“Contemplando o Senhor” são notas baseadas no capítulo 4 do livro “Men whose eyes have seen the King” de T.Austin-Sparks, disponível para leitura no site www.austin-sparks.net. É importante salientar que não se trata de uma tradução do texto original, mas da nossa compreensão daquilo que o autor escreveu, podendo conter divergências em relação ao seu entendimento. Recomendamos fortemente àqueles que leem em inglês e se sentirem movidos pelo Espírito Santo a irem direto à fonte, pois certamente receberão ainda mais edificação ali.
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T. Austin-Sparks (1888-1971)
“Seis dias depois, tomou Jesus consigo a Pedro e aos irmãos Tiago e João e os levou, em particular, a um alto monte. E foi transfigurado [metamorphoo] diante deles; o seu rosto resplandecia como o sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz…Falava ele ainda, quando uma nuvem luminosa os envolveu; e eis, vindo da nuvem, uma voz que dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo; a ele ouvi” (Mateus 17:1,2,5).
“E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados [metamorphoo], de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito” (2 Coríntios 3:18).
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A ligação entre essas as passagens está em uma palavra, infelizmente um pouco obscurecida na nossa tradução. Apesar das diferentes traduções, o fato é que temos o uso da mesma palavra grega no original, tomada para descrever o que aconteceu naquele monte, quando o Senhor “foi transfigurado” diante de Pedro, Tiago e João. Essa palavra foi traduzida em 1 Coríntios como “transformados”. A tradução exata seria: ‘somos transfigurados na mesma imagem’. Assim, os filhos de Deus também passam por uma transfiguração, como aconteceu com o Senhor Jesus. A transfiguração do Senhor foi um acontecimento, um ato, em um momento. Não sabemos quanto tempo durou, mas aconteceu em momento definido. Nossa transfiguração é um processo longo que deve acontecer em nossa vida a partir do início de nossa vida cristã até seu clímax: estamos sendo ‘transfigurados na mesma imagem, de glória em glória’.
A deslumbrante glória do Homem Perfeito
Isso é muito desafiador para nós. É muito delicado fazer qualquer comparação entre nós e o Senhor Jesus. Sabemos que a transfiguração do Senhor foi o resplendor de Sua Divindade, mas temos motivos para crer que aquilo resultou do aperfeiçoamento de Sua humanidade, foi o resplendor da glória de um Homem absolutamente perfeito. Temos base para acreditar isso foi intencionado por Deus para todos os homens quando os criou, ao dizer: ‘Façamos o homem à nossa imagem’ (Gn 1:26). Também vemos uma grande ênfase na Palavra sobre a glória e a glorificação que são a consumação de nossa peregrinação. Por isso, existe uma chave na transfiguração do Senhor Jesus, algo que também faz parte do propósito de Deus para nós.
A glória que emanou do Senhor, O encheu e O transfigurou, foi a glória de Sua personalidade totalmente agradável a Deus. Devemos lembrar que a satisfação de Deus é sempre a base da manifestação de Sua glória. Sempre que encontrarmos um estado de coisas agradável a Deus, encontraremos a glória ali. Esse foi o caso do Senhor Jesus, e é por isso que a voz do céu atestou: ‘… em quem me comprazo’. O Pai estava plenamente satisfeito no Filho.
O Monte foi a marca da consumação de Seu aperfeiçoamento. Não me refiro ao pecado – pecaminosidade ou impecabilidade – mas ao aperfeiçoamento de Seu caráter, o aperfeiçoamento daquele homem interior. O Senhor Jesus havia trazido pleno prazer a Deus, em Sua vida interior, satisfazendo-O plenamente por meio de Sua vida. Vimos a aprovação Divina em Seu batismo com palavras semelhantes, indicando, provavelmente, que Seus trinta anos haviam sido aprovados e indicando que o passo que Ele estava prestes a dar com direção ao ministério público, aceitando a cruz (pois Seu batismo certamente implicava isso) fora aprovado. Isso trouxe a palavra do Céu: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mt 3:17).
Mas agora o período entre o batismo e a cruz havia terminando, e que período fora aquele! Um escritor do Novo Testamento diz que o Senhor foi ‘tentado em todas as coisas como nós’ [Hb 4:15]. Isso duro três anos e alguns meses. Sim, o inferno e o mundo O testaram e, em certo sentido, o Céu O testou. Ele foi submetido a tudo e venceu. Ele havia sido ‘aperfeiçoado pelos sofrimentos’, ‘aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu’ [Hb 5:8,9]. Esse processo trouxe essa vida interior, essa personalidade interior, à absoluta perfeição.
Todos nós… transformados
O apóstolo usa essa mesma palavra e diz: ‘Todos nós… somos transformados na mesma imagem’. Ao usar ‘todos nós …’, o apóstolo trouxe um sentido abrangente, não falando apenas de si mesmo e sobre seus companheiros. Paulo falava sobre todos os irmãos em Corinto e todos os crentes.
“Todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados [metamorphoo], de glória em glória, na sua própria imagem”.
Ele usa essa palavra para todos os santos, tornando aquilo que foi aperfeiçoado e completado no Senhor Jesus em um processo contínuo na vida dos crentes. É como se Paulo tivesse dito: ‘O que foi completado e aperfeiçoado no Senhor, agora deve ser reproduzido em nós progressivamente. Essa perfeição, esse caráter, essa personalidade – a personalidade do Senhor Jesus – aperfeiçoada, deve ser introduzida, desenvolvida, manifestada em nós e através de nós. Para ‘personalidade’, poderíamos igualmente substituir pela palavra ‘caráter’.
Um ponto muito encorajados é que o apóstolo termina esta declaração “como pelo Senhor, o Espírito”. Com tudo o que sabemos sobre a vinda do Espírito Santo, Sua Pessoa e Sua obra, todos os efeitos do advento e habitação do Espírito, podemos considerar que a obra inclusiva do Espírito Santo, em todas os Suas múltiplas atividades se resumem em uma coisa: reproduzir o Senhor Jesus em um povo. Quando você orar sobre o Espírito Santo e falar sobre Ele, lembre-se disso. O objetivo supremo e abrangente do Espírito Santo é reproduzir o Senhor Jesus em um povo, em Seu caráter, Sua personalidade, Sua varonilidade ou humanidade aperfeiçoada.
Isso é muito desafiador para nós. Será que aquilo que Cristo é em Sua humanidade perfeita está se tornando cada vez mais verdadeiro para nós, em nossa natureza, em nossos corações? O verdadeiro teste de uma vida governada pelo Espírito está aqui: o aumento progressivo do caráter de Cristo. Se vamos nos encontrar como homens e mulheres realmente governados pelo Espírito, o que devemos encontrar uns nos outros é o Senhor Jesus; e não apenas hoje, não apenas em um momento de nossas vidas, mas deve estar o tempo todo.
Transformados por meio da liberação do Espírito
Esse é o teste e o desafio da presença do Espírito Santo e da liberdade do Espírito Santo para trabalhar. Veja, o apóstolo havia acabado de dizer: “onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade” (2Co 3:17). Ele está, é claro, fazendo uma comparação, ou um contraste, com a antiga dispensação da Lei. Moisés descera do Monte Sinai com a Lei. Tudo na lei era imposto, ‘você deve’ e ‘não deve’; escravidão, limitação, supressão, repressão e ansioso e interminável combate. Agora, tudo isso se passou e o Espírito chegou, e Ele tem o Seu caminho.
Em Cristo, diz o apóstolo, tudo isso se foi. O Espírito veio e estamos livres de todo esse tipo de coisa. Quando o Espírito é Senhor, temos liberdade; tudo é espontâneo, gracioso, simplesmente acontece. Você não precisa fingir, se esforçar, se preocupar, e se reprimir: tudo acontece naturalmente se o Espírito Santo estiver ali. E o que acontece então? A glória do Senhor – isto é, a Sua perfeição – começa e continua a se expressar em nós espontaneamente. Essa é a ‘vida do Espírito’. É a ‘vida cristã normal’. O Espírito Santo, seguindo Seu caminho torna Cristo mais e mais manifesto em nossos corpos mortais.
Transfiguração por meio de provações
Devemos atentar para duas coisas: em primeiro lugar temo o Modelo, perfeito, completo: Cristo glorificado. O Espírito Santo vem para gerar nos filhos de Deus esse padrão, progressivamente. Ele veio com esse propósito, para assumir e fazer isso. Não temos permissão para dizer a Ele como deve fazer isso, Ele escolhe seu próprio caminho. Então, o apóstolo prossegue: “Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós.” (2Co 4:7). Como isso pode acontecer? Como esses vasos de barro frágil irão conter, e manifestar cada vez mais dessa glória do caráter de Cristo? Não será da maneira que imaginamos ou até escolheríamos:
“Em tudo somos atribulados, porém não angustiados; perplexos, porém não desanimados; perseguidos, porém não desamparados; abatidos, porém não destruídos; levando sempre no corpo o morrer de Jesus, para que também a sua vida se manifeste em nosso corpo. Porque nós, que vivemos, somos sempre entregues à morte por causa de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste em nossa carne mortal. De modo que, em nós, opera a morte, mas, em vós, a vida.” (1Co 4:8-12).
Essa é uma visão bastante desconcertante e desanimadora, mas é assim que o Espírito faz Sua obra. Independente de gostarmos ou não, esse é o fato: ser pressionado de todos os lados significa que somos pressionados para algo mais do Senhor Jesus, e representa que algo mais do Senhor Jesus será pressionado para dentro de nós. Isso significa que nunca chegaremos a essa transfiguração se não for por meio dessas provações e adversidades. Esses são os meios do Espírito Santo para nosso aperfeiçoamento, para nosso crescimento em Cristo.
É uma pena que tenha que ser assim, que não podemos ser como Cristo sem ser colocados em dificuldades, problemas e sofrimentos! Dê às pessoas isenção absoluta de todos os tipos de dificuldades e problemas, e veja que tipo de pessoas elas se tornam: egocêntricas, autossuficientes. Pessoas que nunca ficam doentes têm grande dificuldade de ser compassivas e compreenderes aqueles que sofrem. Eles precisam se esforçar grandemente para ser pacientes com elas! Mas compaixão, compreensão e paciência são aprendidas nas experiências dolorosas; é uma questão de caráter, não é?
E assim o apóstolo coloca todas essas dificuldades e adversidades lado o lado com nossa transfiguração. Com efeito, Paulo diz: ‘este é o material do Espírito Santo; esses são os instrumentos do Espírito Santo para gerar Cristo em nós. Se não formos rebeldes, se não permitirmos a amargura penetrar em nosso espírito, é assim que isso acontecerá. Debaixo do governo do Espírito Santo, os sofrimento e as provações, dificuldades e adversidades, irão efetuar isso.
Ocupados com o Senhor
O apóstolo ainda diz: “todos nós, com rosto desvendado, contemplando, como por espelho…”. O que Paulo queria dizer com isso? Será que o apóstolo queria dizer que nós éramos um espelho? Como se aquela imagem fosse lançada sobre nós como um espelho, e então retornava. Ou será que ele queria dizer que Cristo é o espelho, e estamos olhando para Ele, e Ele está refletindo a glória de Deus? O apóstolo falou sobre a “glória de Deus na face de Jesus Cristo”, então Sua “face” nessa outra referência pode equivaler a esse “espelho”. Não se trata da mesma palavra grega no original, mas indica que tudo está “na face de Jesus Cristo”. “E contemplando, como na Face de Jesus Cristo”. É isso que o apóstolo está dizendo aqui.
A palavra “contemplando” tem um sentido muito forte. Não é só dar uma olhada, mas “fixar o nosso olhar”. É isso que o Novo Testamento quer dizer por contemplando, contemplar.
Todos, fixando nossos olhos em Cristo, na medida que Ele reflete na Sua própria Pessoa a glória e satisfação de Deus, a intenção de Deus para o homem em perfeição. Devemos contemplar o Senhor Jesus no espírito, e permanecer ocupados com Ele. Devemos ter nosso Santo dos Santos para onde nos retiramos com Ele. Devemos passar um tempo nesse lugar secreto com Ele. Não me refiro a uma ocasião especial, mas devemos buscar, a medida que nos movemos, sempre MANTÊ-LO DIANTE DE NÓS. Olhando para o Senhor Jesus, contemplando-O, seremos mudados na mesma imagem. O Espírito Santo vai operar quando estivermos ocupados com isso.
Você se torna semelhante aquilo pelo qual é obcecado, aquilo ocupa seus pensamentos, não é verdade? Vemos pessoas ocupadas com algumas coisas, e logo vemos seu caráter mudando de acordo com sua obsessão. Eles vão se tornando semelhantes à sua obsessão, vão mudando, ficando diferentes. Algo os capturou, não conseguem pensar em outra coisa, e isso vai mudando seu caráter. O apóstolo Paulo disse, “para mim o viver é Cristo – estar ocupado com Ele”. Apesar de não ser a palavra mais adequada, seria muito bom que o Senhor Jesus se tornasse a nossa “obsessão”, nossa contínua ocupação. Se permanecermos firmes com nosso olhar Nele, o Espírito nos transformará na mesma imagem.