Harry Foster
“Ele te declarou, ó homem, o que é bom e que é o que o SENHOR pede de ti: que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus” (Miquéias 6:8).
“Quando atingiu Abrão a idade de noventa e nove anos, apareceu-lhe o SENHOR e disse-lhe: Eu sou o Deus Todo-Poderoso; anda na minha presença e sê perfeito” (Gênesis 17:1).
“Pela fé, Abraão, quando chamado, obedeceu, a fim de ir para um lugar que devia receber por herança; e partiu sem saber aonde ia” (Hebreus 11:8).
Abraão, Andando para o Desconhecido
Na verdade, não temos a afirmação exata na Palavra que Abraão andou com Deus, mas, em uma certa crise em sua história, ele recebeu o seguinte mandamento divino: “Anda na minha presença e sê perfeito” (Gn 17:1). Isso pode até nos parecer um pouco inferior ao que é dito a respeito de Enoque e Noé, como se Abraão estivesse sendo tratado como uma criança sob observação, e não como um companheiro adulto. Mas se vislumbrarmos todo o contexto da vida de Abraão, no entanto, não poderemos pensar dessa forma, pois este foi o homem que Deus denominou mais tarde: “Abraão, meu amigo” (Is 41:8).
Diante de sua morte, Jacó, neto de Abraão, falou com emoção do fato de que seu avô e seu pai haviam caminhado diante de Deus (Gn 48:15), sugerindo que essa qualidade de vida era muito honrosa, e muito além da vivida por ele. Andar diante de Deus significa estar muito próximo Dele, confiando em vez de vendo, sempre sensível à voz mansa e suave que constantemente dirige: “Este é o caminho, andai por ele” (Is 30:21). No sentido mais verdadeiro, esta é a caminhada da fé. Ela envolve total dependência de Deus e, no entanto também significa um avanço consistente em direção ao desconhecido, contando com o Seu apoio.
Abraão é o exemplo bíblico desse tipo de caminhada. Somos especificamente informados de que foi dessa maneira que seu primeiro movimento foi realizado: “Pela fé, Abraão, quando chamado, obedeceu… e partiu sem saber aonde ia”(Hb 11:8). Sua vida longa e frutífera foi vivida de acordo com esse padrão e, próximo ao seu fim, seu fiel mordomo foi enviado para procurar uma noiva para seu filho Isaque na mesma base: “Estando no caminho, o Senhor me guiou…” (Gn 24:27).
Há um sentido no qual todo homem de fé deve ser pioneiro. Cada um de nós tem que aprender a sair em direção ao desconhecido. Por esse motivo, um estudo mais ponderado das experiências de Abraão pode nos guiar e encorajar em nossa própria caminhada pessoal com Deus. No caso dele, vemos que:
1. O homem que anda diante de Deus nunca poderá permanecer estático.
Abraão não era um nômade por natureza. Seus primeiros anos foram passados como morador de uma cidade, em uma comunidade altamente civilizada. Vemos, também, que suas expectativas posteriores sempre foram focadas em outra cidade ainda superior (Hb 11:10). A graça, no entanto, contradiz e prevalece sobre nossas inclinações naturais, de modo que as palavras mais pungentes na história de Abraão foram: “Peregrinou”, “Tendas”, “Estrangeiros”, “Peregrinos”, “Distante”, etc. Em tudo que diz respeito a sua vida, a terra era uma ponte a ser atravessada, e nunca um lar permanente para se estabelecer. Ouvi dizer que em algum lugar da Índia há uma inscrição antiga nesse sentido, atribuída às palavras do Senhor Jesus. De qualquer forma, é uma verdade importante.
Sob a influência de seu pai, Abraão foi inicialmente tentado a estabelecer suas raízes em Harã, um lugar cujo próprio nome expressava um olhar para trás. Era uma posição intermediária na qual, infelizmente, muitos cristãos parecem ficar satisfeitos o suficiente para aceitar. Porém, isso não foi verdade para o homem de fé, então ele se mudou para a terra que lhe havia sido prometida. Mesmo assim, não encontrou ali um lugar fixo para permanecer, passando de um local para outro, como se tentasse descobrir o local escolhido por Deus para ele, mantendo sempre sua confiança no Senhor, com base em um novo altar.
O fato de toda a sua vida ter sido vivida em tendas é enfatizado em Hebreus 11:9, como se fosse para chamar a nossa atenção para o fato de que esse homem e sua família nunca tiveram permissão para desfrutar de uma estadia permanente em qualquer localidade fixa. Eles nunca puderam saber o que era ser estático. Este mesmo capítulo nos lembra que essa falta de um lugar de permanência na Terra persistiu até a morte deles, enquanto que a história de Gênesis enfatiza esse ponto ao descrever como Abraão reconheceu que foi Deus quem o fez vaguear dessa maneira, limitando-o a comprar uma caverna como cemitério familiar, pois, depois de todos esses anos de afluência, ele ainda era obrigado a admitir que não passava de “um estrangeiro e um peregrino” (Gn 23:4, 17-18).
O que isso significa para nós? Não que devamos literalmente mudar de um lugar para outro, seja em nossa busca de emprego ou em nossa esfera de serviço a Deus. Enquanto o Novo Testamento registra a história de alguns homens em continuo movimento enquanto viajavam, também nos dá vislumbres de Tiago permanentemente sediado em Jerusalém e Filipe parando em Cesaréia e estabelecendo sua casa ali (Atos 21:8). “Gaio, meu hospedeiro e de toda a igreja” ao menos sugere que esse irmão estava permanentemente localizado em um local, enquanto “Erasto, tesoureiro da cidade”, descreve um cristão que estava em uma posição estável como funcionário público (Rm 16:23). Não! Devemos estar prontos para aceitar o movimento quando as circunstâncias (sob a vontade de Deus) o tornarem necessário, mas essa “vida de tenda” desse homem que andou diante de Deus não implica que haja virtudes em buscar constantes mudanças de localização.
Sugiro, portanto, que essa característica de nunca se tornar estático é essencialmente espiritual. Não devemos colocar nossas raízes na vida deste mundo como se este fosse nosso destino, mas sempre devemos aceitar quaisquer mudanças externas que representem novas lições espirituais ou mais oportunidades de testemunhar. Ainda mais, nunca devemos estar tão fixos em nossa perspectiva espiritual a ponto de não podermos nos ajustar à uma nova luz da Palavra de Deus, ou quando se fizer necessário passar de uma fase de entendimento para um conhecimento mais completo da vontade de Deus. Os constantes movimentos de Abraão nos lembram que estamos continuamente crescendo no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
2. O homem que anda diante de Deus deve constantemente enfrentar o inesperado.
Isto decorre do que já declaramos. No decorrer da minha vida, conheci jovens (e não tão jovens!), que jogaram fora seus empregos ou mudaram de casa sem nenhuma direção clara de Deus, ou comunhão com seus companheiros espirituais, justificando suas ações pela afirmação bíblica de que Abraão “partiu sem saber aonde ia”. Os resultados desse tipo de mergulho no desconhecido muitas vezes se revelaram infrutíferos.
Sugiro que o erro deles foi duplo: eles entenderam mal a ação de Abraão e erraram ao tentar imitar outro servo do Senhor. Em primeiro lugar, as Escrituras citadas indicam que Abraão sabia muito bem que havia sido chamado para ir para Canaã, e tomou o caminho de acordo. O que ele não sabia era o tipo de vida envolvida, pois a terra não lhe era familiar e ele não tinha nenhuma idéia de como Deus o guiaria e sustentaria. Sem dúvida, há exceções a essa regra, mas acredito que geralmente movimentos negativos de qualquer situação devem ser tomados com vistas a um movimento positivo para um novo, e não na direção de um vácuo.
Posso estar errado sobre isso, mas certamente estou certo ao enfatizar que nenhum de nós deve tentar copiar ou imitar outro irmão. A lista em Hebreus 11 é tão variada quanto qualquer lista poderia ser, não apenas nas diferenças de caráter daqueles descritos, mas também nas diferentes maneiras pelas quais eles foram conduzidos. Deus não ordenou que Abraão andasse após Enoque ou Noé, mas que andasse diante dEle! Embora, em certo sentido, Hebreus 11 forneça uma sequência de homens e mulheres de fé, também enfatiza que cada um deles não era uma cópia do outro, mas era original. Deus não trabalha com base em produção em massa. A única coisa que devemos imitar é a fé deles (Hb 13:7).
O Senhor raramente repete nossas próprias experiências. Estamos seguindo em frente, não dando voltas e voltas. Humanamente falando, as jornadas de Abraão poderiam até sugerir que ele estivesse andando em círculos, [mas] temos o veredicto Divino de que ele estava se movendo em direção a um destino. É o viajante perdido que anda em círculos; o peregrino se move firmemente em direção ao objetivo desejado. Portanto, esse homem deve sempre se mover em direção ao desconhecido. Não apenas a vida e as circunstâncias podem mudar à medida que avançamos, mas os caminhos de Deus conosco também variam. O Senhor se certificará de que as condições nos levem a depender de um conhecimento fresco e vivo Dele e que não tenhamos nada como garantido, por mais maravilhoso que tenha sido o passado.
3. O homem que anda diante de Deus deve evitar ações impulsivas.
Aprendemos com os erros de Abraão, bem como com seus sucessos. Na ocasião da fome, certamente foi errado descer para o Egito (12:10), embora fosse sem dúvida desconcertante encontrar uma necessidade aguda na própria terra para a qual Deus o havia chamado com tanta clareza. O resultado, no entanto, foi que ele repudiou sua esposa e quase a perdeu. Quando ele praticou novamente esse engano (quão lento somos para aprender nossas lições!), Ele explicou a Abimeleque que isso surgiu de um acordo que teve com Sara “quando Deus me fez andar errante da casa de meu pai” (20:13). Mas, de fato, a trama foi iniciada “quando se aproximava do Egito” (12:11).
Ele caiu porque, aparentemente, duvidava da capacidade de Deus de sustentá-lo na terra para a qual havia sido chamado, e foi pioneiro naquela confiança no Egito que mais tarde se tornaria uma armadilha para Israel (Is 31:1). Este é um dos testes mais comuns dos peregrinos de Deus – ser levado a uma situação e depois enfrentar circunstâncias que parecem tornar impossível a permanência ali.
Além disso, quando Deus bloqueia o seu caminho e quando seu único contato com Ele é manter-se perto o suficiente para ser examinado e orientado, é tão fácil perder a paciência e se apressar no tipo de situação perigosa em que Abraão se encontrava quando se envolveu com o faraó.
A verdade era que ele havia deixado Deus para trás em sua caminhada, então a partir daí precisou planejar sua própria proteção e bem-estar. Durante esse tempo ele perdeu seu testemunho, pois o faraó foi capaz de dizer: “Que é isso que me fizeste?” (12:18). É uma vergonha para um peregrino ser exposto como incrédulo aos olhos do mundo. Além do mais, seu medo relacionado à preservação de sua própria pele havia exposto a um perigo real a esposa que era sua verdadeira companheira, e que era essencial para a realização dos propósitos de Deus através de ambos. O Egito, é claro, não era bom para ele. Isso significava que ele deveria ser repudiado pelo próprio mundo no qual esperava encontrar apoio.
Deus é muito gentil. Ele extraiu Abraão e Sara de seu dilema, permitindo que eles refizessem seus passos até o local anterior, até o local do altar. A lição, porém, é clara para todos nós, a saber, que fé e paciência devem andar de mãos dadas; uma é inútil sem a outra. Devemos sempre estar prontos para seguir em frente, mas devemos tomar cuidado para não ir muito longe, rápido demais. Devemos andar humildemente com nosso Deus, e nunca devemos esquecer que Satanás estará pronto para apoiar qualquer um de nossos impulsos carnais. Para nosso conforto, notamos que a graça de Deus é tão grande que, desde que retornemos ao lugar do altar, Ele poderá enriquecer-nos, mesmo em nossos passos tolos de incredulidade (13:2).
Não há dúvida de que todo o episódio do nascimento de Ismael representou um ato impulsivo e impaciente de incredulidade (16:2). A ação de Abraão de acasalar-se com Hagar (novamente egípcia) poderia ter sido tolerado e até aprovado pela sociedade de sua época, embora tenha sido um afastamento do decreto original pelo qual Deus ordenou que um homem e sua esposa deveriam ser uma só carne. Por mais que Ele tenha ignorado isso no caso de homens como Jacó e Davi, Ele nunca se afastou dessa regra básica, como Malaquias 2:14-15 nos prova. Mas o que é mais importante para nós em nosso presente estudo é o fato de que a ação de Abraão ter sido derivada de uma pura descrença e, como tantas vezes acontece, uma incredulidade nascida da impaciência. O homem que anda diante de Deus deve tomar cuidado com ações impulsivas.
Curiosamente, o Senhor respondeu à sua impaciência fazendo Seu servo esperar mais treze anos, antes de lhe conceder novas comunicações do céu. Algo ainda mais interessante é que a promessa de Isaque foi precedida pelo mandamento de ser perfeito – ou inteiro de coração – quando andasse diante de Deus (17:1). Os peregrinos espirituais devem tomar cuidado com impulsos e conselhos impacientes, até mesmo dos amigos mais queridos, se quiserem ter uma caminhada digna de fé.
4. O homem que anda diante de Deus pode contar com constantes encorajamentos.
Se falar de caminhar na direção do desconhecido parece uma demanda muito elevada, deixemo-nos tranquilizar com as experiências de Abraão. Posso acrescentar meu testemunho pessoal ao do patriarca quando digo que, antes de cada teste de fé, o Senhor dará uma nova palavra de encorajamento, na qual poderemos confiar quando obedecermos ao Seu chamado. Repetidas vezes, de Ur dos Caldeus até o monte Moriá, somos informados de como o Deus da glória apareceu a Abraão e falou com ele. Será que o homem de fé robusta precisava de tantas novas experiências? Será que as primeiras palavras: “Eis que estou contigo…” não seriam suficientes? Tudo o que posso dizer é que precisava delas, e as recebi. Até onde posso ver, uma longa fila de peregrinos de Abraão até Paulo receberam uma nova palavra de encorajamento exatamente quando as coisas pareciam mais sombrias. No caso de Abraão, podia parecer que, a cada novo passo adiante, ele recebia esse tipo de ajuda: quanto maior o custo da obediência, maiores eram as novas promessas feitas a ele.
Depois que ele permitiu que Ló escolhesse a terra mais rica em pastagens, o Senhor renovou Suas promessas ao patriarca e disse-lhe para percorrer toda a extensão da terra, sabendo que tudo aquilo seria seu (13:17). Depois de lutar magnanimamente para libertar seu sobrinho que não merecia, Deus o encontrou na pessoa de Melquisedeque com bênçãos celestiais, bem a tempo de garantir que ele recusasse firmemente qualquer ajuda dos dons de Sodoma.
Ele fez isso e recebeu uma promessa Divina adicional de bênção, com uma dessas exortações bíblicas, muitas vezes repetidas, de “não temer” (15:1). Infelizmente, ele temeu e concordou com o conselho infiel de Sara sobre Hagar, mas quando tudo isso foi corrigido, ele teve outra aparição do Senhor (17:1). O que ele teria feito se Deus não lhe falasse claramente? E o que qualquer um de nós pode fazer sem o ministério vital e salvador da santa Palavra de Deus?
O melhor – como sempre – foi guardado para o final. A aparição mais emocionante do Senhor a Seu servo peregrino, a final e a mais gloriosa, foi quando ele colocou o filho da promessa no altar e ouviu Deus dizer: “Porquanto fizeste isso… deveras te abençoarei” (22:16-17). Para Abraão, o monte de sacrifício se tornou no monte de visão. Esse sempre será o princípio permanente, “Por isso até nossos dias se diz: no monte do Senhor Ele será visto” (22:14 – tradução da versão utilizada pelo autor).
5. O homem que anda diante de Deus deve chegar ao destino desejado.
Nosso passo final será fora do tempo em direção à eternidade. Para nós, a esfera atemporal é realmente desconhecida, mas isso não significa que seja irreal ou inatingível. Em relação a Abraão e sua família, afirma-se que eles desejavam uma pátria melhor, isto é, algo celestial: “Por isso, Deus não se envergonha deles, de ser chamado o seu Deus, porquanto lhes preparou uma cidade” (Hb 11:16). Não podemos entender muito do que está envolvido na troca dessa vida de tenda de nossa peregrinação, pela cidade celestial de Deus, a casa do pai de muitas moradas, mas a única palavra que se destaca como um farol diante de nós é “MELHOR”.
Ninguém pode contestar que andar com Deus vai nos custar um alto preço, mas ninguém que trilhar esse caminho jamais desejará outro. Os problemas podem ser maiores do que imaginávamos, mas o fim será mais glorioso do que poderíamos ter acreditado. “Deus não se envergonha” – isso significa que Ele se orgulha disso. Então o destino deve ser “muito melhor” do que o melhor que experimentamos durante o caminho.
Texto homônimo de Harry Foster, publicado na Revista “Toward The Mark”, Vol 11, no. 4, Jul-Ago de 1982.