma hora de fraqueza, ele repete o pecado de seu pai Abraão e a nega. Deus o abençoa com grande prosperidade, mas como muitos outros homens ricos, os filisteus o invejaram e, finalmente, pediram que ele os deixasse. Mansa e pacientemente, ele foi embora e deixou até os poços de água que abrira no vale. Novamente ele abre os poços no vale de Gerar, os quais seu pai havia cavado, mas mais uma vez os filisteus lutam com ele e reivindicam os poços, e novamente ele cede e se afasta. Pela terceira vez ele se muda para um novo lar e escava novamente os poços que, para um oriental, são mais importantes do que comida para nós; e, mais uma vez, a contenda aborrece seu espírito paciente e o compele a se mover. Na quarta vez, os poços não são mais questionados e a paciência tem sua recompensa. Os filisteus são subjugados por um homem com quem eles não podem brigar, e seus inimigos são mortos com a espada da bondade, os poços de Eseque e Sitna são recompensados em Reobote e Seba [Gn 26]. O Senhor lhe concedeu espaço, o trouxe para um lugar espaçoso, e logo seus antigos inimigos estavam chegando até ele, solicitando uma aliança e declarando: “Vimos claramente que o SENHOR é contigo; então, dissemos: Haja agora juramento entre nós e ti, e façamos aliança contigo. Jura que nos não farás mal, como também não te havemos tocado, e como te fizemos somente o bem, e te deixamos ir em paz. Tu és agora o abençoado do SENHOR” [Gn 26:28,29]. Isso vale cem poços. Sim, consistência e mansidão vão ganhar o dia. “Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra” [Mt 5:5]. Este é o fruto da fé. Ela pode confiar no Senhor para lutar em suas batalhas e reivindicar sua inocência, pode esperar seu tempo através da vergonha, da perda, ainda que o mal e o orgulho triunfem. Os homens e mulheres que lutam tanto não têm Deus para lutar em suas batalhas e não têm fé Nele para isso. Que nós, que conhecemos o nome Dele, coloquemos nossa confiança Nele. Que aqueles que conhecem o Seu amor, fidelidade e poder possam permanecer imóveis e ver a salvação do nosso Deus:
“Deixe à Sua vontade soberana
Para escolher e comandar
Assim saberá a tua alma com arrebatamento
Quão sábia e quão forte é a Sua mão”.
5. As últimas provas de Isaque foram com seus filhos. Ele foi o culpado de muitas delas. Se ele tivesse acreditado tão plenamente quanto sua esposa nas promessas e predições divinas que precederam o nascimento deles, teria compreendido melhor a vontade de Deus e teria sido poupado da luta vã que teve depois para conduzir suas próprias idéias preconcebidas. Olhando para o natural, em vez do espiritual, ele colocou seu coração no primogênito, o ousado, varonil e generoso Esaú. Ah, Isaque, você deve morrer mais uma vez para todo o orgulho terreno, e todas as suas idéias e preferências devem ser abandonadas pela vontade e pela palavra de Deus sobre seus filhos. Quantos pais morreram para o mundo em relação a si mesmos, mas não em relação aos seus filhos? Quantos planos e perspectivas eles têm que não são de Deus! Quantas vezes Deus tem que humilhá-los e desapontá-los nos próprios objetos de seu amor idólatra e transigência mundana?
Assim, Isaque precisou ter seus planos destruídos, ouvir o choro amargo do seu primogênito e dar a benção da aliança a Jacó. Mas quando ele viu a vontade divina, não lutou mais, concordou imediatamente e acrescentou seu próprio amém: “Sim, e ele será abençoado”. Isaque teve que morrer mais de uma vez, mas quando o fez, o fez gloriosamente. Ele mergulhou direto na vontade de Deus e não havia mais nada a ser dito sobre isso. A provação não terminou logo, mas a obediência foi completa. Esaú continuou a causar um profundo pesar por seus casamentos mundanos e vida com um espírito terreno. Jacó saiu, por mais de vinte anos, para não ver mais o seu rosto, até que ele e Esaú se reuniram em seu leito de morte. A sombra de um ódio mortal entre os irmãos encheu seu coração, sem dúvida, com a maior amargura, mas não vemos uma sombra sequer disso sobre seu espírito.
A paciência teve sua obra completa. Ele se tornou, tanto na idade avançada quanto na juventude, o tipo do Salvador sofredor, o manso e humilde de coração, e o padrão daquelas graças que Deus faz arder em almas desejosas e cheias de expectativa por meio do ardente sofrimento, mas que se classificam no primeiro e último lugares da procissão divina do amor. “O amor é paciente, é benigno, tudo sofre, o amor suporta todas as coisas”.
“Mas o que tudo isso tem a ver com a fé?”, você pergunta. Esta é a obra da fé. “Senhor, até quantas vezes meu irmão pecará contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes? Respondeu-lhe Jesus: Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete” [Mt 18:21,22; Lc 17:3,4]. Qual foi a resposta deles? “Aumenta-nos a fé” [Lc 17:5]. Por que eles não disseram: “Senhor, aumenta o nosso amor”? Porque eles viram que somente uma estupenda fé poderia trazer tal amor; somente o próprio amor de Cristo em nós, recebido pela fé, poderia triunfar assim. O Apóstolo diz aos Colossenses: “fortalecidos com todo o poder, segundo a força da sua glória, em toda” – o que, obra? Não, mas “a perseverança e longanimidade; com alegria” [Cl 1:11].
Extratos do Capítulo 6 do livro “Standing on Faith”, de A. B.Simpson.
1 Comentário. Deixe novo
Como alguns de nós servos do Senhor Jesus Cristo precisamos alcançar, aos pés do Senhor Jesus Cristo, essa fé que nos leva a ter paciência e o verdadeiro Amor.
O Senhor Jesus Cristo tenha misericórdia de mim.
Obrigado Amados Irmãos por compartilharem tão profundo e inspirador texto.
Deus em Cristo Jesus abençoe a vocês todos.