Acima de qualquer método

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Acima de qualquer método é uma porção selecionada do livro  “The practice of the presence of God the best rule of a holy life, being conversations and letters of Nicholas Herman of Lorraine (Brother Lawrence)”.

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Irmão Lawrence (1614 – 1691)

“Eu sou do meu amado, e ele me tem afeição” (Cantares 7:10 – ARC).

Há poucos dias, estava conversando com um irmão de piedade. Ele me dizia que a vida espiritual era uma vida de paz que é alcançada quando passamos por três fases. Primeiramente existe o medo; depois esse medo é substituído pela esperança e pela vida eterna; e, finalmente, vem a consumação, aquela que é o puro amor. Ele disse que cada um desses três estados é um estágio que traz a pessoa para a “consumação sagrada”.

Nunca segui esse método. Ao contrário, sempre me senti desencorajado diante de tais coisas, e quando finalmente consegui estar com o Senhor, decidi simplesmente dar-me a Ele. Este presente que fiz de mim mesmo foi a maior satisfação que tive em relação a esperança de estar livre dos meus pecados. Compreendi que somente por amor a Ele eu poderia renunciar a tudo que se referia aos interesses deste mundo.

Durante os primeiros anos em que estava buscando a Deus, não usei nenhum método. Reservei alguns momentos para pensar sobre a morte, sobre o julgamento, sobre o céu, o inferno e meus pecados. Fiz isso durante muitos anos. Mas, no resto do tempo, comecei a fazer uma outra coisa. Passava o resto do meu dia, mesmo durante o horário de trabalho, sintonizando a minha mente, cuidadosamente, na presença de Deus. Sempre achei que Ele estava comigo, até mesmo dentro de mim.

Finalmente, decidi usar os horários de oração para praticar qualquer tipo de devoção metódica, o que me proporcionava uma grande satisfação e um grande conforto. Depois, mesmo nesses momentos, me fixava na presença de Deus. Essa prática nova revelou-me muito mais sobre o Senhor. Somente a minha fé, sem métodos e sem nenhum medo, foi o bastante para que me sentisse seguro e caminhasse na direção do Senhor.

Foi assim que comecei.

Os dez anos que seguiram foram muito duros e tive muitos problemas. Eu receava não estar sendo tão devotado a Deus como queria ser. Os meus antigos pecados estavam sempre presentes em minha mente, fazendo com que me sentisse não merecedor de todos os favores que Deus me concedia! Isso é a fonte dos meus sofrimentos.

Durante esse período, senti-me muitas vezes como se tivesse que nascer de novo. Era como se toda a criação, toda a razão e até o próprio Senhor estivessem contra mim. Só me restava a fé. A idéia de que estava sendo presunçoso em acreditar que tinha recebido do Senhor favores e graças – e essa presunção só serviria para levar-me ao ponto de pensar que outros só haviam chegado passando por estágios onde encontraram muitas dificuldades – me deixavam muito perturbado. Em certa ocasião, pensei até que talvez esta minha relação com Deus fosse apenas fruto de uma ilusão de minha parte, e que eu não tinha salvação!

Espantosamente, todas essas dúvidas e medos não diminuíram a minha confiança em Deus, mas serviram para aumentar a minha fé. Finalmente descobri que poderia deixar de lado todos esses pensamentos que brotavam em momentos de cansaço e problemas. Imediatamente descobri que eu havia mudado. Minha alma, que havia sido tão perturbada, sentia uma paz interior profunda e estava descansada.

Desde então, tenho caminhado diante de Deus simplesmente com a minha fé, com muita humildade e amor. Agora, tenho apenas uma coisa a fazer: aplicar-me cada vez mais para ter sempre a presença de Deus e nada fazer ou dizer que possa desagradar a Ele.

Muitos anos se passaram desde que vivi tudo isso. Não tenho dores nem dúvidas no meu estágio atual, porque só tenho uma única vontade: a de Deus. A ela sou submisso e não pego uma palha no chão sem que seja por Sua ordem, e faço isso por um único motivo: o amor a Ele.

Acabei com todas as outras formas de devoção, mas mantive o tempo para as orações, porque sou obrigado a isso. A minha única ocupação agora é perseverar na Sua santa presença. Faço isso dando ao Senhor simplesmente uma atenção amorosa.

Atualmente tenho a experiência da presença de Deus. Para usar um outro termo, chamo a isso de conversa secreta de minha alma com o Senhor.

Frequentemente me perguntam: “O que você faz quando a sua mente se distrai com outras coisas?” Isso acontece algumas vezes quando é necessário ou quando estou enfraquecido. Mas o Senhor logo me chama de volta. Esse chamado acontece através de uma emoção interna ou de um sentimento, também interno, tão agradável e charmoso, que fico até perdido e incapacitado de descreve-lo.

Não fique impressionado comigo pelo que eu estou contando. Você tomou conhecimento das minhas fraquezas, portanto, lembre-se sempre delas. Sou totalmente indigno e não merecedor de tudo que o Senhor me concedeu.

Para mim, minhas horas de oração são exatamente iguais aos outros momentos do dia. Elas são uma continuação do mesmo exercício que tenho feito para obter a presença de Deus. Algumas vezes vejo-me como uma pedra antes de ser esculpida, pronta para que façam dela uma estátua. Peço a Deus que forme a Sua imagem perfeita em minha alma, tornando-me inteiramente igual a Ele. Outras vezes, enquanto estou orando, sinto que a minha alma e meu espírito se elevam, sem nenhum esforço da minha parte, para o centro de Deus.

Algumas pessoas disseram que este estado é fruto da minha inatividade, de ilusões e até mesmo do meu amor próprio. Concordo que é uma inatividade total e que seria um amor próprio feliz se a alma tivesse capacidade, nesse estado, para tê-lo. Mas agora, o oposto a tudo isso é que é verdadeiro. Quando a alma repousa em Deus e não segue o seu comportamento usual de egoísmo, o seu amor é somente para Deus.

Eu não consigo olhar isso como uma “ilusão”. Quando o meu eu interior está na presença do Senhor, deleitando-se com Ele, ele não quer nada mais a não ser o Senhor! Se é uma ilusão, cabe a Deus remediá-la.

Senhor, faça de mim o que achardes melhor. Eu só desejo ser totalmente devotado a Vós.

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Pouco se sabe sobre o Irmão Lawrence (1614-1691). O que se difunde a seu respeito é que seu nome era Nicholas Herman, e que nasceu em Lorraine, na França, em condição de pobreza. Aos 18 anos já havia se convertido à Cristo. Tornou-se soldado, um lacaio (empregado que abria porta de carruagens, servia mesas), e com aproximadamente 55 anos ingressou na comunidade religiosa chamada Carmelitas, em Paris. Tornou-se um “Irmão Leigo” entre os devotos descalços de Cristo, assumindo o nome de Irmão Lawrence, como é conhecido. Passou 25 anos nessa comunidade, onde faleceu com aproximadamente 80 anos. Ali, serviu na maior parte do tempo na cozinha do hospital. Tornou-se conhecido por sua serena e tranquila experiência da “presença de Deus”. Dali, eventualmente esclarecia pessoas sobre como poderiam desfrutar de experiência similar em Cristo. Muito pouco do que disse foi deixado para nós, apenas algumas poucas cartas e documentos denominados “conversações”, transcritos por pessoas que registraram o que ele lhes falara. Essas cartas foram publicadas pela primeira vez há 300 anos, e foram publicadas na língua portuguesa sob o título “Praticando a Presença de Deus”. 

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