Fato, Fé e Sentimento

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F. B. Meyer (1847-1929)

“Pois, pela fé, os antigos obtiveram bom testemunho” (Hebreus 11:2).

“Visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá por fé” (Romanos 1:17).

Essas três palavras – fé, fato e sentimento – representam importantes fatores em nosso caráter e vida cristã. Todos precisamos lidar com elas em algum momento, mas é de suprema importância que sejam corretamente alinhadas.

A maioria das pessoas tenta colocar o SENTIMENTO em primeiro lugar, e seu sucesso é tão impossível quanto seria tentar construir uma casa de dois pavimentos, assentando o segundo andar antes de estabelecer sua fundação. A ordem adotada por essas pessoas é:

SENTIMENTO,
FATO,

Ou

SENTIMENTO,
FÉ,
FATO.

Alguns tentam estabelecer a FÉ em primeiro lugar, sem considerar os fatos que são a base de apoio para a FÉ e o SENTIMENTO. Eles se parecem com aquele homem que, desejando se aquecer em uma noite fria, recusa se aproximar do fogo, que é a fonte adequada para aquecer seu coração.

A única sequência possível que pode trazer bênção e conforto para o coração é a indicada no nosso título:

Primeiro os FATOS de Deus, como uma fundação de diamante.

Então nossa FÉ, que apreende e descansa nesses fatos.

SENTIMENTOS jubilosos, que podem ser instantâneos ou que surgem depois de dias ou meses, dependendo da vontade de Deus.

Fato

Os fatos que nos são indicados na Bíblia são como pedras em um caminho através de um riacho. Inicialmente, imaginamos se poderemos chegar até outra margem, mas quando chegamos ali, percebemos que essas pedras estavam dispostas ao longo do percurso de travessia. Quando alcançamos uma delas, podemos então pisar na próxima, até chegar na outra margem.

Seria absurdo consultar nossos sentimentos ou buscar fé quando estávamos ainda distantes dali. Precisamos ir até lá, considerá-las diante de nós, percebendo como elas foram fortemente estabelecidas sobre o leito lamacento do rio, e observar como os moradores daquela região passam constantemente por ali usando-as como base. Então, nos sentiremos capazes de confiar nelas, e finalmente, com um coração leve e um grande senso de alívio, trilharemos o percurso.

Vamos nos lembrar de alguns fatos que podem nos ajudar na fé e no sentimento.

Um fato é que Deus nos ama com um amor terno e especial. Podemos não acreditar nem sentir isso, da mesma forma que o sol quente pode estar brilhando diante da nossa janela fechada, com pesadas cortinas, sem que possamos senti-lo ou vê-lo. Entretanto, nossa dificuldade em apreciar ou perceber o fato do amor de Deus por nós não altera sua realidade.

É um fato que, em Jesus, cada obstáculo já foi removido do caminho da nossa imediata aceitação e perdão. Deus estava no Salvador que morreu por nós, tirando os pecados, suportando-os sobre Seu corpo no madeiro, reconciliando o mundo Consigo. Podemos não acreditar nisso, nem sentir a alegria resultante desse sacrifício, mas isso não altera esse fato.

Depois que um tratado de paz foi assinado entre o Norte e o Sul, pondo um fim à guerra Civil, ainda havia soldados escondidos nas florestas, vivendo parcamente à base de frutas silvestres, que poderiam ter retornado livremente para suas casas. Eles não sabiam, ou não acreditavam nas boas novas, e continuaram passando fome por muito tempo depois que seus camaradas já tinham sido recepcionados alegremente por suas esposas e filhos. A perda foi deles, mas a falha no conhecimento ou na fé não alterou o fato de que a paz havia sido proclamada, e que a porta estava amplamente aberta para seu retorno para seus lares.

Um amigo pode ter pago todas as minhas dívidas em minha cidade natal, de onde fugi temendo a prisão e desgraça. Ele pode ter feito isso tão rapidamente que meu crédito nunca tenha sido prejudicado, nem meu nome tenha sido comprometido. Lá, todo o amor e honra me aguardavam. Ele pode até ter me avisado a respeito, mas se continuar distante e me recusando a retornar, minha tolice a esse respeito não mudará o fato desses atos beneficentes, mesmo que ainda estejam envoltos em mistério para mim.

É um fato que no momento que a pessoa confia em Cristo, ele nasce na família de Deus e se torna Seu filho. Não temos dúvida disso. Podemos não desfrutar desse sentimento, nem nos sentir zelosos ou desejosos. Podemos até estar conscientes das nossas recentes derrotas. Podemos estar passando nossos dias debaixo da sombra da depressão, mas se recebemos a Cristo e confiamos nEle, nascemos de novo, não do homem, nem da vontade da carne, mas de Deus (Jo 1:13). Podemos até ser um filho pródigo e inconstante, mas somos filhos. Se fosse sábio, tomaria o seu lugar devido de filho na mesa do Pai e desfrutaria de Seu doce sorriso. Mas, se permanecer de fora no frio, como o filho mais velho na parábola fez, isso não alterará o fato de que seu lugar está preparado, pronto para que você o ocupe quando desejar.

É um fato que Deus toma aquilo que nós lhe entregamos, imediatamente quando o fazemos. Não existe um longo intervalo para isso. Quando entregamos, Ele recebe. Quando nos colocamos em Seu altar, somos imediatamente selados com Seus. Quando nos consagramos, Ele o aceita. O ato Divino é instantâneo. Podemos não ter consciência disso e por isso continuarmos repetindo esse ato diariamente. Se o fizermos, estaremos nos sobrecarregando com uma ansiedade desnecessária, e perderemos a bênção de compreender o que é ser a propriedade absoluta e servo do bendito Mestre. Mas nosso erro não pode alterar o fato de que Deus tomou nossa palavra logo que a emprenhamos, recebendo-nos em nosso ato de dedicação. Será que nossa falta de fé tornará nula a fidelidade de Deus?

É um fato que, em Jesus Cristo, estamos assentados nos lugares celestiais. Não podemos alterar isso. Podemos não acreditar nisso, nem crer em todos os privilégios que isso implica, não desfrutando da bênção e proximidade de Jesus, que é, não obstante, nossa posição de direito na ordenação Divina. Se formos unidos com Jesus pelo mais fino filamento de fé, estaremos tão unidos a Ele quando os mais elevados santos. Onde a Cabeça está, também está Seu Corpo. Nele nós morremos na cruz, e então encaramos as demandas da lei santa. Nele fomos para o túmulo, passamos pelas regiões governadas pelo príncipe da potestade do ar. Nele ressurgimos e ascendemos muito acima de todo poder e domínio, principado e potestade.

Está Satanás debaixo dos pés de Cristo? No propósito de Deus, ele também está debaixo do nosso. Foram a morte e o túmulo deixados para trás por Cristo? Então, no propósito de Deus, isso também nos acometeu. Naquilo que tange seu aguilhão e terror, eles são como os egípcios, mortos no meio do mar. Será que o grande Sumo Sacerdote penetrou os céus através do véu? Então, no propósito de Deus, nós também passamos do átrio exterior para o Santo Lugar, onde oferecemos dons, sacrifícios, súplicas e intercessões a favor de todos os homens.

Tudo isso pode parecer impossível, como um conto de fadas, mas é nossa verdadeira posição. Esses são fatos no mundo eterno, independente de nos valermos deles ou não. Não são poucos os casos registrados de antigos escravos passando fome em grilhões, porque não se aproveitavam da liberdade e de uma vida nobre, permanecendo em uma vida dura e difícil porque não reclamavam por seus direitos.

É um fato que existe uma porção no dom do Pentecoste aguardando a cada membro de Cristo. Cada um de nós recebeu graça. A promessa do Espírito Santo é para todos os que o Senhor chamar. Sem dúvida existe uma porção daquele encher, uma unção Divina, um maravilhoso poder para o serviço que transformou os apóstolos de tímidas ovelhas em leões diante do combate. Você pode nunca demandar por isso, mas não existe uma graça disponível a outros que não seja possível a você. Todas as coisas são nossas. Deus nos concede as insondáveis riquezas de Cristo. Olhos não viram, ouvidos não ouviram, nem jamais penetraram em coração humano todas as reservas de amor, graça e poder que são nossas em Cristo, acumuladas no Banco do Depósito Divino. É muito triste que continuemos vivendo uma vida de mendigos, quando tal riqueza e poder são nossos. Mas se persistirmos em viver assim, nossa tolice e cegueira não alterarão os fatos de que a plenitude de Deus é nossa em Cristo.

Esses são alguns fatos, que podem ser conhecidos por nós na Palavra de Deus, e que nos conduzirão, por meio do riacho das turvas emoções, na direção de um solo firme e estável para nossos pés. Vamos parar de nos preocupar com nossa fé e parar de medir os pulsos de nossas emoções, descansando na certeza desse fundamento mais estável que os céus e a terra.   

Se você anseia por uma verdadeira fé, não foque sua atenção nela, mas contemple os fatos que descrevemos. Não temos dificuldade em confiar em nossos amigos, porque abrimos nossos corações para seu amor. Nos lembramos de todas as suas interposições a nosso favor, e tudo que nos prometeram e por nós fizeram. Onde estaria nossa dificuldade no que tange a fé, se parássemos de nos preocupar com isso e dirigíssemos nossa atenção para o seu objeto – Jesus Cristo nosso Senhor?

Fé é mais que uma crença. Em uma crença, acreditamos em algo a respeito de uma pessoa ou circunstância, mas na fé depositamos nossa confiança sobre uma pessoa. Não devemos apenas crer a respeito de Cristo, mas nEle, como Livingstone o fez, quando estava sofrendo um ataque, ao anoitecer, de um exército de furiosos selvagens e foi tentado a desaparecer em meio à escuridão. Então seus olhos foram iluminados com a promessa “estarei convosco todos os dias”. Ele escreveu: “Fui dormir porque sabia que aquelas eram as palavras de um perfeito cavalheiro”. Não creia a respeito de Cristo, mas creia nEle.

A Fé se relaciona com a pessoa. Somos salvos e abençoados pela fé que ultrapassa o fato da vida do nosso Salvador. Não nos apoiamos na expiação, mas nAquele que a realizou, não na morte, mas nAquele que morreu, não na ressurreição, mas nAquele que ressuscitou, ascendeu e vive para interceder. Não cremos em afirmações sobre Ele, mas nAquele sobre as quais elas foram feitas.

Muitas vezes ouvimos a seguinte pergunta: “Será que tenho esse tipo de fé?” Essa é uma pergunta necessária, porque existe uma fé morta e espúria que nos deixará em falta no dia da suprema crise. Temos uma resposta simples para isso: “Toda a fé que se volta na direção de Jesus é a fé correta”. Ela até pode não trazer uma sensação consciente arrebatadora. Pode ser tão frágil como o toque daquela mulher nas orlas das vestes do Senhor. Essa fé pode ser até mesmo tão pequena e aparentemente insignificante quanto um grão de mostarda. Como foi o clamor de Pedro – “Salva-me, Senhor!” – ela pode ser manifestar até mesmo por meio de um grito desesperado. Mas se o seu anelo mais profundo for Cristo – Cristo – Cristo, é esse pequeno fio que conduzirá a alma perdida por meio de passagens subterrâneas na direção da luz da vida.

A Fé considera a fidelidade de Deus. Quando mais jovem, tentava buscar por uma fé maior, considerando quão grande, rico e forte Deus era. Por que Ele não me dava dinheiro para Sua obra, sendo Ele tão rico? Por que não carregar todo o encargo das minhas responsabilidades, sendo tão poderoso? Mas essas considerações pouco me ajudaram. Contudo, minha convicção absoluta é de que Ele é plenamente fiel. Ele é fiel à Sua aliança em Cristo, Suas promessas, e à alma que, mediante Seu claro chamado, se lançou em alguma iniciativa por Ele. Podemos perder nossa esperança, nossa mente pode se tornar turva, nosso coração pode desmaiar, nossos amigos e amados podem permanecer distantes, as vozes de zombaria dos nossos inimigos podem sugerir que Deus nos esqueceu e abandonou; mas Ele permanece fiel. Ele não pode negar a Si mesmo; e não pode renegar um filho desamparado que Ele gerou; não pode deixar de lado as responsabilidades que já assumiu. Ele fez e irá sustentar.

Frequentemente me acheguei a Deus em extrema necessidade, agravada por uma depressão nervosa e um coração febril, dizendo: “Minha fé está cintilando, sua mão parece paralisada, seus olhos parecem cegos, e sua doce canção de alegria se silenciou. Mas Tu és fiel, e conto Contigo!” A alma adora seguir Aquele que profere as promessas. Da mesma forma, a esposa não precisa relembrar as promessas feitas pelo marido na cerimônia de casamento, quando confia nele e sente o toque da sua mão.

Não se preocupe com a sua fé; considere a fidelidade de Deus. Se Ele te dirigir a dar um passo dentro da água, Ele sabe que pode te trazer com segurança de volta ao barco. Quando o guia alpino te conduz por meio de um pedaço irregular de gelo, ele considera a possibilidade de seu colapso e as condições de te carregar adiante com seus punhos de ferro e estrutura robusta. O que é o ferro para o sangue, equivale à consideração na fidelidade de Deus para a fé. “Pela fé, também, a própria Sara recebeu poder para ser mãe… pois teve por fiel aquele que lhe havia feito a promessa” (Hb 11:11); Abraão “pela fé, se fortaleceu, dando glória a Deus” (Rm 4:20).

A Fé dá frutos. Não é possível evitar isso, porque a fé liga a alma à Cristo, de sorte que a energia da Sua vida é derramada na alma, por meio da artéria da fé, e, à medida que isso acontece, ela encontrará um caminho para se manifestar. O fruto é (por assim dizer) forçado a nascer na alma do crente. Por que um pássaro canta? Ele não pode evitar isso, porque o espírito da primavera foi derramado em seu coração. Por que um galho dá frutos? É inevitável, porque as forças vitais estão sendo transmitidas pelo tronco. Por que uma criança corre para encontrar sua mãe? Ela não pode evitar isso, porque seu coração absorveu sua natureza. Da mesma maneira, um crente unido à Cristo recebe graça sobre graça a partir do Seu coração, e por meio dessa abundância de Sua habitação, a vida do crente se expressa.

Não é difícil obter fé como essa. Coloque sua vontade ao lado de Cristo – não um desejo passageiro, mas todo o desejo e escolha do seu ser. Esteja desejoso de crer. Erga seus olhos na direção de Cristo. Se não puder vê-Lo, olhe para onde acha que Ele está. Lembre a Ele de que Ele é o Autor da fé, e que isso é o Seu dom. Clame a Ele por isso e considere que, em resposta ao seu apelo, Ele lhe conferiu esse benefício inestimável. Você pode não sentir a fé, mas se encontrará inconscientemente pensando em Cristo, contando com Ele, se dirigindo à Sua pessoa, e o compromisso da alma com Cristo é manifestado pela fé.

Seja cuidadoso com essa planta frágil que foi implantada em você. Dê-lhe bastante exposição ao sol. Viva fora de si mesmo, considerando o que Cristo é. Alimente a fé com sua comida nativa, as promessas, e deixe que ela respire seu ar natural nas montanhas da comunhão. Lide com todas as sugestões de dúvida como se fossem questionamentos relacionados à fidelidade de seu mais doce amigo. Evite as rajadas frias que advém de livros e conversas incrédulas. Tenha certeza de viver de acordo com suas mais elevadas concepções de dever para com Deus e o homem. A sua fé será proporcional à sua obediência. Falta de habilidade de confiar, pode indicar alguma falha na obediência. Se a fé está enfraquecendo, se pergunte se você não deixou passar algum fio de obediência, e volte àquele ponto onde a perdeu.

A Fé é uma faculdade receptora, preeminentemente. Ela não apenas considera aquilo que Deus lhe dá, mas estende sua mão para o tomar. “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome” (Jo 1:12). Nós recebemos a expiação do Senhor que morreu, e recebemos a abundância de graça de Deus a partir do Senhor que vive, para que possamos reinar quando não haverá mais céu e terra, e não haverá mais mar para dividir-nos dos nossos amados (Ap 21:1). As belas vestes são preparadas, e a fé se atavia. A armadura está pendurada na parede, assim a fé se cinge com ela. A água da vida jorra aos seus pés, e a fé a toma, como os trezentos homens de Gideão o fizeram. Dessa forma, a fé lida definitivamente com Deus. Ela não vê os dons do Senhor de forma simples, como um transeunte vê uma joia em uma vitrine, mas ela sabe que todas as regalias do reino de Deus lhe pertencem, e lança mão delas o quanto desejar. Ela ouve a voz do Pai dizendo: “Meu filho, tu sempre estás comigo; tudo o que é meu é teu”.

Não foi suficiente que Deus desse a terra de Canaã pela promessa e aliança para a raça eleita. Eles precisavam ir até lá e possui-la, pisando a sola de seus pés naquele solo, cultivando-a e vivendo sustentados pelos seus ricos produtos. Assim deve acontecer com o crente. Ele é primeiramente unido com Jesus por uma fé viva; que se apoia nEle como Salvador, Amigo e Rei. Então considera que o Filho de Deus é capaz de torna-lo co-herdeiro de todas as Suas inesgotáveis riquezas. Finalmente, aprende a arte de receber e usar sua herança rica, e ano a ano alarga as estacas de sua possessão adiante, tomando mais e mais daquela vasta extensão de território que lhe foi designada em Jesus.

Colonizador do continente ilimitado da plenitude de Deus em Jesus, suba na montanha elevada! Olhe para o norte, sul, leste e oeste, veja o comprimento, largura, profundidade e altura do amor de Deus. Tudo é seu, desde o rio do Tempo que surge aos seus pés, até o derradeiro mar da Eternidade. Não seja negligente, suba e possua a terra, herde tudo que Deus lhe concedeu gratuitamente no Filho de Seu amor.

Sentimentos

Nossos sentimentos são muito enganadores, porque são facilmente influenciados por fatores externos. Eles são afetados pelo nosso estado de saúde, mudanças meteorológicas, a sociedade e até mesmo a ausência de pessoas queridas ao nosso redor. Quando o ar está leve, o sol brilha, dormimos bem, tendemos a nos sentir mais dispostos em relação a Deus do que quando o nevoeiro de novembro encharca e abafa os bosques ao nosso redor. O Pai que nos criou e conhece nossa estrutura compreende isso. Vemos um exemplo disso quando Elias, depois da tensão do Carmelo, sua rápida corrida, e seu desapontamento com a contínua obstinação de Jezabel, se lançou debaixo de um zimbro e pediu para si a morte. Deus o enviou comida para satisfazer sua fome e lhe concedeu sono para renovar seu exaurido sistema nervoso.

Como regra, a fé dá fruto nos sentimentos. “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com… e gloriamo-nos na esperança da glória de Deus” (Rm 5:1,2). “Mas crendo, exultais com alegria indizível e cheia de glória” (1Pe 1:8). Quando o filho pródigo retornou, o pai ordenou que seus servos matassem um novilho cevado, dizendo: “Comamos e regozijemo-nos” (Lc 15:23). Temos o alívio do peso do pecado, o enlevo do perdão, a luz da face do Pai, o senso de justiça, um calmo vislumbre do futuro.

Feliz e bendito sentimento é o efeito da obra do Espírito na alma. “Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz…” (Gl 5:22). Ele é o penhor da nossa herança, e apesar de em nossa infância não podemos ter expectativa de entrar na plenitude dessa herança, somos privilegiados a desfrutar das primícias. Há uma antecipação do rio de Seu deleite e notas dispersas no coro pleno de felicidade. Quando o Espírito Santo revela o Noivo, o coração que O ama fica alegre, mesmo quando as núpcias ainda não foram celebradas.

Mas a falta de sentimento nem sempre indica que estamos errados. Podem haver causas, como já vimos, que justificam nossa depressão. Pode ser que Cristo deseje nos ensinar a distinção entre amor e a emoção do amor, entre alegria e o seu êxtase, entre a paz e o senso de paz. Talvez Ele deseje averiguar se nos agarramos a Ele pelo que Ele é ou em busca de Seus dons.

Os filhos saúdam seus pais da janela quando ele vira a esquina, logo abaixo na rua. Ele ouve seus pés apressados na entrada da casa, quando coloca a chave na porta. Mas um dia ele começa a se perguntar se elas o saúdam por amor, ou se é pelos presentes que ele nunca esquece de guardar em seus bolsos. Um dia, portanto, ele lhes dará um prévio aviso de que não terão mais presentes quando ele retornar. Suas faces descaem, mas quando a hora da sua volta chega, estão todos na janela, como costumavam fazer, e os pezinhos apressados ainda correm até a porta. “Bem, minhas crianças me amam pelo que sou”, diz o pai satisfeito.

Nosso pai algumas vezes corta o suprimento de alegria e permite que tenhamos fome, para que Ele saiba o que está em nossos corações, se O amamos de fato pelo que Ele é. Se ainda nos agarramos a Ele como Jó fez, Ele estará satisfeito e trará conforto aos Seus queridos que estão pranteando.

Busque sentimentos, e os perderá; fique contente em viver sem eles, e terá tudo que precisar. Se vivermos sempre medindo nossa pulsação, acabaremos por acolher uma doença cardíaca. Se estivermos sempre nos agasalhando contra o frio, estaremos mais predispostos a calafrios. Se estivemos sempre preocupados com nossa saúde, viveremos nossa vida em uma terra seca e árida, sem água. Aquele que preserva sua alma a perderá.

Seja indiferente às emoções. Se estiverem lá, fique grato; se ausentes, prossiga fazendo a vontade de Deus, considerando-O, O bendizendo, e acima de tudo, não dando sinais de que está sofrendo, para não ser uma pedra de tropeço para os demais. A alegria te inundará como um dilúvio. Ele te fará sentar em Sua mesa, Se cingirá e te servirá.

Cuidados

Temos cuidados importantes no cultivo da vida devotada, para os quais devemos atentar e que geralmente resultarão em santa alegria e paz.

  1. Devemos permanecer quietos diante de Deus. A vida ao nosso redor, nessa era, é predominantemente apressada e movida por esforços. Essa é a era do trem expresso e do telégrafo. A pressa febril ameaça nossa vida religiosa, e isso já invadiu nossas igrejas. Vemos multidões nas reuniões, e essas mesmas almas tão energéticas se engajam em boas obras. Mas precisamos atentar para que não venhamos a substituir a contemplação pela ação, o cume da montanha pelo vale. Uma coisa não pode ser separada do outra. O sangue precisa retornar para nosso coração para ser recarregado e novamente empurrado de volta para as extremidades. Precisamos de tempo a sós com Deus. O nosso quarto, com portas fechadas é indispensável. Precisamos escapar do ruído do mundo para nos acostumarmos com o tom da Sua voz doce e suave. Como Davi, precisamos sentar-nos diante de Deus. Felizes são aqueles que têm um observatório em sua casa no coração, onde podem com frequência se retirar, debaixo do grande arco da Eternidade, voltando seu telescópio para as grandiosas constelações que estão além da vida febril e para as regiões onde o aplauso e censura humanos não podem alcançar! É apenas nesses momentos que os melhores dons espirituais emergirão em nossa visão, e iremos pela graça recebe-los. É impossível nos apressar na presença de Deus, pegar algo que nos agrada e logo sair. Fazer isso resultará em desilusão e desapontamento. A natureza não revelará sua mais preciosa beleza para um turista do acaso. Nenhum gráfico pode ser lido de relance, e o melhor de Deus não pode ser nosso, se não aguardarmos pacientemente em Sua Santa Presença. A pessoa superficial sairá com uma parábola ou uma história bonita, mas a ela não será dado conhecer os mistérios do reino dos céus.
  2. Precisamos possuir um forte desejo. Existe uma diferença entre desejar algo e estar determinado a possuí-lo. Em uma hora, podemos desejar uma centena de coisas diferentes, e logo nos esquecer completamente delas. Mas como é diferente quando estamos fixamente determinados e estabelecidos no propósito de nossa vontade! O jovem deseja algum equipamento para a prática de esporte, o estudante, um livro precioso. Em cada caso, a vontade é firmada sobre aquele objeto e se decide por adquiri-lo a qualquer preço. A partir daí, privação, sacrifício e demora são encarados com alegria. Nada pode extinguir ou abrandar a determinação que se estabelece nessa busca. Assim acontece conosco. Devemos ter fome e sede, ser tomados por um forte e apaixonado desejo, precisamos estar determinados a até mesmo usar a força para tomar o reino dos céus. As expressões das Escrituras são todas muito intensas – a corça anseia pelas correntes de águas, Jacó não deixou o anjo partir, a viúva importunava o juiz iníquo dia e noite. Nós também devemos ter esse desejo forte, se permitirmos que o Espírito de Deus produza isso em nossos corações. Mas o mercador precisa ser visto buscando e encontrando a pérola. Precisamos nos esforçar para entrar na porta apertada. Precisamos agonizar para obtê-lo, como um atleta o faz pela sua coroa.
  3. Temos uma promessa em nossas mãos. Esse é o verdadeiro método de lidar com Deus. Busque na Bíblia por alguma palavra santa que se encaixe na sua situação. Isso não será difícil, uma vez que as Escrituras são cheias de incidentes pessoais, selecionados de cada variedade de situação. Então, tendo descoberto o texto, talvez indicado para você pelo Espírito Divino, conduza-o até a presença de Deus, apontando seu dedo sobre ele quando passar para sua câmara secreta. As promessas são nossos estoques de possessões, e nossa necessidade deveria nos levar a olhar para elas e clamar pela bênção que ela intencionam a nós.
  4. Confie em Deus. Se você deseja dons espirituais para a glória de Cristo, não para sua própria satisfação, e se, até onde você sabe, seu coração está livre do mal e sua vida está livre de hábitos pecaminosos; se você percebe que a promessa é para você, porque você não é apenas filho, mas herdeiro de Deus, e co-herdeiro de Cristo; se você sente um desejo ardente incutido por Deus para levá-lo até este ponto, então abra bem a boca e acredite que Deus a preencherá; abra todas as janelas e acredite que a luz entrará; abra bem todas as aberturas e acredite que recebeu o que precisava e procurava. De acordo com sua fé, isso será para você. Em algum momento de necessidade, ou quando você menos esperar, ou quando estiver envolvido em tarefas habituais, alguma alegre consciência de alegria, paz, ou proximidade de Cristo, ou poder sobre os outros, será a evidência de que você recebeu.

  5. Devemos cuidar dos outros. Nenhuma vida pode ser abençoada se for egocêntrica e fechada, como o Mar Morto, por paredes gigantescas. O segredo de ter é dar; do aprender é ensinar; de subir ao trono é inclinar-se para lavar os pés dos discípulos. Pense mais nos outros do que em você mesmo, e sua vida nunca será tão rica e próspera. “Eu quero, quero, quero que os cristãos vão por todo o mundo e espalhem o Evangelho.” Estas palavras, pronunciadas com dificuldade, foram quase as últimas proferidas por um amado obreiro cristão.

Tradução de texto homônimo do livro “The Secret of Guidance”, de F. B. Meyer.

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