G. H. Pember (1836-1910)
“O mistério que estivera oculto dos séculos e das gerações; agora, todavia, se manifestou aos seus santos; aos quais Deus quis dar a conhecer qual seja a riqueza da glória deste mistério entre os gentios, isto é, Cristo em vós, a esperança da glória” (Colossenses 1:26,27)
Em sua primeira vinda, nosso Senhor interrompeu Sua aliança com os Judeus, por eles O terem rejeitado, sobrevindo uma suspensão temporária do cumprimento da profecia Judaica – um longo intervalo, que parece, entretanto, estar chegando em seu prazo final.
Mas, quais eram os planos de Deus para esse intervalo? Iria Ele, durante esse período, permanecer sem testemunhas e sem um povo sobre a terra? É claro que não. Enquanto a glória de Israel tardava, Cristo poderia ser a luz para os Gentios, e assim revelar, no tempo determinado, outro propósito do Altíssimo.
Era tarde da noite daquele dia memorável, no qual o Senhor comeu a última Páscoa. Ele ainda estava sentado à mesa com onze dos Seus discípulos, a ceia tinha terminado, o pão havia sido partido e o vinho bebido. Ao traidor Judas não lhe seria permitido compartilhar o grande segredo que iria ser revelado, apesar dele ter sofrido, como muitos outros, que nunca se sentarão com Cristo no Reino dos Céus para comer pão e beber vinho. Desta forma, ele foi dispensado, a fim de que o Senhor pudesse falar em paz Suas palavras de despedida, de amor e de esperança àqueles que Ele havia escolhido.
Eles haviam acabado de participar da alegre festa de libertação, mas não havia sinais de alegria em seus rostos, mas grande tristeza. A sombra da morte parecia ter caído sobre aquele pequeno grupo, e cada face tinha se vestido de melancolia. Isso porque eles ouviram coisas terríveis e estranhas naquela noite. Sua segurança tinha se dissipado e suas esperanças foram totalmente destruídas. É bem verdade que não havia nenhum motivo para estarem surpresos, porque, no passado, o Senhor já lhes havia predito, mais de uma vez, esse perigo iminente. Mas eles nunca prestaram atenção ou se preocuparam em compreender Seus avisos. Assim, estavam inteiramente despreparados para os eventos que iriam confrontá-los, como o Senhor havia acabado de anunciar.
Seu primeiro comentário, antes da ceia, deve ter ressoado um alarme dentro deles, porque Ele falou da intensidade do Seu desejo de comer aquela Páscoa com eles antes do Seu sofrimento. Então, Ele anunciou que um deles iria trai-Lo; que Satanás os havia reivindicado para peneirá-los como trigo; que Pedro, que havia sido tão enfático ao expressar sua devoção, iria negar seu Senhor no curso daquela mesma noite. E ainda, o mais triste de tudo, que Ele mesmo estava prestes a deixá-los e, para onde Ele estava indo, eles não poderiam segui-Lo naquela hora, mas em um momento posterior.
Essa última revelação deve ter atingido, com um golpe mortal, todas as suas esperanças. Isso porque eles ainda não conheciam nada dos propósitos de Deus. Eles falavam apenas da Palestina e da Jerusalém terrena, e nunca sonharam que seriam apontados para um destino superior, que o céu seria sua casa e a Jerusalém do alto sua mãe.
De acordo com suas concepções, Cristo deveria estabelecer o padrão de Sua realeza e convocar toda a Judéia para segui-Lo, devendo, após destruir todas as legiões romanas, ser coroado em Jerusalém e então, assentá-los nos prometidos tronos sobre as tribos. Entretanto, agora, Ele falou em ir embora, em deixá-los e abandonar a terra prometida à Semente de Abraão! Todas as suas expectativas foram aniquiladas em um momento, e eles ficaram como aqueles que viram as belas formas de um lindo sonho se quebrar e se dissolver no frio orvalho da manhã.
Não apenas tiveram suas mais elevadas esperanças destruídas, mas havia ainda algo pior, porque, se o seu Senhor iria partir, o que seria deles no mundo? Ele foi o seu suporte e apoio, seu guia, sua ajuda e defesa contra todos os perigos, Aquele que nunca ficava sem recursos para livrá-los de qualquer cilada, para repelir cada assalto de seus inimigos. Ele também havia sido sua alegria e, se o Noivo fosse tirado, o que poderiam fazer as crianças convidadas para o casamento, além de chorar e lamentar para sempre? Agora eles começaram a compreender Suas sombrias palavras: “Virá o tempo em que desejareis ver um dos dias do Filho do Homem e não o vereis” [Lc 17:22].
Quem iria, a partir dai, ser capaz de confortá-los nos momentos de angústia, falar palavras que fariam seus corações arderem e erguê-los do mais profundo desespero para a esperança? Quem poderia lhes dar o socorro em cada perplexidade, fazer surgir pão para eles no deserto, dar ordem para que os peixes do mar venham até eles, a fim de que possam pagar os impostos?
Se o barco deles estivesse mais uma vez afundando sob uma tormenta, quem iria ordenar ao tempestuoso vento que se aquietasse e comandar as bravas ondas para voltar ao seu lugar? Se os fariseus provocassem um tumulto contra eles, quem iria se posicionar à frente deles e expor a hipocrisia dos seus adversários, com palavras de poder, tão incisivas e claras, que a multidão que surgisse iria se dissolver, até que permanecessem apenas alguns pecadores maravilhados, não mais ameaçadores, mas clamando com emoção: “Jamais alguém falou como este homem” [Jo 7:46]?
Se algum dentre eles ficasse doente, quem iria repreender a doença e, em um momento, curar o doente? Ou, se a morte de uma pessoa amada despedaçasse seus corações com angústia, quem iria transformar seu luto em alegria por meio de palavras, ditas na porta do sepulcro, como uma voz que nem a Morte, nem o Hades podem resistir: “Lázaro, vem para fora” [Jo 11:43]?
E quem poderia substituir Sua doce afeição? Porque Ele não ficou com eles esses três anos, sem Se entrelaçar aos seus corações e fazê-los sentir que, Nele, eles tinham um verdadeiro Amigo, cujo amor ultrapassava o amor de mulheres [II Sm 1:26], e que era mais próximo a eles do que um irmão. E ainda, Ele havia acabado de predizer que todos eles iriam, naquela mesma noite, abandoná-Lo na hora da provação; e mais do que isso, um deles iria traí-Lo e outro nega-Lo!
Podemos imaginar o desespero deles. Podemos conceber os pensamentos confusos em suas mentes, como as ondas bravias de um mar tempestuoso. Ainda assim, não podiam livrar-se dessa carga: nenhum som escapou dos seus lábios e um silêncio pesado tomou conta do ambiente.
Finalmente, o Senhor abriu Sua boca e quebrou o silêncio opressivo, com palavras adequadas, que trouxeram esperança aos seus corações, como quando ordenou “haja luz” [Gn 1:3] e esta surgiu sobre os oceanos sem limites, dissipando as trevas. “Não se turbe o vosso coração”, Ele disse. “Credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora, eu vo-lo teria dito. Pois vou preparar-vos lugar. E, quando eu for e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim mesmo, para que, onde eu estou, estejais vós também” [Jo 14:1-3].
É difícil para nós compreender a surpresa que essas palavras devem ter causado aos discípulos – se é que eles as compreenderam naquele momento. Eles haviam pensado apenas na paz e glória relacionadas à Jerusalém que está na terra, e essa visão teria sido sua única consolação na presente angústia; mas o Senhor remove esse apoio, não lhes dando nenhuma esperança de que haveria algo melhor neste mundo, além de tribulação, revelando, finalmente, de forma clara, o grande segredo do propósito de Deus.
Ele lhes convidou a renunciar seus privilégios e expectativas como judeus, os chamando para um destino mais elevado. Por O ter recebido, Ele lhes daria o poder de se tornarem filhos de Deus, e eles habitariam, não em Jerusalém, mas com Ele, onde Ele está, para que possam contemplar Sua glória. E, apesar Dele estar prestes a deixá-los por um tempo, isso aconteceria para que Ele pudesse preparar lugares para eles na casa de Seu Pai e, assim que todos eles se ajuntassem e estivessem prontos, Ele voltaria e os tomaria para Si mesmo para sempre.
Algumas semanas depois, quando os apóstolos e outros crentes fiéis estavam reunidos no mesmo lugar, o Espírito Santo desceu para batizá-los em um corpo e para fundar a Igreja de Cristo. A partir dali, Deus começou a buscar para Ele um povo de toda carne (Jl 2:28), não, entretanto, para roubar do israelita o seu futuro domínio sobre a terra, mas para assentar esse novo povo nos Lugares Celestiais com o Senhor Jesus e, em associação com Ele, torná-lo governante espiritual do mundo.
Assim, a presente era começou, mas não existe profecia que nos capacitará a descobrir a exata profundidade de seu curso. Entretanto, precisamos nos lembrar que, apesar da possibilidade da sobreposição das dispensações, tendo como resultado um pequeno período transicional, ainda assim, Deus não pode, com essa exceção, ter dois povos com diferentes chamados sobre a terra ao mesmo tempo. Tal lei está implícita na predição de Miquéias, onde diz que, por terem ferido o Juiz de Israel na face, os judeus deveriam ser entregues para a dispersão, até que a Mulher com dores de parto seja trazida [Mq 5:1-5] – ou seja, até que o número dos crentes seja completado. E, quando esse fato chega ao livro de Apocalipse [Ap 12], somos instruídos que, assim que nascer, o Filho Varão será tomado para Deus e para o Seu trono, de forma que o caminho estará livre para retomada dos tratos de Deus com os judeus. O ensino de Paulo é precisamente similar, quando afirma que “veio endurecimento em parte a Israel, até que haja entrado a plenitude dos gentios” [Rm 11:25]; e que, depois disso, todo o Israel será salvo.
Assim, o primeiro sinal do fim desta era será o repentino arrebatamento de todos os santos que esperam pela Sua vinda, e, até o acontecimento desse evento, não há espaço para nenhum cálculo. Por isso, os tempos da Igreja não são propriamente uma parte da Quinta Dispensação, mas um parêntese fixado nela, devido à perversidade dos judeus – um período incluído, desconhecido da profecia do Antigo Testamento e separado para preparação de um povo celestial, não terreno.
Como nos foi dito, “no fim do mundo”, ou melhor, “no fim das eras”, Cristo apareceu e tirou o pecado pelo sacrifício de Si mesmo. Porque, desde que o Filho do Homem inclinou sua cabeça na morte, sobre a cruz, ainda permaneceram sete curtos anos do curso deste mundo. Misericórdia foi rejeitada, o tempo de paciência foi exaurido e os terríveis agentes descritos em Apocalipse estão aguardando o comando para acelerarem-se em suas missões mortais e assim executar a última indignação. Mas, a ira estava se acumulando para explodir sobre o Senhor Jesus. A espada justa do Poderoso foi voltada contra o Homem que era o Seu companheiro [Sl 55:12,13 / Zc 13:7]. Então, Deus concedeu uma prorrogação para o mundo pelo qual Cristo morreu. Ele confirmou a rápida trajetória dos eventos e protelou as asas dessa era transitória, até que tenha se passado o tempo, cuja duração só é conhecida a Ele mesmo.
Se a Igreja questiona quando o Seu Senhor retornará, ela recebe as seguintes respostas: “em dia em que não o espera e em hora que não sabe” [Mt 24:50]; “ficai também vós apercebidos” [Mt 24:44]; “eis que venho sem demora” [Ap 22:7]. O grande apóstolo dos gentios advertiu a Igreja sobre a futilidade da tentativa de calcular a duração do seu tempo sobre a terra, quando disse: “Irmãos, relativamente aos tempos e às épocas, não há necessidade de que eu vos escreva; pois vós mesmos estais inteirados com precisão de que o Dia do Senhor vem como ladrão de noite” [I Ts 5:1-2]. O dever da Igreja é se manter preparada e vigiar, e não calcular os tempos. Mas, tão logo ela for removida, tudo mudará. A Quinta Era concluirá seu curso interrompido e os Sete Anos rapidamente começarão; e acontecerão o Tempo, Tempos e Metade de Tempo, os Três Anos e Meio, os Quarenta e Dois Meses, os Mil Duzentos e Sessenta Dias; todos esses são períodos que podem ser calculados com exatidão.
Mas, se não podemos precisamente computar o tempo da Igreja, não significa que estamos sem indicação da atual proximidade da vinda de Cristo, pois vemos a cristandade começando a assumir a sua última forma, e o Mistério da Iniquidade diariamente vem ganhando força, enquanto as profecias judaicas parecem estar no ponto de se cumprir. Uma vez que, consequentemente, a Igreja precisa ser tomada antes que qualquer uma dessas coisas se consuma, podemos estar bem seguros de que o Senhor está próximo, e deveríamos admoestar uns aos outros, tanto mais quanto vemos que o Dia se aproxima [Hb 10:25].
Tradução da Parte III, Capítulo I, do Livro “The Great Prophecies Concerning the Church” (As Grandes Profecias Relacionadas à Igreja), Volume 4, de G. H. Pember.